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30.11.05
 



Variable Geometry Orquestra na ZDB - Sáb. 3/12

«A música produzida pela Orquestra da Geometria Variável resulta do jogo do material acústico versus o electrónico, numa contínua busca de pequenos detalhes e significados - o som rompe do silêncio para nele voltar a megulhar...
Com esta organização formal do caos, tenta-se aplicar novos conceitos de indeterminação e composição instantânea, através da erupção assimetricamente alternada de momentos de som e silêncio (ausência de som identificável) com predominância para estes últimos, ­seja pela emissão de sons de características subliminares e psico-acústicas, seja pela completa ausência de sons, permitindo assim aos músicos recuperar o seu ritmo natural de respiração e sentido aleatório de pulsação, bem como escutar toda a espécie de acontecimentos sonoros que estejam a ocorrer nesse preciso momento no espaço envolvente, ou então “simplesmente” escutar o que outro músico tenha começado, entretanto, a fazer, sem a preocupação de responder imediatamente e assim encher de forma inútil o espaço sonoro».

Ernesto Rodrigues - violino, viola, direcção de orquestra
Pedro Costa - violino
Guilherme Rodrigues - violoncelo
Hernâni Faustino - contrabaixo
Sei Miguel - trompete
Marco Franco - saxofone soprano
Nuno Torres - saxofone alto
Helena Ornelas - saxofone tenor
Rui Horta Santos - saxofone tenor
Bruno Parrinha - clarinete, clarinete alto
Manuel Mota - guitarra eléctrica
Ivan Cabral - didgeridoo
Carlos Santos - electrónica
João Silva - gravações de campo, caixa de ruído
Plan - gira-discos
Jorge Travassos - fita magnética
Miguel Martins - vibrafone
César Burago - percussão
José Oliveira - bateria, guitarra acústica

Ernesto Rodrigues (direcção)
Violinista / violista de formação clássica e interesses que vão da música contemporânea (é um habitual frequentador dos seminários de Emmanuel Nunes) ao free jazz e à livre-improvisação, Ernesto Rodrigues tem protagonizado uma abordagem reducionista e de «near silence» em que a nota é substituída pelo som puro (ou pelo ruído) e a estrutura pelas texturas, com deflagração dos fraseados em elementos atomizados, quase total desaparição dos três factores essenciais da musicalidade convencional (melodia, harmonia e ritmo) e utilização de microtons ou total atonalidade.

ZDB, Sábado, 3 de Dezembro, 23h00

 
 


Partindo do princípio de que o Bruno Santos (BS) que me escreveu um e-mail é o mesmo que toca guitarra em Debut, disco recente do Filipe Melo Trio, aqui criticado, mandam as regras da deontologia publicar o comentário que se segue, reservando-me o direito de comentar também:

«Pois é, há muita mediocridade neste País e garantidamente não é o caso deste Trio. Há algo que irei fazer mais cedo ou mais tarde que é montar um projecto pseudo-intelectual e tocar todos os instrumentos que não sei tocar, mandar alta onda, dar umas entrevistas a dizer que tenho uma luz especial e que sou original e aposto que há muito crítico ou analista que vai considerar uma altíssima cena. De facto já se chegou a um ponto em que toda a gente comenta sobre aquilo que lhe apetece. No meu blogue faço uns comentários sobre comentários de comentadores, sobre agricultura e sobre escovas de cabelo. Apeteceu-me! Falo ainda desta coisa de ser original à força. Sou diferente mesmo que não goste. O preconceito está aí. Gostar de algo que não gostaria normalmente para ser diferente. Se a música é boa e bem tocada só presta se os músicos derem uns tiros para o ar que é o que muito boa gente que se pensa original e criativa limita-se a fazer. A crítica ao disco é vergonhosa e vai além do simples facto de gostar ou não da música. Ressabianço puro, é preciso relaxar. Façam como eu, vejam uns bons jogos de Bola e joguem à bola com os vossos amigos, caso os tenham. Bebam um bom vinho, etc. O azedo desaparece logo. A mediocridade impera mas o mundo não está perdido.
Bem Haja, Bruno Santos
».

Passando ao lado da dissertação sobre o gosto e o objecto dos comentários de BS no blogue a que faz referência, cujo desconheço, atenho-me à parte final da carta, aquela onde BS diz que “A crítica ao disco é vergonhosa e vai além do simples facto de gostar ou não da música”.
Em que ficamos? Deve ou não o texto crítico “ir além do simples facto de gostar ou não da música”? Eu penso que sim, e efectivamente não me fiquei pelo simples “gosto ou não gosto”. No texto alinhei sumariamente as razões pelas quais pessoalmente considero Debut um mau disco de jazz. Não está em causa, como observei, que os músicos saibam tocar, o que me parece óbvio e evidente. A questão é essencialmente estética e emocional, e nesse ponto Debut é chuva miudinha no molhado. Não adiantando nada, atrasa.
Não é preciso “dar tiros para o ar”, nem quaisquer efeitos pirotécnicos, como BS ironicamente aponta. Bastaria ter instilado uma boa dose de espontaneidade, frescura e emotividade no corpo convencional pelo qual optaram. Nada tenho contra o convencional, adianto já. Agora, se é para repisar, que se faça o gesto com alma e coração, e não apenas tocar à maneira de. Pessoalmente, em lugar de ouvir imitações suaves de Oscar Peterson, Wynton Kelly ou outros, prefiro os originais.
“Ressabiamento puro”, diz BS. Bom, no sentido de “farto de”, “saturado”, “desgostoso” que lhe dão os dicionários da Língua Portuguesa, concordo. Sobretudo desgostoso, pela oportunidade perdida – e são tão poucas as hipóteses de músicos portugueses gravarem discos de jazz! O que só lhes aumenta a responsabilidade quanto à qualidade do produto final. Neste caso, mantenho, não chega cumprir obediente e reverentemente as regras estilísticas traçadas por outros. Isso, o ar prematuramente decadente, a falta de identidade própria e o défice emocional – a música está emocionalmente morta – fazem de Debut um mono à nascença.
Devo observar que, pese embora o que escrevi sobre as impressões que o disco me causou, não manietei o masoquista que há em mim e castiguei-me ouvindo Debut mais um par de vezes, após alguns dias de conveniente distância profilática. Confesso que a experiência me recordou as aulas de ciências naturais no laboratório do Liceu, e os frascos de formol contendo várias espécies da fauna nacional e de outras paragens. Lembro-me da curiosidade que me despertavam, e de como ela ficava sempre muito aquém da imaginação e do desejo de ver aqueles animais vivos e em estado natural. Daí o meu putativo ressabiamento, o qual seguramente não seria para aqui chamado se em lugar de zurzir tivesse ovacionado o debutante fonograma. Mas a vida é assim, feita de flops e de sucessos. Quem anda à chuva molha-se e quem coloca um produto artístico no mercado fica sujeito ao escrutínio dos cidadãos livres. Uns apupam, outros aplaudem, aos demais é indiferente. Saudável, além do vinho e do futebol, caro BS, é saber conviver com a diversidade de atitudes e opiniões críticas. Pela oportunidade, que agradeço, bem-haja também.
Eduardo Chagas
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Resposta de Bruno Santos, em 01.12.2005:
«Se você acha que a sua crítica é puramente se o disco presta ou não, muito bem. Releia a crítica. Os comentários são abusivos e ofensivos. Quem anda à chuva molha-se e como músico profissional aguento as críticas mas não as ofensas. Mas a pura verdade é que toda a gente, nesta altura do campeonato, tem um blogue e diz o que lhe apetece. Coisas da tecnologia. Espero honestamente nunca me cruzar com vossa excelência. Faz mal à música. Tenha um pouco de >respeito por quem faz música por prazer e profissão. Será o seu um desses casos? E fico-me por aqui porque não gosto de alimentar polémicas, nem de peixeiradas (que parece o caso)».
Cumprimentos,
Bruno Santos


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Resposta, na mesma data (01.12.2005):

Caro Bruno Santos,
Rejeito em absoluto que tenha ofendido a sua pessoa, que não conheço, mas respeito enquanto tal. Jamais me passaria pela cabeça entrar por esssa via. Não há uma palavra ofensiva para si ou para terceiros nos textos que escrevi. Critico a obra, esse objecto "formolizado", e a atitude auto-indulgente e complacente dos músicos protagonistas, não as pessoas nem as profissões. Por isso, não vale a pena gastar tempo a armar-se em virgem ofendida, que isso não colhe nem tem cabimento num debate de ideias, que julgava poder ser franco e leal, mesmo quando divergente, duro e incisivo. Mas o que observo é o seu remoque destemperado, que lamento. Afinal, o ressabiamento era mesmo seu...
Não fazia tenções de me cruzar consigo, mas, pelos vistos, estou livre disso. Pena, porque até poderia ser um prazer continuar o debate sobre música face a face, já que matéria não falta: você toca guitarra há décadas, eu ouço jazz e estudo o assunto há décadas; você acha que eu faço mal à música (que bizarria, eu fazer mal à música, homessa... atribuir-me uma importância que não tenho, nem reclamo); eu acho que você, artisticamente, é capaz do melhor e do pior, como tenho vindo a notar. Como vê, não nos faltariam bons pontos de partida ou de chegada para uma acalorada e profícua discussão.
Na armadilha da ofensa é que não me apanharia, mesmo que você estivesse interessado em continuar a baixar o nível e a tentar imputar-me a montagem de uma "peixeirada", estilo que não é seguramente o meu. E o respeitinho de que fala, ham, ficou obnubilado?
Fico ciente de que não quer mais conversa, o que para mim, vistos os termos, acaba por ser assaz conveniente. Será da sua parte falta de cabedal e de capacidade argumentativa, disfarçados sob a capa de birra de alguém que não suporta ler, fundamentadamente, que o disco que gravou é fraquinho e sem graça? Seja como for, passe muito bem. E cá estaremos para falar do segundo disco do trio, que espero não demore muito e seja melhor que esta farsa, digo, falsa partida. Não será difícil, vai ver. E se assim for, terei muito gosto em, fundamentadamente, registar o facto e dele dar público e reconhecido louvor.
Viva a Restauração!
Tenha um Feliz Natal.
Cumprimentos,
Eduardo Chagas

