Pedem-me que escolha UM (unzinho) disco da lista infra, que seja realmente especial. Boa!
Com esta é que me tramaram. Poderia tornear a questão dizendo que todos, de alguma maneira, são especiais; ou não constariam da lista... Mas, para não defraudar expectativas, direi que o disco que mais me encheu as medidas em 2004 foi (talvez) The Bishop´s Move, Evan Parker Trio & Peter Brötzmann Trio [Victo]. Pronto, já está! E já agora...
A indispensável "salada de frutas". Tinha que ser. Com a dispersão que vai por este arquivo, não foi fácil listar 30 edições (!) que conto entre as melhores dos últimos 12 meses. Dessas 30, que cobrem diversas áreas do jazz/improv, electroacústica e experimental, seleccionei as 10 que constituem a nata, o núcleo do must hear deste ano, por assim dizer. A ordem é perfeitamente arbitrária. Também houve reedições excelentes, mas disso cuidarei um destes dias. Aqui fica a lista, com os tais 10 à cabeça:
- Paul Dunmall Quartet – Love, Warmth and Compassion [FMR]
- Dennis González NY Quartet - NY Midnight Suite [Clean Feed]
- P. Brötzmann / M. Eneidi / L. Ellis / J. Krall - Live at Spruce Street Forum [Botticelli]
- Frank Gratkowski Project – Loft Exile V [Leo Records]
- Cecil Taylor Quartet – Incarnation [FMP]
- Chris Kelsey Quartet – Renewal [CIMP]
- K. Jordan / J. Futterman / A. Fielder - Tampere Jazz Happening [Charles Lester Music]
- W. Parker Little Huey C. Music Orchestra - Mass for the Healing of the World [Black Saint]
- Wally Shoup / Toshi Makihara / Brent Arnold – Confluxus [Leo Records]
- Evan Parker Trio & Peter Brötzmann Trio – The Bishop’s Move [Victo]
E também...
- Atomic / School Days - Nuclear Assembly Hall [Atavistic]
- Whit Dickey Quartet - Coalescense [Clean Feed]
- John Butcher / Toshimaru Nakamura - Cavern with Nightlife [Weight of Wax]
- Evan Parker / Alex Von Schlippenbach / Paul Lytton - America 2003 [Psi]
- Burton Greene - Live at Grasland [Drimala]
- Dave Burrell Full-Blown Trio – Expansion [High Two]
- FME – Underground [Okka Disk]
- Territory Band-3 – Map Theory [Okka Disk]
- Evan Parker / Eddie Prévost – Imponderable Evidence [Matchless]
- Uri Caine Trio – Live at The Village Vanguard [Winter & Winter]
- Raphe Malik Quartet - Last Set [Boxholder]
- Dave Rempis Quartet – Out of Season [482 Music]
- Jeff Kaiser Ockodektet – 13 Themes for a Triskaidekaphobic [pfMENTUM]
- Spring Heel Jack – The Sweetness of the Water [Thirsty Ear]
- Albert Ayler – Holy Ghost [Revenant]
- ZU & Spaceways Inc. - Radiale [Atavistic]
- Ian Yeager - Music for Guitar + Computer [Pax Recordings]
- Alexander Von Schlippenbach – Broomriding [Psi]
- Marilyn Crispell - Storyteller [ECM]
- Paul Dunmall Moksha Big Band - I Wish You Peace [Cuneiform]
Enquanto há órgão, há vida. Bom serão.
Tome uma guitarra nos braços. Electroacústica, de preferência. Coloque-a sobre uma superfície plana, uma mesa, por exemplo. Sente-se à mesa. Disponha objectos sortidos sobre a guitarra - pregos, talheres, espátulas e outra palamenta metálica. Misture tudo muito bem com as cordas de aço. Seguidamente, adicione guizos, motores eléctricos miniaturizados e tudo o que lhe ocorra e possa ser esfregado e percutido sobre o tampo da guitarra. Conecte a saída da guitarra a uma mesa de mistura onde preparou previamente uma boa quantidade de efeitos sonoros sugeridos, não pelo som produzido na fonte, mas pela imaginação, antecipando o que dali poderá sair. Finalmente, disponha a cablagem por forma a criar feed-back e doses generosas de ruído de fundo. Misture com as altas frequências produzidas, depois de ligar tudo à corrente eléctrica.
