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30.11.05
 


Partindo do princípio de que o Bruno Santos (BS) que me escreveu um e-mail é o mesmo que toca guitarra em Debut, disco recente do Filipe Melo Trio, aqui criticado, mandam as regras da deontologia publicar o comentário que se segue, reservando-me o direito de comentar também:

«Pois é, há muita mediocridade neste País e garantidamente não é o caso deste Trio. Há algo que irei fazer mais cedo ou mais tarde que é montar um projecto pseudo-intelectual e tocar todos os instrumentos que não sei tocar, mandar alta onda, dar umas entrevistas a dizer que tenho uma luz especial e que sou original e aposto que há muito crítico ou analista que vai considerar uma altíssima cena. De facto já se chegou a um ponto em que toda a gente comenta sobre aquilo que lhe apetece. No meu blogue faço uns comentários sobre comentários de comentadores, sobre agricultura e sobre escovas de cabelo. Apeteceu-me! Falo ainda desta coisa de ser original à força. Sou diferente mesmo que não goste. O preconceito está aí. Gostar de algo que não gostaria normalmente para ser diferente. Se a música é boa e bem tocada só presta se os músicos derem uns tiros para o ar que é o que muito boa gente que se pensa original e criativa limita-se a fazer. A crítica ao disco é vergonhosa e vai além do simples facto de gostar ou não da música. Ressabianço puro, é preciso relaxar. Façam como eu, vejam uns bons jogos de Bola e joguem à bola com os vossos amigos, caso os tenham. Bebam um bom vinho, etc. O azedo desaparece logo. A mediocridade impera mas o mundo não está perdido.
Bem Haja, Bruno Santos
».

Passando ao lado da dissertação sobre o gosto e o objecto dos comentários de BS no blogue a que faz referência, cujo desconheço, atenho-me à parte final da carta, aquela onde BS diz que “A crítica ao disco é vergonhosa e vai além do simples facto de gostar ou não da música”.
Em que ficamos? Deve ou não o texto crítico “ir além do simples facto de gostar ou não da música”? Eu penso que sim, e efectivamente não me fiquei pelo simples “gosto ou não gosto”. No texto alinhei sumariamente as razões pelas quais pessoalmente considero Debut um mau disco de jazz. Não está em causa, como observei, que os músicos saibam tocar, o que me parece óbvio e evidente. A questão é essencialmente estética e emocional, e nesse ponto Debut é chuva miudinha no molhado. Não adiantando nada, atrasa.
Não é preciso “dar tiros para o ar”, nem quaisquer efeitos pirotécnicos, como BS ironicamente aponta. Bastaria ter instilado uma boa dose de espontaneidade, frescura e emotividade no corpo convencional pelo qual optaram. Nada tenho contra o convencional, adianto já. Agora, se é para repisar, que se faça o gesto com alma e coração, e não apenas tocar à maneira de. Pessoalmente, em lugar de ouvir imitações suaves de Oscar Peterson, Wynton Kelly ou outros, prefiro os originais.
“Ressabiamento puro”, diz BS. Bom, no sentido de “farto de”, “saturado”, “desgostoso” que lhe dão os dicionários da Língua Portuguesa, concordo. Sobretudo desgostoso, pela oportunidade perdida – e são tão poucas as hipóteses de músicos portugueses gravarem discos de jazz! O que só lhes aumenta a responsabilidade quanto à qualidade do produto final. Neste caso, mantenho, não chega cumprir obediente e reverentemente as regras estilísticas traçadas por outros. Isso, o ar prematuramente decadente, a falta de identidade própria e o défice emocional – a música está emocionalmente morta – fazem de Debut um mono à nascença.
Devo observar que, pese embora o que escrevi sobre as impressões que o disco me causou, não manietei o masoquista que há em mim e castiguei-me ouvindo Debut mais um par de vezes, após alguns dias de conveniente distância profilática. Confesso que a experiência me recordou as aulas de ciências naturais no laboratório do Liceu, e os frascos de formol contendo várias espécies da fauna nacional e de outras paragens. Lembro-me da curiosidade que me despertavam, e de como ela ficava sempre muito aquém da imaginação e do desejo de ver aqueles animais vivos e em estado natural. Daí o meu putativo ressabiamento, o qual seguramente não seria para aqui chamado se em lugar de zurzir tivesse ovacionado o debutante fonograma. Mas a vida é assim, feita de flops e de sucessos. Quem anda à chuva molha-se e quem coloca um produto artístico no mercado fica sujeito ao escrutínio dos cidadãos livres. Uns apupam, outros aplaudem, aos demais é indiferente. Saudável, além do vinho e do futebol, caro BS, é saber conviver com a diversidade de atitudes e opiniões críticas. Pela oportunidade, que agradeço, bem-haja também.
Eduardo Chagas
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Resposta de Bruno Santos, em 01.12.2005:
«Se você acha que a sua crítica é puramente se o disco presta ou não, muito bem. Releia a crítica. Os comentários são abusivos e ofensivos. Quem anda à chuva molha-se e como músico profissional aguento as críticas mas não as ofensas. Mas a pura verdade é que toda a gente, nesta altura do campeonato, tem um blogue e diz o que lhe apetece. Coisas da tecnologia. Espero honestamente nunca me cruzar com vossa excelência. Faz mal à música. Tenha um pouco de >respeito por quem faz música por prazer e profissão. Será o seu um desses casos? E fico-me por aqui porque não gosto de alimentar polémicas, nem de peixeiradas (que parece o caso)».
Cumprimentos,
Bruno Santos