 
29.11.05
 
Como líder, conhecia Joe Fiedler de dois contextos: um, mais antigo, do trio que gravou 110 Bridge Street para a CIMP em 1998, disco com o soprador Ben Koen e o baterista Ed Ware. Composições mínimas com o máximo de improvisação. Um sucesso artístico, que revelou um jovem trombonista com um som quente e moderno, partilhando o palco com um Ben Koen da mesma categoria, ambos sintéticos e concentrados no modo de dizer, tocando com verve e empatia, puxando pelos aspectos mais cooperativos da criação musical. 110 Bridge Street é um disco que revisito amiúde e que encontro sempre fresco, em parte pelas características que referi, noutra parte, pela ausência de piano e contrabaixo, o que faz sobressair os sons do metal e das palhetas. O outro momento em que me reencontrei com Joe Fiedler foi em 13 de Agosto passado, aquando do concerto que o Fast’N’Bulbous deu no Jazz em Agosto/2005, que me há-de ficar duradouramente na memória.
Eis que este mês Fiedler regressou aos discos e imagine-se, pela mão da portuguesa Clean Feed. Com o contrabaixista John Hebert e o baterista Mark Ferber, Joe Fiedler gravou um excelente disco de homenagem ao trombonista alemão Albert Mangelsdorff, recentemente desaparecido. De Plays the Music of Albert Mangelsdorff falarei mais em pormenor no próximo número da JAZZ.PT.

 
28.11.05
 


Mais um belo par de edições da minha querida Pax Recordings:

Stephen Flinn/Noah Phillips Duo - Square Circle
The debut release from the Stephen Flinn/ Noah Phillips Duo and trio with Tim Perkis is a collection of adventurous spontaneous improvisations. Stephen Flinn (drums, junk percussion) Noah Phillips (electric guitar) Tim Perkis (electronics).

Poetiks - Gypsy Thrift
Based in San Francisco, Poetiks music is dark-pop with roots in folk songwriting. Moments of psychedelic display and simple rock motifs surround sing-songy lyrics with undertones of critical social dismay that's coated with lyrical idealism. They are: Marina Lazzara (lead vocals, rhythm guitar), Claudia Lehan (drums, vocals), Roberto Zimmerman (bass vocals), & Raven (viola, vocals).

 
 
Atenção, atenção (o caso não é para menos)! O IMI Kollektief vai tocar na Sociedade Harmonia Eborense (Praça do Giraldo, nº 72 - Évora), no próximo dia 3 de Dezembro, quando soarem as 23 badaladas.


 
 

Sem exagero, diria assim: Expansion, do Dave Burrell Full-Blown Trio [Dave Burrell, piano; William Parker, contrabaixo; Andrew Cyrille, bateria. Brooklyn, 12/2003. Ed. 6/2004, High Two] foi o melhor disco de piano trio que ouvi nos últimos tempos. Na verdade, não ouvi assim tantos trios neste formato, que foi chão que deu uvas e a fórmula tem andado um bocadinho ruminada e maçadora. No Brad Meldhau e similares não me apanham, que disso já ouvi de sobra, mas lembro-me assim de repente do Live at the Village Vanguard que Uri Caine publicou há pouco tempo na Winter & Winter, que saiu muito bem, sim senhor, embora o conceito seja aparentado a muita da literatura do género.
Em Expansion o caso muda completamente de figura. São 40 minutos extraordinários, muito variados em termos de intensidade, cor e textura, em que se reconfiguram diversas tonalidades piano-jazz, incluindo o velhinho stride. Burrell coloca o seu lirismo e swing muito particulares em permanente sedução com as cordas de William Parker e bateria Andrew Cyrille, soltando-se os três em encontros, desencontros e erupções magníficas ao longo de todo o disco. They Say It's Wonderful, o clássico de Erving Berlin, recebeu um tratamento a solo que por si só valeria uma visita. Expansion é Burrell a todo o vapor, sem carregar demasiado nos pedais e nas tintas (o uso intensivo das dissonâncias e algum caos harmónico controlado, típico da sua produção, podem deixar um gosto inicialmente estranho a quem se habituou ao piano trio clássico, mais macio por natureza) - é a receita de Dave Burrell, o mesmo que em finais de 60, quando guru do free jazz, gravou o famoso e monumental Echo para a editora francesa BYG/Actuel. Em 2004, o regresso de Dave Burrel à liderança de um projecto musical foi uma excelente notícia, tanto mais que se trata de um dos pianistas menos valorizados e um mestre ainda em actividade. Vem aí um segundo volume deste Full-Blown Trio, ao que ouço dizer. Já tarda.

 
  Herb Robertson NY Downtown Allstars - Elaboration
Quando, em Junho passado, na primeira parte do Jazz ao Centro, em Coimbra, perguntei a Lou Grassi o porquê da opção por Herb Roberston para preencher o lugar de trompetista no seu quarteto Avanti Galoppi, recebi por resposta «simplesmente, porque ele é o melhor», fiquei a pensar que de alguma maneira isso era óbvio e estava implícito na própria música, não apenas daquele quarteto em particular, mas de muitos outros contextos musicais em que o trompetista intervém.
Efectivamente, no jazz actual poucos são os trompetistas (haverá algum?!) com a versatilidade de Herb Roberson, com o mesmo à vontade e qualidade de resposta tanto em contextos mais straight, como em ambientes de pura abstracção. É neste sentido que interpreto as palavras de Grassi, o mesmo que encontro na audição de Elaboration.
Muitos são os pontos de interesse deste disco, verdadeiro motivo de celebração, como assinala Robert Iannapollo nas notas que o acompanham. Desde logo, pela capacidade de atrair a presença de quatro dos maiores improvisadores da Downtown novaiorquina actual. Dizer que este é um quinteto de luxo, mais que lugar comum, é redundante. E nem vale a pena elaborar sobre os curricula dos intervenientes, cuja obra é certamente conhecida de quem tem um interesse minimamente sério neste tipo de música.
Mais interesse terá dizer que Elaboration, peça única de 48’26’’, é uma moldura escrita por Robertson, estrutura que o quinteto preenche livremente, interagindo ao sabor do momento. Organizada sob a forma de suite, a peça inicia-se com uma chamada colectiva à junção de esforços para levar o navio a bom porto. Tim Berne dá o tom e elabora alguns esquiços antes de surgirem as primeiras efervescências do piano e as chispas metálicas da trompete. Distribuídos os papéis, a música clama com ardor, injectada pelas ondas de Berne, que a um quarto do caminho já dançam com as pinceladas luminosas de Herb Robertson, entrelaçadas com as cordas de Sylvie Courvoisier. Mark Dresser e Tom Rainey regulam a intensidade e as mudanças de tempo, hábeis gestores do equilíbrio entre abrandamentos reflexivos e vigorosos retornos ao calor da fogueira. Cruzam-se solos, duos e outras combinações instrumentais neste imenso poliedro de variação rítmica e complexa estruturação orquestral.
Elaboration é um grande acontecimento musical. Tocar, editar e ouvir este disco, são actos de inteligência que só dignificam quem os pratica. Que cada um faça a sua parte - a melhor forma de fazer justiça à excepcional arte destes magníficos improvisadores.
Herb Robertson NY Downtown Allstars - Elaboration (Clean Feed)

 
27.11.05
 


Haverá quem ainda não tenha deitado a mão aos discos que Sun Ra e Albert Ayler gravaram para a ESP-Disk? Se for esse o caso, há agora uma oportunidade soberana de preencher a lacuna, porque a ESP vai publicar duas caixas, cada uma com os quatro discos que os artistas gravaram para a editora de Bernard Stollman.