A receita não é original. Todo o guitarrista experimental que se preze já a usou ou está em pulgas para o fazer. O que distingue o trabalho de uns e outros, mais do que a natureza dos materiais usados, são, afinal, os resultados sonoros produzidos. Escapar ao lugar comum que abunda neste tipo de projectos de "plug and play" não é tarefa fácil. Mas há quem consiga evitar as tentações mais óbvias e desviar a trajectória na demanda de novas combinações e recombinações sonoras electroacústicas. É esse o caso de Jeff Gburek, guitarrista autodidacta experimental norte-americano (Albuquerque, Novo México), nascido em 1963. Artista precoce, há quase três décadas que se dedica à investigação sonora naqueles domínios, mantendo ocasionais incursões pelos territórios do rock (são conhecidas colaborações com Tom Carter e Charalambides, por exemplo). Optando por desvalorizar a técnica de execução da guitarra (“simples memórias de velhos sistemas”, segundo o próprio), Gburek aposta em revitalizar, remover e reconstruir materiais, uma versão pessoal da lei dos três R´s, que professa e aplica à manufactura do som. Convoca para a sua fábrica um espectro sonoro alargado, baseado em conceitos heterodoxos de pintura, colagem e escultura, com interessantes resultados ao nível da organização musical. Uma das palavras-chave neste projecto de Jeff Gburek intitulado Energariums, é justamente "organização", conceito que simultaneamente explica a qualidade dos resultados obtidos e a diferenciação de outros produtos de concepção similar, baseados na tríade sujeito, guitarra, objectos. Mas nem só de trabalho a solo tem vivido a carreira de Jeff Gburek. Nómada, há anos que lidera o projecto Djalma Primordial Science, com a bailarina Ephia; inclui o trio electroacústico alemão ZYGOMA (Michael Vorfeld e Michael Walz), e tem vindo a trabalhar com o multi-instrumentista de Chicago, Kyle Bruckmann, com o trombonista alemão Konrad Bauer e com o guitarrista britânico Keith Rowe (AMM, claro). Com eles partilha gostos, estratégias, influências estéticas e, sobretudo, o mesmo interesse na vertente europeia da música improvisada e experimental moderna de base tecnológica. Satisfatório e surpreendente (os cultores do género têm muito que aproveitar), este lançamento da editora alemã Nurnichnur, da série Experimental Sound Productions, merece audição atenta e repetida, que facilite a fruição dos mais ínfimos pormenores sónicos desta aventurosa viagem através do nevoeiro cerrado, que toma conta do ouvinte e o transporta às profundezas do som.
Acabada de receber, a programação dominical do clube CBGB (NYC) até meados de Abril de 2005 é impressionante. Dá vontade de emigrar. Aqui vai:
JAN 9
7pm - Bill McHenry, Rob Stillman, Steve Cardenas, Chris Lightcap, Joe Smith
8pm - Roy Campbell, Sabir Mateen, Hill Greene, Klaus Kugel
9pm - Dave Scott, Rich Perry, Gary Versace, Masa Kamaguchi, Jeff Williams
JAN16
7pm - Diana Wayburn, Jessica Jones, Nick Cudahy
8pm - Luther Thomas Group
9pm - Andrew Lamb - Warren Smith Duo
10pm - Burton Greene, Perry Robinson, Jay Rozen
JAN 23
7pm - Gordon, Beeferman, Rara Avis, Seth Misterka, Jeff Arnel
8pm - Tim Zeismer, Chris Speed, Drew Gress, Taki Toriyama
9pm - Byard lancaster, Elliot Levin, Ken Yamazaki, Ken Filiano
10pm - Ursel Schlicht, Adam Simmons, Reuben Radding, Klaus Kugel
JAN 30
7pm - Jon Lunbom, Jon Irabagon, Bryan Murray, Moppa Elliot, Andrew Bain
8pm - Ralph Allessi, Tim Berne, Mark Helias, Shane Endsley, Will Jennings
9pm - Steve Lehman, Drew Gress, Tyshawn Sorey, Jonathon Finlayson, Chris Dingham (2 SETS)
FEB 6
7pm - Kris Davis, Jeff Davis, Reuben Radding, Jon Irabogon
8pm - Jackson Moore, Nate Wooley, Shelley Burgon, Chris Dingman, Eivind Opsvik, Mike Pride
9pm - Louie Belogenis, Hill Greene, Roy Campbell, Michael Wimberly
FEB 13
7pm - Ayelet Rose Gottlieb
8pm - Morcilla
9pm - Juan Quinones
FEB 20
7pm - Joe Fiedler Group
8pm - Sunny Jain Collective
9pm - Fay Victor, Joel Newton, Danny Zanker, Eric Halvorson
FEB 27
7pm - Hayes Greenfield, Reuben Radding, Dee Pop
8pm - Dom Minasi Trio
9pm - Rob Brown, Steve Swell, Joe Morris, Luther Gray
10pm - Didrik Ingvaldsen, Steve Swell, Bob Hovey, David Hofstra
MARCH 6
7pm - Noistet Obscure
8pm - Daniel Levin, Dave Ballou, Joe Morris, Matt moran
9pm - MP3: Mike Pride, Mary Halvorsen, Ken Fliano
MARCH 13
7pm - Jason Kao Hwang's Ensemble 2005
8pm - Daniel Carter, Dee Pop, Joe Morris
9pm - Birdbrain
MARCH 20
7pm - Joe Fonda, Herb Robertson, Mike Stevens, Harvey Sorgen
8pm - Earth People
9pm - Billy Mintz Two Bass Band
APRIL 3
Henry Warner, Billy Bang, William Parker, Rashid Bakr
APRIL 10
7pm - Clay Jenkins
8pm - Maryanne Deprophetis, Masa Kamaguchi, Ron Horton, Tom Beckham
APRIL 17
8pm - Ehran Elisha Ensemble
9pm - Michael Evans, Peter Zummo, Evan Gallagher, Michael Attias, Adam Lane, Jeff Hudgins
Anuncio aquele que será um acontecimento importante em Chicago, no início de 2005:
Chicago Creative Arts On-Line will produce it's inaugural event Friday January 7, 2005 at the Hot House 31 East Balbo, 8:00PM.