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Resposta, na mesma data (01.12.2005):

Caro Bruno Santos,
Rejeito em absoluto que tenha ofendido a sua pessoa, que não conheço, mas respeito enquanto tal. Jamais me passaria pela cabeça entrar por esssa via. Não há uma palavra ofensiva para si ou para terceiros nos textos que escrevi. Critico a obra, esse objecto "formolizado", e a atitude auto-indulgente e complacente dos músicos protagonistas, não as pessoas nem as profissões. Por isso, não vale a pena gastar tempo a armar-se em virgem ofendida, que isso não colhe nem tem cabimento num debate de ideias, que julgava poder ser franco e leal, mesmo quando divergente, duro e incisivo. Mas o que observo é o seu remoque destemperado, que lamento. Afinal, o ressabiamento era mesmo seu...
Não fazia tenções de me cruzar consigo, mas, pelos vistos, estou livre disso. Pena, porque até poderia ser um prazer continuar o debate sobre música face a face, já que matéria não falta: você toca guitarra há décadas, eu ouço jazz e estudo o assunto há décadas; você acha que eu faço mal à música (que bizarria, eu fazer mal à música, homessa... atribuir-me uma importância que não tenho, nem reclamo); eu acho que você, artisticamente, é capaz do melhor e do pior, como tenho vindo a notar. Como vê, não nos faltariam bons pontos de partida ou de chegada para uma acalorada e profícua discussão.
Na armadilha da ofensa é que não me apanharia, mesmo que você estivesse interessado em continuar a baixar o nível e a tentar imputar-me a montagem de uma "peixeirada", estilo que não é seguramente o meu. E o respeitinho de que fala, ham, ficou obnubilado?
Fico ciente de que não quer mais conversa, o que para mim, vistos os termos, acaba por ser assaz conveniente. Será da sua parte falta de cabedal e de capacidade argumentativa, disfarçados sob a capa de birra de alguém que não suporta ler, fundamentadamente, que o disco que gravou é fraquinho e sem graça? Seja como for, passe muito bem. E cá estaremos para falar do segundo disco do trio, que espero não demore muito e seja melhor que esta farsa, digo, falsa partida. Não será difícil, vai ver. E se assim for, terei muito gosto em, fundamentadamente, registar o facto e dele dar público e reconhecido louvor.
Viva a Restauração!
Tenha um Feliz Natal.
Cumprimentos,
Eduardo Chagas

 


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