Sun Ra - The Complete ESP-DISK' Recordings
"Sun Ra's peak period is represented in these four documents recorded for ESP-Disk' during the free jazz revolution, his music transcends the realm of jazz and indeed defies definition. Includes: 'The Heliocentric Worlds of Sun Ra Vol. 1&2', considered to be among Ra's quintessential mid '60s recordings; the astounding 'Nothing Is', recorded during his 1966 tour of NY state colleges; and 1973's 'Concert For The Comet Kohoutek', featuring Ra on synthesizer while his group chants in astral worship, as if demanding the comet to take them back to their alternate universe"
CD1 (The Heliocentric World Of Sun Ra Vol.1): 1. Heliocentric 2. Outer Nothingness 3. Other Worlds 4. The Cosmos 5. Of Heavenly Things 6. Nebulae 7. Dancing In The Sun
CD2 (The Heliocentric World Of Sun Ra Vol.2): 1. The Sun Myth 2. A House Of Beauty 3. Cosmic Chaos
CD3 (Nothing Is.): 1. Dancing Shadows 2. Imagination 3. Exotic Forest 4. Sun Ra And His Band From Outer Space 5. Shadow World 6. Theme Of The Stargazers 7. Outer Spaceways Incorporated 8. Next Stop Mars
CD4 (Concert For The Comet Kohoutek): 1. Kohoutek Intro 2. Astro Black 3. Variations Of Kohoutek Themes 4. Journey Through The Outer Darkness 5. Enlightement 6. Unknown Kohoutek 7. Discipline 8. Outer Space E.M. 9. Space Is The Place.

Albert Ayler - 'The Complete ESP-DISK Recordings'
"Not only did these four recordings define the ethos of ESP as the quintessential free-music label of the '60s and '70s, but they also represented (and still remain) some of the most devastating and profound expressions in avant-garde jazz, making history for Albert Ayler and ESP-Disk' as a vital and influential part of American free music. Includes: Spiritual Unity , Ayler's beyond essential 1964 debut release for ESP-Disk'; Bells, Ayler's 20 min revolution in jazz recorded live in NYC 1965; New York Ear And Eye Control (ESP1016), an improvised soundtrack to filmmaker Michael Snow's 1964 film; and Spirits Rejoice, a challenging free-wailing document featuring a stellar line-up and recorded in NYC in Sept. 1965"
CD1 (Spiritual Unity): 1. Ghosts (first variation) 2. The Wizard 3. Spirits 4. Ghosts (second variation)
CD2 (Bells): 1. Bells
CD3 (New York Eye And Ear Control): 1. Dons Dawn 2. AY 3. ITT
CD4 (Spirits Rejoice): 1. Spirits Rejoice 2. Holy Family 3. D.C. 4. Angels 5. Prophet.

Lançamento previsto para 12 de Dezembro próximo.

 
 

Na All About Jazz, entrevista com Bernard Stollman, o advogado que em 1964 fundou a ESP-Disk. Foram 10 anos de aventuras que só termiram porque a falência económica do projecto a isso obrigou. A editora estreou com Spiritual Unity, do trio de Albert Ayler, com Gary Peacock e Sunny Murray.
Bernard Stollman: The ESP-Disk Story


 
26.11.05
 


Abre hoje, 26 de Novembro, às 23h30, o Sabotage Club, Praça da Ribeira, Cais-do-Sodré, Lisboa. Inaugura com a Festa da Oxigénio (102.6 FM, Lisboa). Depois de uma primeira saída à rua, em Abril, com dois projectos portugueses, Cool Hipnoise e 1Uik Project, a Oxigénio volta a andar à solta em Lisboa. Isilda Sanches, Jorge Évora, Rita Moreira, Rui Portulez, Tiago Santos e Rui Murka, são so DJ´s que descolam a segunda festa da modorra inicial. Logo a seguir atacam ao vivo Jackson and His Computer Band, o electro-punk-funk dos dinamarqueses WhoMadeWho e aquele que para a Oxigénio é o homem do mmomento: Jamie Lidell. Até ao romper da aurora há Oxigénio à Solta no Cais-do-Sodré. Tudo isto por uns bem gastos € 20. Local: Rua D. Luís I, 5.
Jamie Lidell: «o cientista louco da electrónica que revelou a soul que tinha dentro de si em "Multiply", segundo álbum em nome próprio e um dos discos mais entusiasmantes de 2005. Ao vivo, Jamie Lidell é imprevisível e arrebatador».
Who Made Who: «O nome vem de um disco dos AC/DC (que é uma banda sonora de um filme de Stephen King) e isso já diz alguma coisa do humor deste trio norueguês. Os Who Made Who são uma mistura explosiva de pop electrónica, punk-funk e várias outras coisas, entre as quais um groove infalível».
Jackson And His Computer Band: «Mathew Herbert, Matmos, Ricardo Villalobos e Trevor Jackson recomendam-no, a revista britânica Wire não lhe poupa os elogios e a Warp, sua editora, situa-o num espectro que vai de Aphex Twin a Jimi Hendrix, dos Boards Of Canada a David Bowie. Jackson Fourgeoud é francês e "Smash", o álbum de estreia, é um dos discos mais desafiantes de 2005. Ao vivo, não promete ser menos do que isso».

 
 

Vale a pena prestar atenção ao que anda a fazer a netlabel eDogm, fundada por Johann Bourquenez e Eric Pailhé, em Toulouse, França. Ontem mesmo, publicou mais uma peça, a quinta, do seu mais que interessante catálogo: Kepler's Laws Of Planetary Motion. Prossegue o labor de dar a conhecer aos espíritos curiosos e inquietos as realizações de novos artistas das áreas do free jazz e da electrónica contemporânea.
Entretanto, nos dias 17, 20, 21, 22 e 23 de Dezembro, em Toulouse: improvisação livre, electro-dub, free jazz, drum'n'bass, video e emissões radiofónicas, no festival CONSTRUCT.

 
 

Do cartaz do London Jazz Festival deste ano, que tem estado a decorrer, Jezz Nelson seleccionou para a emissão de hoje do Jazz on 3 um concerto do World Saxophone Quartet, de David Murray, Oliver Lake, Hamiett Bluiett e Bruce Williams, fundado em 1976, com Julius Hemphill no lugar actualmente ocupado por Williams. No programa do concerto, a interpretação de novos arranjos do quarteto para as composições de Jimi Hendrix. Ao WSQ, neste empreendimento arriscado, juntam-se o trombonista Craig Harris, o contrabaixista Jamaaladeen Tacuma, da Prime Time Band de Ornette Coleman, e o baterista Lee Pearson. «WSQ: The most original and important group to emerge since Miles Davis, Ornette Coleman and John Coltrane redefined group improvisation in the late 1950s» (The New York Times).

 
24.11.05
  Pharoah Sanders, Elevation
Na longa série de gravações que o grande Pharoah Sanders realizou para a Impulse! entre 1966 e 1974 – Tauhid (1966), Karma (1969), Jewels of Thought (1969) Deaf Dumb Blind (1970), Thembi (1970), Village of the Pharoahs (1971), Black Unity (1971), Live at the East (1971), Wisdom Through Music (1972) e Love In Us All (1974) – Elevation (1973), gravado ao vivo no clube Ash Grove, em Los Angeles, é o penúltimo disco da sequência e um dos melhores de toda a carreira de Farrell Sanders, nascido em Little Rock, Arkansas, perto de Hope, terra de outro famoso saxofonista norte-americano, Bill Clinton.
Tudo o que constitui a persona musical deste valoroso servidor da causa da Fire Music, coadjutor de John Coltrane no seu último período, e que passou com brilho pelas hostes de Sun Ra, está maravilhosamente presente nesta obra de grande elevação: o som arranhado, característico e inconfundível do seu saxofone tenor, metafísica e espiritualidade, a dialética entre tranquilidade e turbulência, e o ritualismo oriental e afro-tribal, para que concorrem os coros que Sanders e os músicos cantam durante parte do disco.
Elevation, obra felizmente datada, preservou, contudo, uma frescura e uma actualidade tais que lhe permite agradar tanto aos noviços como aos mais antigos apreciadores desta atractiva síntese cósmica de free-jazz, orientalismo e música africana. Pessoalmente, é do melhor Pharoah que ouvi. Está disponível em reedição pela Verve/Universal. Pela minha cópia paguei 10 euros, na Trem Azul.