CD Release party of Ernest Dawkins and the Chicago 12
"Misconception of a Delusion Shades of a Charade", recorded Live in Paris.
Featuring; Harrison Bankhead, Corey Wilkes, Greg Ward, Khari B., Aaron Getsug, Norman Palm lll, Justin Dillard, Kevin Nabors, Josh Abrams, Isaiah Spencer and special guest Don Moye
The Corey Wilkes, Greg Ward, Aaron Getsug Exchange, with Don Moye.
Tribute To John Coltrane
Ari Brown, Ernest Dawkins, Kirk Brown, Harrison Bankhead and Isaiah Spencer
The first artist owned and operated video streaming company, announces the launch of Chicagocreativeartsonline.com (CCAO). Featuring the best in Chicago's creative music scene via Internet presentation, the site will allow viewers access to a wide range of musical performances, arts, and entertainment.
The purpose of CCAO is to provide worldwide exposure to Chicago's vibrant artistic audience.
Chicagocreativeartsonline.com will showcase the celebrated talents of improvisational masters in music and other artistic genres. In addition to streamed music performances CCAO will have a photo library, lectures, demonstrations, exhibitions and much more.
Em Agosto de 2001, Tom DeSteno, Bob Magnuson, William Gagliardi e Dominic Duval, gravaram este Ready for Action para a CIMP, editora para a qual todos já haviam gravado antes, com Dominc Duval à cabeça, contando em seu nome para cima de de 30 sessões, quer como líder quer como acompanhante. Este Ready for Action compõe-se de 8 temas de grande intensidade, ao estilo da New Thing. Só não é uma típica free blowing session porque a improvisação obedece a estruturas sob a forma de composições, da autoria dos dois sopradores, que assim equilibram momentos de tranquilidade com outros de maior aspereza e bravura. A opção pelo uso de dois saxofones mais contrabaixo e bateria revelou-se acertada, pois, além da evidente compatibilidade entre os quatro músicos, no caso concreto os homens da frente, Bob Magnuson e William Gagliardi, mesmo quando optam ambos pelo sax tenor, complementam-se, em lugar de se sobreporem, mantendo bem distintas as suas vozes em razão da diferença de expressividade, coloratura e fraseado.
Na contenda, Gagliardi acusa um peso sonoro ligeiramente mais acentuado, contraponto da maior agilidade e fluidez de Bob Maguson (que soa no canal direito) e da marcação espessa e volumosa de Dominic Duval. Este, além do relevante contributo para o processo de criação colectiva, e porque é um dos contrabaixistas ideais para este tipo de música, acaba por funcionar como ponto de referência e de orientação para o quarteto, sobretudo nas alturas em que a improvisação está mais ao rubro, atirada para a estratosfera pelo rolo percussivo de Tom DeSteno.
No geral, uma sessão muito agradável de ouvir, mas que não é isenta de riscos, porque surpreende a cada passo e está mais próxima das amplas liberdades do free jazz moderno, que da previsibilidade e segurança do mainstream actual.
Tom DeSteno & Bob Magnuson Quartet - Ready for Action (CIMP)
Chema Chacón, editor da revista Oro Molido e radialista responsável pelo programa Música Difícil, que emite em FM para região de Madrid, dá notícias: Oro Molido es el fanzine dedicado a la improvisación libre, arte sonoro y nueva música.
Adelanto de los contenidos de Oro Molido n.º 13 (enero 2005): iba.Col.lectiu d´improvisaciò. Entrevista a sus responsables actuales: Ruth Barberán, Alfredo Costa-Monteiro- Ferran Fages. Otras entrevistas exclusivas a Manuel Mota, a Sarah Peebles (y 2º),. y a Sin Red. Dossier sello discográfico Rossbin. Secciones habituales. Colaboraciones de Rui Eduardo Paes, Antoine Martin, Rogelio Pereira-Marga Rionda-J, Carlos Perez Dávila, Carlos Romeo, Jesús Moreno y Wade Matthews.
Aprovechamos para desearos unas felices fiestas y mejor 2005.
Chema Chacón (Editor de O.M.)
Além de apresentações ao vivo de Sun Ra e da sua Arkestra, este DVD inclui um documentário sobre o Jazz, realizado em Chicago por Edward O. Bland, realizador negro americano que cinematograficamente aborda a natureza do Jazz, do "black jazz" e do "white jazz" – a música afro-americana nos tempos da Chicago dos fifties.
Mas o melhor e o mais aliciante desta edição serão talvez as actuações da Arkestra que nunca tiveram edição em disco... um manjar para quem é devoto da arte de Sun Ra.
Sun Ra & His Arkestra - The Cry Of Jazz (Atavistic - Unheard Music Series, 2004)
Há já cerca de quatro anos que Dave Rempis vinha pacientemente a preparar este quarteto. Chegou entretanto a altura de mostrar trabalho e o saxofonista escolheu a melhor via: a gravação e edição de um concerto ao vivo, realizado no dia 6 de Outubro de 2003, no clube 3030, em Chicago.