 
23.11.05
  Breve conversa com Charles Gayle

Hernâni Faustino - No concerto de Coimbra ouvi um Charles Gayle diferente, menos sónico e muito mais melódico. Procuras actualmente uma nova forma de expressão para a tua música?
Charle Gayle - A música que toco actualmente é diferente....tento fazer com que seja mais melódica do que era e conseguir atingir diferentes vias de expressão.....hoje em dia já não sinto interesse em produzir sonoridades sónicas....preciso de mudar....a situação estava a tornar-se insuportável, foram anos a fio a tocar sempre da mesma forma...senti que já não era um processo genuíno, mas sim algo artificial. No entanto, a minha alma continua livre, permitindo a continuidade da procura através de outras formas de expressão.
HF - A tua música é muito espiritual. Qual a importância da religião na tua vida?
CG - A fé e o acreditar em Deus (Pai, Filho, e Espirito Santo) é a única verdade para mim....tudo o que faço é em nome de Jesus Cristo. A religião é o que de mais importante existe na minha vida, na minha música, e em todas as outras coisas.
Toda a minha música é dedicada a Deus.
HF - Muitas das tuas composições têm uma forte ligação à Bíblia. A Sagrada Escritura é a tua principal fonte de inspiração?
CG - A Bíblia é uma fonte de inspiração, Deus é uma fonte de inspiração....é através da Bíblia que a palavra e o coração de Deus chega até nós. Continuo a usar nomes e expressões da Bíblia para as minhas composições.
HF - Li numa entrevista tua que não sabias o que é o free jazz. Como é que defines a tua música?
CG - A minha música não tem nome....apenas me considero um músico de jazz, porque passei a maior parte da vida envolvido no jazz....no entanto a música de igreja exerceu em mim uma enorme influência...
HF - Continuas a tocar nas ruas de Nova Iorque?
CG - Sim, continuo a tocar nas ruas e no metro.
HF - Qual é a relação que existe entre o palhaço “Streets” e o Charles Gayle?
CG - O “Streets” é um personagem que me permite explorar diferentes abordagens. Através dele consigo criar uma espécie de pantomina nas varias situações e questões da vida. De vez enquanto necessito de recorrer ao “Streets”...por vezes a música não é suficiente para me expressar....através do “Streets” consigo obter uma grande liberdade interior, que me permite participar de maneira mais clara e directa sobra a vida.
HF - Achas que a vinda para a Europa foi importante para o teu desenvolvimento como músico?
CG - Sem dúvida, a minha vinda para cá ajudou-me imenso.....sempre.....seja como for contínuo a sentir que tenho que tocar como “Streets” para me sentir mais em contacto.
HF - Qual é a tua opinião sobre o panorama actual do jazz?
CG - Hoje em dia as coisas são muito diferentes....longe vão os dias das ideias frescas e dos novos inovadores. Existem muitas razões para que isto aconteça, acho que é mais psicológico do que qualquer outra coisa....mas este é apenas um tópico que requer mais tempo e espaço, para que de forma respeitadora se possa discutir o jazz e os músicos da actualidade.
HF - Tocas quase sempre com um trio de contrabaixo e bateria. Porque não uma formação diferente?
CG - Toco em trio porque não consigo fazer dinheiro suficiente para tocar em quarteto ou um quinteto.
HF - Sei que tens uma “marching band”, como é que nasceu o teu interesse por uma banda com estas características?
HF - O principal objectivo desta banda é tocar música para as pessoas que circulam nas ruas e de uma forma esperançosa trazer-lhes alguma alegria e sorrisos...a música da banda tem uma forte componente edificante e cheia de swing.....adaptado ao nosso estilo.
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Hernâni Faustino conversou com Charles Gayle em Lisboa, 2003 (foto de Tony Rogers)


 
  Jazz aos Quadradinhos #2


Other Dimensions in Music (CD AUM 006)
Tears for the Boy Wonder (for Winton Marsalis)

O trompete de Roy Campbell, fúnebre
e a pantomina bass, de William Parker…

Jazz music has to be played sweet? Sweet & dead?
Swing ou sweet?
Dor ou riso, essas lágrimas?
Funerais com Jazz à la New Orleans
de onde é Marsalis,
Funerais ao Jazz,
Bodies die, Spirits live

Other dimensions? Na música, ao menos!


João Henriques (foto e texto)

 
 

Acabo de ouvir o disco de estreia do Filipe Melo Trio. Irritantemente arrumadinho, o que causa os maiores engulhos é esta incómoda e permanente sensação de dejá vu requentado. Caramba, terão estes rapazes ouvido Monk, o mesmo que citam de Bright Mississippi?! Ou outros pianistas em que habite vida, pulsante, palpitante, com sangue, suor e lágrimas, e não esta palidez anémica de quem, na flor da idade, já arrasta os pés e toca como se estivesse com eles para a cova. De todas as versões que conheço de I Got Rythm, a de Debut é das que voa (?) mais baixinho; a bossa nova não é nova; o Isn’t She Lovely, de Stevie Wonder, que no original é um tema excitante, aqui aparece exangue e ressequido, teso como um bacalhau seco. O Bud Powell saiu sem ânimo... . Será assim tão difícil de perceber que não bastam boas intenções nem tocar by the book para fazer um bom disco de jazz? Lamento o acto falhado, todo este tempo perdido e esta música aborrecida, redundante e de máxima previsibilidade, que resulta na antítese do que poderia (ou deveria?) ser o jazz hoje, no Séc. XXI, algo muito diferente deste conservadorismo serôdio, em que tudo o que havia para dizer já foi dito por outros, e melhor, se me dão licença. Desculpem, mas isto contagia e por este andar eu já não aguento uma terceira (audição). Para tal seria preciso algo mais que aqui não há. Ouça-se e descubra-se esse je ne sais quoi. Uma sugestão para se perceberem as diferenças: Monks Casino (Intakt), o triplo CD com a integral das composições de Thelonious Monk, rearranjadas por Alexander von Schlippenbach, Rudi Mahall e Axel Dörner, para quinteto. Aqui sim, há vida. Real, não é imitação.

 
  Manifesto Neo Futurista da Música Portuguesa, J. Lima Barreto

«Situação da ideologia da música portuguesa de hoje – é como abrir o ovo ofegante do sapo, bola translúcida peganhenta institucional, fluido ranhoso conservatório e de escarro neo universitário premiado, a envolver um feto fétido clonado de sapinho star… propaganda mediática sine sapore, projecto anacoico condecorado.

Viva a nova música portuguesa viva!!!

MANIFESTO NEO FUTURISTA DA MÚSICA PORTUGUESA

No que respeita à Música Portuguesa de Hoje, a inventio, o experimentalismo, as novas concepções tecnosociocomunicativas, i.e. a abertura a futuros horizontes, são preteridos e desviadas por técnicas mercantis espectaculares, subjugadas à ideologia museomórfica, ampliadas no regime de alienação cultural nos mass media, especialmente na TV, com quedas para o abismo perfunctório - sincronicamente há, no entanto, o imune duma maravilhosa criatividade interveniente e construtiva da História da Música Portuguesa (historicamente ilustrada por Carlos Seixas, Viana da Mota, Luís de Freitas Branco, Lopes Graça, Peixinho, Filipe Pires, Emmanuel Nunes, Pinho Vargas, J.P. Oliveira, e.a.) ...
A Nova Música dos compositores, dos compositores-intérpretes e dos intérpretes portugueses é sufragada pelo poder dos musoburocratas e circunscrita aos arranjinhos dos operadores culturais.
Os laboratórios para a investigação electroacústica e cibernética da Música são inexistentes, ou tímidos e privados focos de resistência com pálida imagem económico-financeira, ilustres desconhecidos lá fora e esmolando alvíssaras cá dentro.
O Governo é o maior responsável pela afirmação da Cultura Portuguesa, o garante das suas identidade e independência; porém…a guerra esteticamente autofágica - alternativa entre os partidos políticos e seus aliados de ocasião, ao ignorar o situacionismo da Música, é culpada da sua decadência; a política cultural, pontificada por um ministério intelectual e artisticamente irrelevante, sem saber, bombardeia e censura o livre devir da Arte dos Sons, com efeitos colaterais irreparáveis.
Muitos músicos, talentos da criação interarte e com provas dadas internacionalmente, apenas por estrita sobrevivência individual e/ou social, funcionalizam a sua actividade profissional ao gosto, na maior parte das vezes fútil, de encenadores, coreógrafos, cineastas ou capatazes do espectáculo; uma aventura alegadamente pós-moderna, limiar que põe em risco a autonomia da Arte.
Os aparelhos ideológicos votam a arte musical ao isolamento; a política do liberalismo, dita "cultural", elege em sórdidos escrutínios, a galhofa, a bricolagem e a falsa sumptuosidade; a parasitose empresarial e industrial, caucionada pelo Governo, exorciza a criatividade não- rentável.
O projecto terrorista da globalização insinua-se nos médias (rádio, disco, TV) injectando subprodutos da propaganda audiovisual, reduz a música à sua própria publicidade, esbate-se o brio nacional; o rosário de genuflexões dos operadores culturais portugueses ao que é estrangeiro denuncia a eleição do aparato, desculpada pela gratificação do ego americanizado…
Uma estratégia tentacular consolida-se nos palanques da festa multinacional, no sururu dos lobbies, na aparência do regionalismo e do nacionalismo; obsoleta e alienada das verdadeiras necessidades dos músicos portugueses de hoje (compositores e/ou intérpretes), superintende pequenas prestações musicográficas, rede historicista e tarefeira ampliada em jornais, dicionários & outras publicações.
O rito das músicas planetárias é manipulado por uma teoria tecnocrática com laivos de mixórdia cultural - assim se passa na discoteca, altar da hipnose aeróbica, habitat da alienação, da demissão social e da megalomania do ego transviado.
Consequentemente, músicos e operadores culturais com espírito independente, que pretendem prosseguir na invenção tecnológica, na originalidade técnica e na genuinidade estética não encontram apoios económicos e afectivos, necessários à concretização da sua arte.
A cumplicidade de editores, divulgadores e organizadores dependentes dos senhores da banca e dos media, coisifica a arte musical portuguesa - faz-lhe um aceno hipócrita, mas, impõe em grande escala o consumismo compulsivo do pseudoartístico, destila a permanente inovação das músicas do mundo e a proliferação de encontros epifânicos da música portuguesa com as mais variadas tipologias, da salsa à electrónica…o reino da mescla.
A invenção musical é esganada pelos interesses das multinacionais do disco, na rádio e na TV, diluída no miasma da NET, e assombrada por uma obsoleta musicologia de gabinete, que decreta o desaparecimento da identidade da Música Portuguesa, como ousou sonegar os Lusíadas, Eça,… (fomenta uma falsa luta pelo tradicional, para gáudio capitalista no share de audiências; dispensa a preservação da espécie ou recupera-a como uma falácia, degradação cultural epitomisada no espectáculo Beetoyven: A Severa, Amália, Menano, Marceneiro, Zeca, Paredes…).
Subsidiam-se os observadores da criação musical ad lib - viagens, bolsas, salários chorudos para administradores, mais-valia das vedetas do corriqueiro, de descarada conotação politiqueira, e.a., sonegando a criatividade, a necessária interacção artística nacional e internacional. Os eventos musicais via TV, na sua maioria, não têm qualquer originalidade, são modelos, pacotes empresariais, ruminações estéticas, olhares retrospectivos, liberalismo licencioso a aparentar o erudito; o jornalismo musical (imprensa, rádio e TV) é na generalidade rebarbativo, traditor, comprometido no seu pequeno mundo de vaidade e interesse súbdito multinacional; a Música Portuguesa de Hoje é nas diversas vertentes mal protegida, tida como zona demarcada minoritária e sem rentabilidade; impondo-se o mercado estúpido de massa, a musicologia e a praxis estão minadas pela presunção e o pasmo, sobretudo cúmplices dum processo comercialóide.
Como alegadamente vivemos em democracia, o cantor de protesto, promiscuído no estocástico tacho, não encontra razões para resinar - berloque trasladado para a lufa-lufa do biscate nos media, de preferência com rhythm section do "jazz".
Os impostos (IRS, IVA, CIA, autárquicos, S. S., i.e. segurança social, a taxa sobre instrumentos, livros, discos, partituras, vídeos, e outras leviandades do fisco) pesam impiedosamente sobre os autores, músicos, cidadãos que vivem o quotidiano - há a ter em máxima consideração as simples questões de alimentação, alojamento, acrescido dos custos nunca remunerados de trabalho criativo (e.g. compor, tocar, ensaiar, escrever, ler, estudar; adquirir hardware para o seu trabalho) – enquanto as vedetas da "estupidez em dó maior" (ápodo atribuído por Jorge Peixinho) e os seus padrinhos ostentam sumarentas contas bancárias, tipo lux-vivenda & chofer & iate & avioneta, e pluma sintética de avestruz, surda cabeça enterrada na areia; embargo sem o mínimo conhecimento e /ou audição de música decente; idolatria de religião feiticista / peep show; o kitsch, o socialmente imoral e o artisticamente ignóbil.
A indústria da cultura aventada como um valor de troca capitalista visita as catacumbas do irrisório, no limiar da pornofonia; funcionaliza a música ad extremis, em passarela da moda, telenovela, talk show, ou decoração desportiva; esgar terceiro-mundista ressuma a catinga, faz-se vedeta virtual, mostra a face do senso comum, protege a aparência da criatividade; é papona e paranóica ao regurgitar a música aparvalhada.
A ópera é para o contribuinte um dispendioso mamute que se destina ao yuppie e ao espavento bilheteiro e mecenático da classe média e/ou da pseudo- aristocrática, de consequência eruditona. O conservatório reitera a conserva; a programação clássica espectacular é sectária, nivela o anódino e o genial; o catálogo confunde o simulacro com o ícone.

Comecemos pelo que nos é dado ouvir, em disco e/ou ao vivo:
Não querendo fazer uma compilação de questões de rescaldo do final do século anterior, pensamos ser oportuna uma pequena observação sobre o situacionismo da música em Portugal, especialmente referenciando a sua divulgação e o seu regime de criatividade.
O nível dos nossos festivais é no critério estético, deveras coerente tendo em conta a exiguidade de meios financeiros e estratégicos para o levantamento de acontecimentos culturais de tal monta. Concertos episódicos de artistas portugueses e internacionais magnificaram as programações de algumas instituições. Vulgarmente, um discurso estereotipado é extrapolado por alegorias nacional-regionalistas, ou então miscelânea epigonal relativa à lusofonia, o dejá vu etno-promocional desfraldando a bandeira da "música portuguesa".

Sabemos muito bem que Portugal é a única nação europeia onde a Música não faz parte das disciplinas do ensino primário e secundário. Na escolástica, os tirocinantes são predestinados na generalidade dos casos à servidão na TV e escarrados na música ligeira; em departamentos da musicologia oficial, a criação é produto ideológico, conceito etnomusical espúrio, incumbência de aprendizes, tratado sem consciência estético-cultural, serve quando muito para preparar operadores e críticos nos media, sem grandes perspectivas neste campo praxiológica, histórico e sóciomusical.
Em Portugal, na imprensa na rádio e na TV, fundamentalmente nos espectáculos ao vivo, a divulgação da Música de Arte foi progressivamente massmediatizada e conheceu conspícuos produtores, independentemente da incontornável polémica.
Na imprensa há um bom punhado de críticos; a bibliografia é escassa.
A pedagogia é tepidamente administrada por alguns peripatéticos, mentores classicistas, neomodernistas e in extremis vanguardistas; fulcros da perpetuação do conhecimento para-lógico da música; sentido persistente da educação e preparação de compositores e intérpretes - o Ministério da Cultura, que tem obrigação de apostar neste tópico musical não procede para favorecer o seu progresso, não implementa o curriculum interactivo internacional - pelo contrário, dá alento à mais-valia pimba, contra-reforma piscando o olho à populaça e benzendo a corruptela "cultural" nos media.
Ignorando o Mundo da Música, exulta-se a infracultura; barbaridades género touros de morte, cumplicidade com assassinos de massa, TV shows, sionismo, derrames de crude, mafia, rebarbativa mea culpa colonial, cóboiada, militarismo made in USA, logos piroso e terrorista, tonitruante míssil genocida.

A produção dos músicos portugueses é esteticamente irregular. Com abrasonadas edições ao vivo ou em disco, despontou uma nova e generosa geração de compositores/ intérpretes a qual sobrevive à míngua da institucionalização político-administrativa da música, nas sombras da mendicância e da incompreensão; o laudatório inter pares distrai a necessidade duma luta contínua pela Arte musical, impedida na sua sociocomunicação, arredada pela mediocracia, enganada por estratégias meritocráticas, censurada pelo convencional e execrada na sua possibilidade de realização prática; sancionada estatalmente pelo alibi da exiguidade de meios financeiros, aventada por um regime cultural perdulário votado ao provinciano e à rememoração festivaleira de santinhos & 25 de Abril; no que respeita ao Jazz, a classe política é uma fasquia vistosa da pequena burguesia populista a penhorar a "antiga senhora", sem fazer nada de melhor - safadas musoarcanos, portas fechadas à criatividade musical num tempo inopinado - a acção de compositores, intérpretes e compositores/intérpretes, (interarte, considerando a privilegiada relação da Música e a poesia portuguesa) - reivindica a Música Portuguesa Viva e o conceito prospectivo como Obra Aberta é um projecto futurista e triunfal. Em Portugal, a Música está, como no título do filme de Pierre Brasseur, em "situação desesperada mas não grave" .

A Arte Musical está sempre avançada à artimanha política - a sua pluralidade espectacular e imaginária é a superação do senso comum totalitário e globalizante; utopista, realiza na própria beleza a verdadeira democracia; reúne todos os povos no prazer universal; inventa um enlevo dialéctico e sentimental com a tecnologia; dissipa qualquer preconceito racista, nacionalista ou imperialista - sobretudo, MÚSICA é significado de PAZ e AMOR».

JORGE LIMA BARRETO

 
22.11.05
 

Continuam as cenas dos próximos capítulos da saga de The Cellar Door Sessions 1970, a caixa com 6 CDs que a Columbia vai editar, contendo a totalidade das gravações que Miles Davis realizou ao vivo no clube Cellar Door (Washington DC) em Dezembro de 1970, com o grupo que o acompanhava naquela época: John McLaughlin, Keith Jarrett, Jack DeJohnette, Airto Moreira, Gary Bartz e Michael Henderson.
Inicialmente prevista para 20 e picos de Setembro, a data de nascimento foi sendo sucessivamente adiada, sendo que, actualmente, a data apontada para a saída da tão aguardada caixa é agora 27 de Dezembro, embora ainda sem confirmação por parte da Sony/Columbia. É que, veio-se a descobrir, há problemas relacionados com a herança de Miles, designadamente com um tal sobrinho, Vince Wilburn, que ainda não está pelos ajustes para largar a caixinha e deixar os outros meninos brincarem também um bocadinho. Segundo o romance à volta da cobiçada peça, o dito sobrinho anda a insistir com a editora para alterar um pormenor deveras importante: onde, nos créditos, está projectado que se venha a ler produced by Adam Holzman e Bob Belden, insiste o parente que se deva antes ler compiled by. Questões semânticas à parte, a Sony há já muito que anda a espumar com as birras do herdeiro, porque, convenhamos, o negócio é de milhões e, ao que parece, o senhor Wilburn nem ouve nem sai de cima, e já lá vão cinco anos que o pessoal da Legacy anda às voltas com a preciosidade. "Nem o pai (o sobrinho, neste caso) morre, nem a gente almoça" - disse há dias o Presidente da PME Sony/Columbia aos jornalistas. É que o papel de Holzman e Bob Belden, quer eles se tenham ocupado da produção ou da compilação, está desde há muito definido na prática e no papel, o que faz toda a gente desconfiar que a história por detrás do finca-pé do rebento colateral de Miles, ou é inventada, ou tem a ver com tudo menos com particularismos semânticos. Seja como for, se eu fosse da Sony/Columbia esfregava as mãos de contentamento (exactamente o que eles devem estar a fazer por esta altura), porque a edição vai nascer sob o signo da polémica e da controvérsia, o que vem a calhar às mil maravilhas para a Sony, para o sobrinho e para os jornais, à mingua de assunto (até para os blogues…). As pré-encomendas online devem-se já contar pelos dedos de várias mãos, a multiplicar por mil. Afixai lá depressa o autocolante com o compiled by, que a gente está à espera, ó senhores! Aguardemos pacientemente por mais um mês, mesmo aqueles de nós que não têm nada para ouvir. Entretanto, para fazer tempo, travemos conhecimento com o resto da odisseia de Cellar Door, na instrutiva página de Miles Beyond.