Se provas fossem necessárias, aí estariam elas a confirmar o que já muita gente sabe: alguma da melhor música improvisada do momento provém da Windy City, cuja paisagem está longe de se reduzir a Ken Vandermark, músico com quem Rempis, tempos atrás, iniciou uma colaboração integrando o Vandermark 5. Recrutamento que coincidiu com a necessidade de substituir outra das grandes estrelas de Chicago, o chamejante Mars Williams (Hal Russel), às voltas com o seu XMARSX e com o Peter Brötzmann Tentet, onde está como peixe na água. Há males que vêm por bem; ao mesmo tempo que passava a integrar o circulo de Vandermark, Rempis ia desdobrando a actividade criativa via Triage, com Tim Daisy e Jason Ajemian, trio este com o qual gravou dois álbuns, Premium Plastics (Solitaire Records) e Twenty Minute Cliff (Okka Disk).
Mas o caso agora é outro e merece ser devidamente assinalado: Dave Rempis, saxofonista com voz própria, regressou com Out of Season, a estreia em disco do seu novo grupo. A abrir a sessão, sax tenor, piano, contrabaixo e bateria, trocam ideias livremente, num tema de estrutura simples, classizante na ordem de apresentação das intervenções solísticas. À cabeça, como mote para as intervenções subsequentes, um solo de tenor seco, arrancado a quente. A seguir, o piano de Jim Baker cavalga a onda e aprofunda a sequência de linhas abstractas. Improvisa e repete os motivos melódicos sobre o esteio rítmico da marcação enérgica de Jason Roebke e Tim Daisy, o par perfeito para esta dança.
A um sinal do líder Rempis, saem de cena, ficando o saxofonista sozinho em palco a executar um monólogo sussurrado de fragmentos arrancados às estruturas complexas acabadas de expor pelo quarteto. Que bom gosto, escolher estas tonalidades escuras e sombrias, que se desvanecem e ficam a pairar no tempo... . Pausa. O silêncio é quebrado pelo impetuoso regresso do trio acompanhante, que envolve o tenor. Em boa velocidade, juntos vão até à beira do precipício, onde abruptamente dão por terminado o prelúdio da suite, a primeira das duas que compõem o disco. Convém respirar fundo, porque ainda falta andar metade do caminho.
Tomado o refresco, eis que o grupo ataca nova composição colectiva, explorando as minuciosas complexidades da improvisação livre de matriz britânica. Nesta fase das operações o ênfase é posto nos aspectos microscópicos da música, com o saxofonista a investigar um espectro sonoro que se situa algures entre Evan Parker e John Butcher, que compreende mudanças imprevisíveis de direcção até reentrar nos caminhos do jazz tout court. Temos instrumentista de primeira, que aqui assume maior proximidade estética de Rob Brown, que de Ken Vandermark, quer a opção do momento seja pelo sax tenor ou pelo sax alto. Mas, adiante.
A última passagem da primeira suite abre com um solo de Jim Baker, que traz à memória o mais recente trabalho de Burton Greene, Live at Grasland (Drimala). Concentração, beleza formal e profundidade emocional - é um encanto o teclar do senhor Baker! Introduzido o tema, à voz solitária do piano juntam-se as outras três, todas no mesmo tempo lento, quase solene, perfeito para criar tensão dramática e daí a pouco lançar Rempis para a estratosfera, com tempo e espaço para soltar o som grandioso do seu tenor. Sempre com novas revelações, surpresa atrás de surpresa. Sente-se a alegria de tocar destes músicos, que se superam na criação de sugestivas imagens sonoras.
A segunda das duas suites de Out of Season, Scuffle, segue o modelo estético da improvisação livre. Jim Baker troca o piano pelo sintetizador. As texturas que produz casam bem com os outros instrumentos. Boa opção. É o sintetizador que dá voz de comando, oscilando entre o noise electrónico e a improvisação reducionista ("near silence"). Estalam cordas, raspam correntes, arranham sons electrónicos. Tudo inspira Rempis a soprar novos motivos sobrepostos ao ambiente saturado de partículas sonoras em suspensão, impressionante até ao estertor final. O disco ainda não acabou e já apetece voltar ao princípio.
Never at a Loss, composição-epílogo, retoma o ambiente jazzy etéreo ao estilo de Marilyn Crispell das gravações para a ECM. Durante breves minutos o saxofonista recolhe-se em silêncio, de olho nas deambulações do trio por territórios de maior apaziguamento e introspecção. Por fim, entra em cena para a coda, o sublinhar melancólico desta extasiante jornada musical.
Tudo corre às mil maravilhas neste Out of Season. Dave Rempis tem bastas razões para estar contente com o primeiro disco em quarteto. Não é caso para menos. E bem pode agradecer a Jim Baker. Pianista de todos os contextos, Baker é o homem que faz a diferença, que constrói o quarteto a partir do trio, se assim se pode dizer. Rendimentos dos mais de 20 anos de trabalho que já leva em Chicago, talvez.
E a Jason Roebke, jovem contrabaixista e compositor, que também tem a sua quota-parte de mérito neste louvável empreendimento colectivo, uma força sempre presente, mesmo quando não se dá por ele. Ou seja, Roebke adquiriu a qualidade que normalmente se vê atribuída aos mestres, músico que tão bem se entende com Tim Daisy, com quem partilha responsabilidades no trio Rapid Croche. Daisy é sem dúvida rapaz a ter em conta nos anos vindouros, indiscutivelmente um dos mais importantes e interessantes bateristas da nova vaga de Chicago, cúmplice de Rempis no Vandermark 5. Afinal, isto anda tudo ligado...