 
 


Que vão fazer Daniel Lanois, Bill Frisell, Jorma Kaukonen, Vernon Reid, Taj Mahal, Pepe Romero, Eliot Fisk, Toshi Reagon, Sonny Landreth, Rory Block, Cindy Cashdollar, Jesse Harris, David Tronzo, Bill Morrissey, Laura Cantrell, Brandon Ross, Gary Lucas, Chocolate Genius, Alvin Youngblood Hart, The National, Mark Eitzel, e mais de um quarteirão de outros nomes das seis e mais cordas, todos juntos?
Resposta: Vão tocar na sexta edição do épico e electrizante (é o termo!) NEW YORK GUITAR FESTIVAL, entre 14 de Janeiro e 8 de Fevereiro de 2006. Durante 3 semanas, serão 20 os concertos, montados em 7 salas diferentes. Dirigido por David Spelman, o NYGF visa alargar audiências para as inúmeras e diferentes abordagens do instrumento mais popular do rock e de algum jazz, e dar a conhecer os novos talentos que constantemente despontam na Big Apple. Toda a informação relevante, aqui.

 
21.11.05
 


A Puta da Subjectividade, webzine com a qual colaborei durante um ano, está de volta à vida com novo design, novos colaboradores e saída à quarta-feira. Nesta primeira semana de trotoir, a rapaziada critica discos dos Animal Collective, Loosers, Steffen Basho-Junghans e Wooden Wand, entre outros, e entrevista os Magik Markers. É lá que trabalham Pedro "Caveira" Gomes, André Santos, Gonçalo Pina, Manuel Poças, Luís Miranda, Pedro Marques, Pedro Sena Marcos, Ana Patrícia Silva, Matilde Diogo de Sousa, Joana de Deus e Diogo Marques. Abraços e farta clientela.

 
 


Chris Scofield, em Portland, Oregon, já vai no quinto ano de trabalho com a Strange Attractors Audio House (Oscillating Perspectives in Modern Music), editora fundada a partir de Stange Attractors, programa de rádio da Kaos Community Radio. Chris Scofield interessa-se por uma grande variedade de géneros “out”, como os experimentalismos rock, folk, space/psychedelia/acid, free jazz, drone/ambient, freaky techno, minimalismo, noise e outras doideiras sob a forma de som organizado. Último lançamento da Strange Attractors Audio House: Immolation/Immersion - Nels Cline/Wally Shoup/Chris Corsano. Pura fúria e filigrana.

 
20.11.05
 


In The Tradition. Dois volumes de A. Braxton, dentro e fora da tradição.
Tete Montoliu, NHOP e Albert "Tootie" Heath. Copenhaga, Maio de 1974.


 
 

Sugestionado pela notícia chegada por mail, que anuncia uma próxima e eventual reedição de Relayer, álbum dos YES, apeteceu-me voltar a 1974 e a esse clássico do rock progressivo britânico. Na ressaca de Tales From Topographic Oceans, que em 1973 levou uma corrida da imprensa britânica, os rapazes baixaram um pouco a grimpa e talvez por isso tenham regressado a um formato mais terra-a-terra, imediato e agressivo, no sentido Yes do termo, bem entendido.
Lembro-me do impacto que Relayer causou em 1975, quando a ele tive acesso daquela maneira quase clandestina como se obtinham certos discos em Portugal: amigo que ia a Londres ou Paris era cravado para regressar com as últimas novidades, as mesmas que só apareciam muito tempo mais tarde na Discoteca Roma ou na Discoteca do Carmo, em Lisboa. A primeira encerrou há semanas; a segunda transformou-se há anos num carro de fantasia que vende discos de fado a camones passeantes pela Rua do Carmo. Como a realidade é dinâmica!
Com novo teclista a bordo, Patrick Moraz, que substituiu Rick Wakeman, o som dos Yes ficou temporareamente a ganhar: Moraz toca menos, melhor e mais recuado na fotografia que Wakeman. O baixista Chris “Fish” Squire sustenta o groove e dá um balanço impressionante quando a temperatura sobe e ameaça entornar a fervura. Alan White, bateria, foi talhado para estas aventuras em que a brusca mudança de intensidade e de ritmo é uma constante. Steve Howe esfalfa-se em contorcionismo guitarrístico, com rapidez e bom gosto, e a voz de Jon Anderson consegue meter-se por entre os espaços instrumentais, o que é uma originalidade estética dos Yes. A esta distância temporal até a sacarina de Soon, a peça que encerra o épico vintage The Gates of Delirium (21'55), inspirado em Guerra e Paz de Tolstoi, se diliui bastante. Talvez eu esteja 30 anos mais paciente, ou suficientemente velho para me deixar adoçar assim de mansinho. Sound Chaser (9'25), arranha a improvisação e prima por ser o melhor momento do disco, a arena em que se desenrola o combate duro entre guitarras e teclados, excursionando juntos pelo jazz-rock adentro. To Be Over (9'08), justamente a fechar o disco, é uma grande canção de prog rock. Na capa, contracapa e interior, representa-se o estranho mundo gráfico de Roger Dean, pintado de desfiladeiros cavados na rocha, paisagens desoladoras com serpentes, grutas e pedras nuas. Por tudo isto, Relayer, o mais experimental e cósmico dos discos dos Yes, merece reaudição. Ainda hoje se ouve muito bem.

 
19.11.05
 


Falar de Tortoise, Isotope 217 (Rob Mazurek e Jeff Parker, estão cá) ou de Electric Miles, na acepção mais espacial e experimental do(s) conceito(s), a respeito do Chicago Underground Trio, e, em particular, deste Possible Cube, faz todo o sentido. Tal como de Lester Bowie e os Art Ensemble of Chicago, cujos fantasmas habitam a casa. Rob Mazurek, corneta e electrónica; Noel Kupersmith, contrabaixo e vibrafone; e Chad Taylor, bateria e vibrafone; aumentados com Jeff Parker em guitarra e órgão, fazem um trabalho de se lhe tirar o chapéu. Actualmente, Rob Mazurek reside em Brasília, Chad Taylor vive em Nova Iorque, Jeff Parker em Chicago, e Noel Kupersmith em Bordéus. E continuam a tocar por aí. Gravado de 1998, este segundo álbum do trio + 1 foi editado pela Delmark.

 
 


Agustí Fernández, pianista e compositor espanhol com importante carreira internacional, conversa com Pachi Tapiz, da TomaJazz:
..: AGUSTÍ FERNÁNDEZ: ESCUCHANDO A UN PIONERO

 
  Joe McPhee vs. The Thing


Sobre o trio Escandinavo, The Thing, o veterano multi-instrumentista Joe McPhee disse há dias ao jornal norte-americano Houston Chronical: "Something like a garage punk Albert Ayler meets Led Zeppelin".

Ainda sobre Joe McPhee, prossegue o Houston Chronicle: «For all this outsider cred, the music McPhee makes isn't undigestible in the least. A strong blues feel runs through it, and even at its most dissonant, it remains passionate and authentic. But few labels create cultural cold shoulders like "free jazz" does.
"I do think there is a great deal of prejudgment to the kind of labels, categorization and commercial value placed on everything today," McPhee says.
“Not that this is a particularly new concept, it just makes it easier for the leisure class not to have to bother with individual thought. (Legendary jazz drummer) Max Roach once said, 'The purpose of art is to make us feel something. We can love it or hate it, but we cannot be indifferent to it”.
McPhee's background was traditional enough. He was born in Florida, did a stint in a R&B band and moved toward traditional jazz. But his musical psyche was rearranged, as many are, by the new musical directions initiated by the likes of Ornette Coleman, Cecil Taylor, Eric Dolphy and Albert Ayler.
From that point forward, McPhee was removed from any mainstream jazz movement, no big loss as the era was a low point of lightweight fusion and burgeoning neotraditionalism that continues to reheat a vintage (and admittedly marvelous) sound.
McPhee, who's made more than 40 recordings as a session leader, created his improvisational approach based on the work of philosopher Edward de Bono; he called it "Po Music". It's based on a type of lateral thinking that would require substantial space for McPhee to sufficiently explain: In a nutshell, it puts a premium on provocation.
"Jazz is a difficult term that means different things to different people," he says. "There can be great composition Duke Ellington was a complex composer. But I'm more interested in pure improvisation; it feels more dangerous, more interesting to me. Mostly it's about telling stories"».
(Transcrito do artigo de Andrew Dansby).

Abrem-se as portas do estabelecimento com o Trio X - Joe McPhee, Dominic Duval e Jay Rosen: Journey (CIMP 283).
Pura improvisação. Enquanto não chega o novo Moods: Playing with the Elements.

 
18.11.05
  Sexteto de Cordas, dirigido por Ernesto Rodrigues


A Trem Azul, prosseguindo a bem-aventurada série de concertos que tem vindo a promover ao fim da tarde (19h30) na sua Jazz Store, em Lisboa, acolheu desta vez a estreia mundial do Sexteto de Cordas, dirigido Ernesto Rodrigues. Além do violista e director, a formação inclui Manuel Mota, guitarra acústica; Pedro Costa, violino; Hernâni Faustino, contrabaixo; Eduardo Raum, harpa; e Guilherme Rodrigues, violoncelo.
Durante pouco mais de meia hora, o Sexteto executou duas peças de música delicadamente pontilhística, livremente improvisada, expressas num idioma que, se não totalmente familiar a todos os executantes, se apresentou de modo a fazer com que as diferentes partes se integrassem plenamente na progressão colectiva. Contrastes, dinâmicas vivas e boa gestão de intensidades, criaram uma interessante tapeçaria sonora de tonalidades escuras, como um drone que ia perdendo e adquirindo carga na sua sinuosa e elegante evolução.
Todavia, o mais cativante da performance foi a forma gentil e graciosa como se entrelaçaram as texturas criadas pelos diferentes cordofones, seguindo uma pulsão rítmica interna, irregular e assimétrica, tecida por uma infinidade de fragmentos melódicos, poalha recolhida e reposta em jogo pelo trabalho de sustentação da harpa e do contrabaixo. O resto foi o extravasar da enorme riqueza tímbrica das cordas, num set de música de câmara com muitas arestas, oscilações e inflexões de guitarra, violino, viola, violoncelo e contrabaixo, ligados entre si por uma corrente de energia criativa, para a qual contribuiram os protagonistas com o que têm: ideias próprias para o colectivo e instantâneo desenvolvimento musical.
Apesar da boa qualidade artística, vezes houve em que se notou algum desinvestimento na direcção musical, com os músicos ocasionalmente “aos papéis”, facto que é, simultaneamente, o mais difícil e o mais fácil de acontecer na improvisação livre – um género em que não há “papéis” e em que “andar aos papéis” é um dos riscos inerentes à prática musical sem rede –, controlo imediatamente retomado no ciclo seguinte, muito porque estes músicos souberam fazer uso do sentido de oportunidade, ouviram-se entre si e comunicaram quando sentiram que o momento era propício.
Pena é que o público do jazz não se interesse, despreze ou não esteja preparado para dar ouvidos a esta música, que é de muito boa vizinhança e interpenetração com aquele género, do qual não é, seguramente, nem degeneração nem abastardamento. Diferentes entre si, têm convivido pacificamente ao longo de décadas, com benefício estético para ambas as linguagens. Mas essas são contas de outro rosário. O que para aqui releva é que o Sexteto de Cordas apresentou ao público uma boa proposta musical, eloquente nos detalhes e delicada nas intersecções espontaneamente geradas. Ideal para apurar o ouvido e despertar a fantasia.

 
 


London Jazz Festival, de 11 a 20 de Novembro. Hoje, 18, às 11 horas de Londres, a BBC Radio 3 (Jazz on 3) emite um concerto do s COSMOSAMATICS, quarteto de free jazz fundado por Sonny Simmons, o histórico saxofonista alto que tocou com Eric Dolphy, corriam os anos 60. Uma antiguidade moderna, já se vê. Simmons andou muito tempo afastado do público e dos estúdios, até que há uns anos ressurgiu com este grupo, um dos mais interessantes dentro do estilo, logrando actualizar procedimentos de há 40 anos e investir fortemente na inovação. Gravou uma série de discos com o parceiro soprador Michael Marcus, multi-instrumentista de renome, que, entre outros discos, publicou um na Black Saint que é de ir às lágrimas de contentamento: Here At!, de 1994.
Hoje à noite a formação do cosmossamático quarteto, que tem vindo a sofrer sucessivas entradas e saídas de pessoal (permanecem fixos apenas Simmons e Marcus), alinha com o contrabaixista japonês Masa Kamaguchi e o veterano baterista norte-americano Clifford Barbaro, o mesmo que trabalhou com a Arkestra de Sun Ra, Steve Lacy, Betty Carter ou Lionel Hampton, o que dá uma ideia da abrangência estética e versatilidade do grande Barbaro.
Será este o conteúdo da emissão do Jazz on 3 de hoje. Cosmosamatics ao vivo no London jazz Festival, a tocar Charlie Parker. Ham? Isso, Simmons toca Parker... Diria que é um programa deveras aliciante. A estratégia do Jazz on 3 é gravar o concerto e tratar de o emitir em diferido esta mesma noite, às 11 horas. Suponho que, em webcast, poderá o mesmo episódio ser ouvido durante toda a semana, mas sobre isso só o pessoal da BBC poderá responder com certeza.

 
17.11.05
  À babugem


O camarada Gross, amigo de há muito, teve o gesto amável e generoso de incluir o Jazz e Arredores no curto rol de blogues que lhe caíram bem no ano de 2005. Um abraço ao Ricardo, cujas voltosferas sigo a par e passo. Não faço topes, mas o Babugem inclui-se nos meus hábitos regulares de leitura e revisão. Com gosto e interesse.
Parabéns pelos dois anos de embasbacamento "perante tamanha Babugem". Dedico-te a audição do mais recente Thomas Buckner, Contexts. Disco de improvisações em barítono solo (voz), duos com Borah Bergman (piano) e David Darling (violoncelo), e uma peça em quarteto, com Gustavo Aguilar (percussão), Earl Howard (electrónica) e Wu Man (pipa). Haverias de gostar.

 
 

17 e 24 de Novembro, às 22h30
Lisboa Bar - Rua da Trindade, 7

SEI MIGUEL ALL-STARS
sei miguel
_trompete de bolso
fala mariam_trombone alto
rafael toral_oscilador de eléctrodos
manuel mota_guitarra eléctrica
pedro lourenço_baixo eléctrico
césar burago_percussão


 
16.11.05
  Sirone, Live

A capa de Sirone - Live, reproduz uma pintura/colagem de Morris Barazani (Untitled, 1952), cedida pela galeria de arte norte-americana Corbett vs. Dempsey, de John Corbett e Jim Dempsey, casa especializada em arte americana de meados do Séc. XX, com especial ênfase nos pintores de Chicago. Dempsey é um activista ligado ao cinema e à pintura. John Corbett é mais conhecido pelo seu envolvimento com as coisas da música, da escrita, à edição e à leccionação. Desde 2001 que tem vindo a dirigir a Unheard Music Series, um intensivo programa de reedições (ou primeiras edições) de material esgotado ou nunca editado, esteticamente próximo do free jazz ou da improvisação livre, que constitui uma importante sector da actividade editorial da norte‑americana Atavistic.
Este Live, do contrabaixista Sirone, o homem do Revolutionary Ensemble dos anos 70, foi originalmente editado em 1981 (Serious Music). Reproduz a gravação ao vivo do trio de Sirone no Public Theatre, de Nova Iorque, em 11 de Julho de 1980. Com Claude Lawrence, saxofone alto, e Denis Charles, bateria. Embora no disco não estejam creditados quaisquer sons de trombone para além da flauta de madeira e de saxofone, presumo que o trombonista fantasma não seja outro que não Sirone.
O disco desenvolve-se todo ele numa toada tranquila, sem correrias nem explosões. Abre com um longo solo de flauta (Flute Song), de cerca de 10 minutos, a que Sirone confere um interessante efeito de encantador de serpentes, sublinhado, perto do fim, pelos tambores afro do grande Denis Charles, cujo som se identifica logo às primeiras notas. Denis (com um n e não com os dois como habitualmente se vê grafado) Charles estabelece o padrão rítmico e faz a ponte para a entrada de Claude Lawrence, no seu melhor estilo pós‑ornettiano. Lawrence enuncia a melodia do segundo tema (Eyes of the Wind), deixando espaço para uma exposição a solo de Charles, que passa a trio de meio até final, com solos expressivos dos três músicos, sucessivas entradas e saídas de cena, que estabelecem a equilíbrio certo entre da capacidade de improvisação a solo e a trio. É esta dupla característica, melhor exemplificada no tema de encerramento (Vision), que faz de Live um disco com imenso potencial para surpreender tanto os ouvintes que vêm do tempo do Revolutionary Ensemble, como os que apenas agora passem a conhecer a inventividade de Sirone, Charles e Lawrence.