Mas o que é realmente excitante neste disco, mais que apreciar o desempenho e a técnica individual de cada músico - que nunca chega a ser a mera exibição de capacidade instrumental - é apreender todo o manancial de pormenores harmónicos, as dinâmicas colectivas, as diferentes sensibilidades dos artistas em palco; e, acima de tudo, a comunicante energia que emana desta música convincente, porque confeccionada em directo e servida fresca, sem corantes nem conservantes. Música que preenche espaços vazios e tem o condão de humanizar os dias que se vão tornando áridos. Uma lança no combate à desertificação e um prazer para ambos, coração e intelecto. Em cheio, Mr. Rempis!
Miguel Santos (Musa Lusa, Atlantic Waves) and Justina Jang (Nori Productions) will present a special programme of Korean music, this afternoon, Tuesday 28th December 2004, 7-8.30pm (GMT), on Resonance 104.4fm.
Rarely heard on these shores, it is an opportunity for you to experience traditional instruments such as the kayagum, komungo, ajaeng, haegum, piri, taegum, and changgo and listen to some Korean court music, folk, new traditional, modern, improvised, soundtracks, experimental, rock, hip-hop and even some trance. If you are afraid that your Korean music knowledge will not let you recognize even the names of the artists, here are some, in western notation, to help you go through the adventure: Yong-Ho Pahk, Han-Nuri Art Troup, Yun-Seok Yun, Byung-Ki Hwang, GongMyoung, Sa-Ik Jang, Jung-Sik Lee, Yong-Woo Kim, Byeon-Jun Ko, Sook-Sun Ahn, Bo-Ryong Hwang, Nam-June Paik, Uhuhboo, Yeah Yeah Yeahs, Cerritos 562, Lovetrance…
Make sure you tune in to 104.4fm or to click on www.resonancefm.com (wherever in the world you are), as there will be something for everyone from the country that brought you Samsung, LG, Hyundai, Daewoo, Kia… and, of course, the spicy kimchi.
If you would like to receive information on future Korean cultural events promoted in the UK by Nori Productions, just send an email to nori4all@yahoo.com.
Contracapa de um dos melhores discos de 2003: Peter Brötzmann, Joe McPhee, Kent Kessler e Michael Zerang - Tales Out Of Time (hatHOLOGY 589).
Discos assim não abundam.
A Downtow Music Gallery (DMG), um dos ex-libris do jazz e da música improvisada de Nova Iorque, nas antigas instalações (E. 5th St.). Este local já passou à história. (Foto do dia da mudança).
Entretanto, em 2002, mudou-se para aqui: (342 Bowery).
Fotos: Laertes
Era o preferido de Dizzy Gillespie. Charles Tolliver nasceu em Jacksonville, Florida, em 1942. 100% auto-didacta, Tolliver esteve particularmente activo durante as décadas de 60 e 70. Depois de uma passagem pela Howard University, mudou-se para Nova Iorque em 1964, onde trabalhou intensamente com Archie Shepp, Joe Henderson, Jackie McLean e Max Roach. Um dos maiores da trompete de todos os tempos, tributário de Clifford Brown, Lee Morgan e Freddie Hubbard, pelas componentes velocidade de execução e lirismo, Tolliver possui um domínio impressionante sobre o instrumento em qualquer toada ou andamento, tanto na execução de composições, como na livre-improvisação. O seu som é de metal brilhante, articulado e extremamente incisivo, no limite da explosão, sem jamais perder o controlo. Com o pianista Stanley Cowell fundou a Strata East Records em 1971, através da qual publicou uma série de discos no seu melhor estilo de free hard-bop, com a Music Inc., um combo de composição variável e expansível a big band (Music Inc. & Big Band, o primeiro disco da Strata-East Records), que recebeu influências das diversas vanguardas daquele tempo, da free music, do bebop, de Coltrane e de Miles. Depois da intensa actividade editorial nos 70, com várias edições na Strata-East, Charles Tolliver, embora permanecendo activo nos clubes e concertos, só voltou aos discos no final dos anos 80, com Live in Berlin at the Quasimodo, em dois volumes. De entre a discografia de Charles Tolliver, destacaria dois discos: Grand Max (Black Lion) e Live in Tokyo (Strata-East, reeditado pela Charly).
Um disco leva a outro e cá venho parar: Charles Mingus, Oh Yeah - a expressão mais gritada pelo pianista de serviço, que não é outro senão Charlie Mingus. Com Rahsaan Roland Kirk e Booker Ervin, dois dos mais intensos saxofonistas de todos os tempos. Entram também Jimmy Knepper, trombonista, e o baterista mingusiano por excelência, Dannie Richmond. Acresce que Mingus não tange uma corda do contrabaixo, cujas despesas ficam competentemente a cargo de Doug Watkins; senta-se ao piano, toca e canta blues. E grita. Com Kirk, Ervin e Mingus juntos, só poderia resultar um produto desvairado, um disco fora do baralho de Mingus. Algo de completamente diferente, a que não faltou um toque de controvérsia por ter incluído o tema Eat That Chicken, que – estava-se mesmo a ver – haveria de assanhar os lóbis americanos do politicamente correcto, em particular o pró-vegetariano... Oh Lord Don't Let Them Drop That Atomic Bomb on Me, é outro dos grandes títulos deste disco, típico do humor agri-doce do compositor.