 
  A semanada do Leonel

«O destaque da semana vai inevitavelmente para a segunda semana do Guimarães Jazz , para onde todos os olhares estão postos.
A cabeça de cartaz é, pois claro, a orquestra todinha de Maria Schneider (a genuína, a americana), no sábado, absolutamente obrigatório. Mas gostaria de chamar a atenção para a minha outra grande aposta, o concerto do histórico Dave Liebman que demonstrou no Coliseu de Lisboa há dois anos, ao lado de Michael Brecker e Joe Lovano, estar em perfeita forma. Aliás, em minha opinião, ele foi mesmo o responsável pela melhor prestação dos três grandes saxofonistas. O concerto de Lindner/ McHenry/ Avital/ Freedman é de certa forma uma incógnita, mas assistimos no Seixal a uma auspiciosa apresentação de Omer Avital (integrado no grupo de Kurt Rosenwinkel), o que nos leva a aguardar com expectativa também este concerto.
Da mesma forma também não conheço a cantora Katrine Madsen, mas a Danish Radio Orchestra é uma das mais prestigiadas da Europa e é uma garantia de qualidade. A Big Band da ESMAE será outro dos concertos a ter em atenção, atendendo até aos excelentes músicos que de lá vêm saindo.
Fora de Guimarães, na Casa da Música, no Porto, toca no Domingo 20 o trio de Ernst Reijseger, um exuberante e irreverente "cellista" (que curiosamente também já tocou em Guimarães).
A sul a atenção dirige-se para o "Canções e Fugas" de Mário Laginha na Culturgest. Incursão do pianista na música clássica, regresso às origens, música de fusão ou simplesmente música? De um dos nomes maiores da música portuguesa a fasquia é com certeza atirada para muito alto. Imperdível.
O Trio de Nuno Ferreira no Hot Club e o Quinteto de Laurent Filipe merecem também a deslocação e curioso, no mínimo, pode ser o sexteto de cordas liderado por Ernesto Rodrigues, na Trem Azul, a atirar para fora do jazz com certeza (no que Ernesto chama pomposamente de "Novas Músicas Improvisadas") e que conta com duas surpresas na formação.
Lamento, lamento mesmo não ter ido a Guimarães assistir ao concerto de um dos mais interessantes pianistas da nova geração, Jason Moran nem ao seu afronto com Ralph Alessi e ainda ao renovado Art Ensemble Of Chicago. Mas assisti na Culturgest ao concerto da New Art Orchestra de Bob Brookmeyer (que tinha tocado no dia anterior no Guimarães Jazz) que nos ofereceu um belíssimo espectáculo de Cool Jazz. Mas desenganou-se quem estava à espera de uma noite calma: as paisagens que a música de Brookmeyer desenha são verdadeiras paisagens feitas de vales e montanhas e árvores e pessoas e todo o tipo de acidentes das paisagens. Música bela mas enérgica, rigorosa, onde a escrita e a improvisação se interpenetram em absoluto, de forma natural (se pode ser natural uma música feita de artifícios). Solistas de grande calibre, a desmentir a origem europeia, onde destaco além de Dick Oates (creio que o único norte-americano além do líder e do baterista), o gigante Ruud Breuls em trompete, o excelente saxofonista/ clarinetista Oliver Eicht e as baquetas de John Holenbeck, verdadeira âncora da orquestra, sensível e enérgico». - Leonel Santos
(Na foto, Dave Liebman)

 
15.11.05
 

Só um burro não assina. Ou dois. Ena Pá!

 
 
>17NOV05, 19h30, na Trem Azul
SEXTETO DE CORDAS (liderado por Ernesto Rodrigues)
Manuel Mota_guitarra
Ernesto Rodrigues_viola
Pedro Costa_violino
Hernâni Faustino_contrabaixo
Eduardo Raum_Harpa
Guilherme Rodrigues_violoncelo


 
 

Pândega Big Band ao vivo no Seixal - 27.10.2005: Hernâni Faustino, Alípio Carvalho Neto, Abdul Moimême, Rui Neves, Paulo Massas, Eduardo Chagas, Rodrigo Amado, Cris, João Henriques, Lizuarte Borges, Pedro Costa e Travassos. Que som!

A mesma formação, sem Travassos.

 
 


Ornette Coleman ao vivo em 1968! Com o baterista Ed Blackwell e a dupla de contrabaixistas Charlie Haden e David Izenzon. Bem diferente dos Blue Note contemporâneos, é claro, talvez mais próximo da fase Golden Circle, de 1965. O primeiro disco deste conjunto de dois discos abrange o concerto de Roma, de 8 de Fevereiro. O segundo regista o célebre concerto do Teatro Lirico de Milão, a 5 do mesmo mês. Ambos incluem material anteriormente publicado em diversas edições avulso (ver nota abaixo), aqui compilado sob o título «The Love Revolution (Complete 1968 Italian Tour)». Àparte a importância histórica destes concertos, que é enorme, só a versão de Lonely Woman, extensa e ritmicamente reformulada, vale a aquisição deste lançamento da reeditora espanhola Gambit Records. O rapaz da foto é Denardo Coleman, filho de Ornette.

Assim, de acordo com a Ornette Coleman Discography:

Ornette Coleman Quartet
Ornette Coleman (as) Charlie Haden, David Izenzon (b) Ed Blackwell (d)
"Teatro Lirico", Milan, Italy, February 5, 1968
Tutti Jazz Up (It) JU 310; Moon (It) MCD 044-2
Three Wisemen and the Saint
New York
* Ornette Coleman Live in Milano 1968 (Jazz Up (It) JU 310)
* Languages (Moon (It) MCD 044-2)

Ornette Coleman Quartet
Ornette Coleman (as, tp, shanai) Charlie Haden, David Izenzon (b) Ed Blackwell (d)
Rome, Italy, February 8, 1968
Lonely Woman Lotus Passport (It) LPPS11 116
Mousieur le Prince
Forgotten Children
Buddah Blues
The Unprecedented Music of Ornette Coleman (Lotus Passport (It) LPPS11 116; Joker (J) UPS 2061)

 
14.11.05
  Sound On Survival, American Roadwork
Marco Eneidi, saxofonista da Bay Area de S. Francisco, reside actualmente na Europa. Na década de 80, estudou durante algum tempo com Jimmy Lyons. Com ele desenvolveu uma certa articulação e uma maneira característica de expor o freaseado, de deixar a frase em suspenso durante um curto intervalo e agarrá-la outra vez. Eneidi tem em comum com Lyons e com Sonny Simmons, outro mestre, além da rapidez e da tonalidade, o facto de contribuir para alargar o vocabulário do velho bop em direcção a formas de expressão e invenção menos idiomaticamente subsumíveis às linguagens daquele estilo. Tal como aprendeu uma certa espiritualidade com Glenn Spearman, antigo companheiro da G-force, Creative Music Orchestra, American Jungle Orchestra, e outras formações da Califórnia. E, claro, com o mestre da geração precedente, Ornette Coleman. Merece ainda comparação com outro grande artista do saxofone alto, Jemeel Moondoc, cujo som, aos meus ouvidos, tem mais em comum com o de Eneidi do que com qualquer outro do mesmo ofício.
Uma das mais recentes aparições de Marco Eneidi em disco, American Roadwork, com o trio Sound on Survival (Lisle Ellis, contrabaixo, e Peter Valsamis, bateria), encontra o saxofonista na sala de estar da família Rusch – a Spririt Room – no rancho de Bob Rusch, em Redwood, Nova Iorque, local onde é gravada a maioria das edições do catálogo Creative Improvised Music Projects (CIMP).
American Roadwork, gravação datada de Maio de 2004, é um disco intenso e imediato, que inclui uma série de títulos com a terminação blues, que, bem ouvidos, se revelam dessa natureza, embora mais no espírito e no balanço, que na forma. O trio Sound on Survival, rodado o mais que podia estar na altura (o produtor Rusch menciona o facto de, aos vinte e tantos dias precedentes ter correspondido um número idêntico de concertos; segundo Eneidi, a digressão compreendeu 32 concertos em 40 dias, percorrendo 16.000 quilómetros, o que é obra num estilo de jazz que está longe de motivar mais do que um punhado de gente em cada cidade). O que deu num entrosamento e numa fluidez impressionantes, e um nervo pouco frequente neste tipo de projectos de sopro e ritmo. O característico som seco da CIMP contribui para acentuar uma certa aspereza natural da tonalidade de Eneidi, característica que bem combina com o estilo melódico de Lisle Ellis e a percussão precisa e rendilhada de Peter Valsamis. Sound on Survival é um excelente trio, que eu muito gostaria de ver actuar em Portugal. E American Roadwork é um discaço de todo o tamanho.
Marco Eneidi vive actualmente em Nickelsdorf, cidade que fica a escassos 60 Kms de Viena, Áustria, a curta distância da frionteira com a Hungria. Um saltinho até Portugal talvez não fosse mal pensado, oportunidade para deixar de ser quase totalmente ignorado aqui no rectângulo. Para isso também pode contribuir a oportuna entrevista que Eneidi deu a Taran Sing, incansável divulgador europeu do free jazz, a ler em Francês ou em Inglês, respectivamente no Citizen Jazz e no All About Jazz.

 
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