Longe de ser dos discos mais famosos de Mingus, daqueles que se citam em primeiro lugar, nem o relativo escândalo fez Oh Yeah saltar para a ribalta. Tem até uma aura de obscuridade e de insanidade, que lhe fica bem, 43 anos depois de ter sido gravado.
A mais recente reedição da Atlantic/Rhino não inclui a entrevista de Nesuhi Ertegun, substituída por três temas bónus ("Old" Blues For Walt's Torin; Peggy's Blue Skylight; e Invisible Lady, publicados em 1964 no Tonight at Noon), o que vem a calhar e aumenta a duração do disco para 67 minutos de excelente música.
Que desbunda, Oh Yeah!
Hoje é dia de aniversário de John Scofield, nascido em 1951.
Retrato do artista enquanto jovem (1965), no dia em que recebeu uma guitarra como presente de Natal e de aniversário. Dois em um, provavelmente.
Foi notícia a 22 de Dezembro: Son Seals, Lenda do 'Blues', Morre em Chicago
"Son Seals, lendário "bluesman" de Chicago, morreu segunda-feira nesta cidade, aos 62 anos, vítima de diabetes, informou ontem um porta-voz da editora Alligator, editora à qual o guitarrista e vocalista esteve ligado desde a década de 70 até à de 90.
Son Seals, de seu verdadeiro nome, Frank Seals, era praticante de um estilo de "blues" tradicional puro e duro, cujas únicas concessões foram uma cadência mais "funk" ou a inclusão de uma secção de metais "soul" na sua banda.
Seals nasceu em Osceola, Arkansas, próximo de Memphis, a 14 de Agosto de 1942, e recebeu a alcunha "Son" do pai, Jim Seals. Passou os primeiros anos a ouvir os velhos mestres e começou por tocar bateria. Em 1959 formou o seu primeiro grupo, The Upsetters. Tocou com Earl Hooker, Robert Nighthawk e com o guitarrista que se tornaria o seu mentor, Albert King. Já na década de 70 estabeleceu-se em Chicago onde actuou ao lado de Júnior Wells e Hound Dog Taylor, dando em paralelo concertos regulares no Expressway Lounge. Bruce Iglauer, um fã de "blues" que criara recentemente a editora Alligator, ouviu-o e gravou, em 1973, o seu primeiro álbum, "The Son Seals Blues Band".
Nas duas décadas seguintes, Seals repartiu a sua actividade, nos EUA e no estrangeiro, por clubes, concertos e festivais. Em 1981 foi nomeado para um Grammy pela sua participação no álbum ao vivo "Blues Deluxe" e recebeu o W.C. Handy Blues Award em 1985, 1987 e 2001. Uma das suas actuações teve lugar na Casa Branca, para o presidente Bill Clinton.
Em 1997 foi baleado pela mulher, de quem mais tarde se divorciou e em 1999, complicações com a diabetes obrigaram-no a amputar parcialmente a perna esquerda. Mas continuou a tocar até dois meses antes da sua morte. "Tentamos e fazemos toda a gente sentir-se feliz", disse uma vez numa entrevista. "Não quero que entrem com o lenço na mão e saiam com o lenço na mão, mas que saiam sentindo-se felizes".
in PÚBLICO
"I replaced Jack DeJohnette on the drums with Al Foster who I first heard at the cellar club on 95th street Manhattan. He knocked me out 'cause he had such a groove, and he would just clay it right in there. That was the kind of thing I was looking for. Al could set it up for everybody else to play off and keep the groove going forever, for what I wanted in a drummer - Al Foster had it all", escreveu Miles Davis na sua autobiografia. Ele, que era geralmente parco em elogios e cumprimentos, sabia que Foster a sabia toda.
A VPRO (Jazz op Vier) transmite a primeira parte de um concerto do quarteto de Al Foster, gravado ao vivo no Bimhuis, Amsterdão, em 28 de Outubro de 2004. Com Al Foster, bateria; Eli Digibri, saxofone tenor; Kevin Hays, piano e Douglas Weiss, contrabaixo.
Alinhamento:
1. Mixed Roots (Al Foster)
2. So Near So Far (Victor Feldman)
3. Central Park West (John Coltrane)
4. For Peter (Al Foster)
5. Brandyn (Al Foster)
6. Jean-Pierre (Miles Davis)
Brooklyn Bridge, Manhattan, ontem à noite (foto: tienmao)
À boleia do excitante blog de MrCool, Deep & Lounge, fui dar com a MiMi Records, netlabel portuguesa dedicada à divulgação do que se faz em Portugal e no Japão relativamente às novas tendências da música electrónica (electrónica, i.d.m., glitch, noise, digital hardcore, experimentalismo), e como forma de intercambiar experiências musicais entre músicos dos dois países. "Tudo começou quando assisti a um concerto de música e dança tradicional japonesa para comemorar os 460 anos de amizade Portugal-Japão, organizado pela Embaixada do Japão em Portugal. Porque não continuarmos esta amizade usando a "nova música"? E assim nasceu a MiMi, palavra japonesa para ouvido".
Fui então à Mim. Foi-me apresentado um punhado de artistas lusos e japoneses, que investiguei com muito agrado, porque o experimentalismo electrónico é um mundo musical que entra na minha dieta e me interessa sobremaneira. No decurso da pesquisa deparei-me com Transparent, de XASTRE, música que se auto-define como "poética, relaxante e simultaneamente dinâmica e electro-orgânica. Composições relacionadas com o círculo interior da existência Humana e Universal, o modo como o Homem cria estigmas e os mesmos conduzem a níveis espirituais: magnanimidade e libertação. Todos os vícios estão presentes mas mentalmente exorcisados em sons e profundas atmosferas". Realmente fascinante, a música de XASTRE, característica comum às demais edições que ouvi.
A não perder são também as investigações electrónicas das luso-netlabels Enough Records, Test Tube e Stealing Orchestra, por sugestão de MrCool.
Foram discos como este que modernizaram o jazz da década de 60. Tudo era novo em Fuchsia Swing Song, desde o grafismo da capa, à fotografia, aos títulos do disco e dos temas, passando pelas composições, arranjos, execução, solos.... Verdadeiramente seminal, este disco de Sam Rivers, a que se regressa sempre e cada vez com maior gosto; o gosto de ouvir Jaki Byard, Ron Carter e Anthony Williams em perfeita comunhão com Rivers, num puzzle musical que ficou para a história como um dos mais brilhantes episódios da criatividade do jazz, paradigma da difícil gestão do equilíbrio entre estar dentro e estar fora. Música para o Dia de Natal e para todos os dias, sempre que um homem quiser.
Fuchsia Swing Song, Sam Rivers (Blue Note, 1964)
Territory Band 3 - Vandermark / Baker / Bishop / Dörner / Drumm / Holmlander / Kessler / Ljungkvist / Lonberg-Holm / Lytton / Nilssen-Love / Rempis)
UM:
A Certain Light (for Peter Kowald) 16:10
Framework (for Rob Vandermark) 16:30
Slides #3 (for Bernard Parmegiani) 8:25
DOIS:
Towards Abstraction (for Gil Evans) 12:20
Slides #1 (for Kevin Drumm) 7:25
Image As Text (for Richard Hull) 19:06
Composições de Ken Vandermark
Como é que um país que não ouve STEAM pode pensar em ter autoSTEAM?!
Murmúrios taciturnos proferidos em câmara lenta. Surrealismo sonoro de um edifício musical que não se demorona, antes se derrete por acção do calor que emana do magma subterrâneo. Paisagens de uma beleza estranha e intrigante. Tudo isto e muito mais habita em Muck - Roc, por obra do duo formado por Albert T. Carmichael (também conhecido pelo sugestivo nome de Ability to Communicate) e pelo personagem não menos sugestivo, And Gnat Vomit. Segundo Ability to Communicate, o nome da banda resulta do “trocadilho inteligente que combina a designação da popular forma musical (rock) com a da ave gigante da Idade Média". Esclarecedor... O que quer que seja que Carmichael, ou Ability to Communicate, queira dizer com isto, em nada belisca o interesse de que se revestem os textos escritos pela sua namorada Tina, personagem de mistério de quem apenas se conhece a qualidade literária dos jogos de palavras ditas e misturadas com outros sons espectrais (eles vivem...), extraídos de um arsenal que inclui fita magnética, guitarras, teclados para todos os gostos, percussão, máquina de ritmos, microfones, gira-discos, etc, conjugados na mais arrastada dolência que me lembro de ouvir. Este produto low-fi, low motion, low juízo, low tudo (há quem lhe chame post-rock, mas haverá nome para isto?!) não será certamente música para todas as ocasiões, mas descobri que passa bem fora de horas, preferencialmente em momentos de solidão e concentração absolutas. Uma advertência, se me é permitido: convém não se deixar abalar pelas impressões recolhidas na primeira audição, susceptível de causar alguma perturbação ou mesmo choque ao entrar na turbina. Passado o mau bocado inicial, em que podemos sentir algo parecido com o enjoo do marinheiro, a imagem sonora começa a tornar-se nítida e a fazer sentido, revelando algo mais que uma simples curiosidade bizarra. Produção de Matt Davignon e Ernesto Diaz-Infante.
Jim Hall, Buddy Collette, Bud Shank – há que tempos não os ouvia. E creio que nunca os tinha ouvido juntos. Só por isso já esta edição teria valido a pena, mas não faltam motivos de interesse. Desde logo, a oportunidade de ouvir algum do melhor e mais leve swing da West Cost, ao estilo de Chico Hamilton do final da década de 50. Buddy Collete a liderar um quarteto de flautas, também não é propriamente uma vulgaridade. A edição inclui o álbum Swinging Shepherds, de 1959, editado pela Mercury. Com Collette, tocam Bud Shank, Paul Horn, Harry Klee (flautas), Red Mitchell (contrabaixo), Shelly Manne, que alterna com Earl Palmer na bateria, Jim Hall (guitarra), já depois deste último ter deixado o quinteto de Chico Hamilton e passado a integrar o Jimmy Guiffre Three, com Bob Brookmeyer. A fechar a sequência dedicada à interpretação de temas popularizados pelo cinema, o combo improvisa sobre a famosa River Kwai March, da banda sonora do filme homónimo. Uma chamada de atenção para o trabalho de Jim Hall, em contraponto com as flautas.
A somar aos 11 temas de Swinging Shepherds, consta ainda o álbum Porgy & Bess, originalmente gravado para a Interlude. De novo, Buddy Collette e Jim Hall fazem as honras da casa, partilhadas com o organista Gerald Wiggins, o acordionista Pete Jolly, o contrabaixista Red Callender, e o baterista Louis Bellson. A gravação é de 1957, mas o álbum, apesar do apelativo título e do facto de as composições serem todas originais de George Gershwin, à parte a autoria dos arranjos, acabou por ficar na semi-obscuridade. Entre os dois discos, figuram 4 temas, todos originais de 1956, retirados de sessões de Buddy Collette e Jim Hall, com o trompetista John Anderson, o pianista Gerald Wiggins, o contrabaixista Curtis Counce, e o baterista Chico Hamilton. Ao todo, 23 temas ilustrativos da elegância e suavidade do jazz de câmara típico da West Coast dos anos 50. Um som aveludado, longe das turbulências do bebop.
Jim Hall, Featuring Buddy Collette - The Unreleased Sessions (Lone Hill)
A Revista, Inverno de 2004
Em tempos de relativa crise criativa, à míngua de projectos musicais que verdadeiramente consigam romper caminho, ou de outros que, não sendo esteticamente tão atrevidos, comportem a virtualidade de atingir um quantum mínimo suficiente para tirar o ouvinte da letargia a que se vê irremediavelmente condenado, a industria discográfica é useira e vezeira em lançar mão do expediente de esgravatar nas caves, desempoeirar arquivos e reeditar supostas "obras-primas" do antigamente, tantas delas obscenas, no sentido em que revelam hoje o que nem ontem deveriam ter mostrado. Outras iniciativas há, porém, que merecem efusivo aplauso, por trazerem à luz do dia gravações que se foram perdendo no tempo, nuns casos, porque o público, por qualquer razão, a elas não correspondeu em termos de vendas; noutros, porque as edições, já de si tão limitadas, rapidamente se esgotaram e não foram objecto de reedição. Foi esta última a fatalidade que sucedeu com o álbum The Psyche do Revolutionary Ensemble, nome de um trio formado em Nova Iorque no final dos anos 60, no tempo em que a revolução estava na ordem do dia em ambos os lados do Atlântico. Na América do Norte, vivia-se o tempo da militância contra a guerra do Vietname, da luta pelos direitos civis dos negros e, no que à música diz respeito, estava-se em pleno PREC do Jazz, com epicentro em Nova Iorque. Em Manhattan, a partir daquele caldo de cultura político e social em permanente ebulição, irrompeu inebriante o novo jazz, o free jazz, que lançou as bases estéticas de um movimento cuja perenidade chegou aos dias de hoje, renovado e reinventado. Mas, naqueles dias, a música era outra, o empenhamento militante e as novidades chegavam a cada mudança da folha do calendário. Ayler e Coltrane ainda não eram história, Taylor desenhava novas formas abstractas, e Ornette, vindo do interior da América profunda, mudara a forma do jazz havia uma década. Era a época dos lofts, centros criativos onde nasceram e se impuseram tantos dos nomes que viriam a marcar a face do jovem jazz tal como o conhecemos hoje, embora aquele período da história seja dos menos documentados, pois raras eram as oportunidades de tocar e gravar que se ofereciam aos músicos desalinhados com as correntes que melhor caiam no goto do público.
Naquele tempo, em que a fusion e o neobop marcavam a agenda, era extremamente difícil aos artistas de outras modalidades conseguirem singrar, por falta de oportunidades para tocar e gravar. Outro remédio não tinham que tentar sobreviver e lutar contra a adversidade, organizando-se sob diversas formas cooperativas. Nessa situação estavam Leroy Jenkins, Sirone e Jerome Cooper. O primeiro provinha de Chicago, terra da Association for the Advancement of Creative Musicians (AACM), espaço da criação colectiva por excelência. Imbuído desse espírito, Jenkins aportou à Big Apple, violino debaixo do braço e no coração um projecto de criação musical espontânea. Para lhe dar forma, precisava de dois parceiros à altura, qualidade que reconheceu no contrabaixista Sirone e no pianista e baterista Jerome Cooper. Assim foi fundada a que viria a ser reconhecida como uma das lendárias formações do novo jazz novaiorquino. Até 1978, altura em que o trio se desmembrou, gravaram seis álbuns, há muito esgotados, publicados em editora própria (RE Records), propositadamente criada para permitir aos artistas controlar a qualidade do produto final.
A preciosidade que a editora Mutable Music deu à luz é um caso sério, não apenas na discografia do tão afamado quão desconhecido trio, como da música improvisada da segunda metade do Séc. XX. Aos ouvidos de hoje, quase 30 anos volvidos sobre a estreia, o produto mostra ter conseguido envelhecer sem estrago e sem perder o gasoso natural, revelando um surpreendente amadurecimento da substância que, à época, deveria ter soado a espumante revolução musical. The Psyche captou bem o espírito do free jazz daqueles conturbados tempos de 1975. Formalmente, desenvolve-se em três peças de estruturação mínima, que os músicos expõem em longas passagens conjuntas, trios, duos e solos. A primeira peça, de 26 minutos (Invasion), corresponde ao lado A do originário LP. Após uma breve introdução ao estilo de chamamento dos fiéis, avança na explora intensa de uma gama variada de tonalidades e texturas orgânicas, em progressão rápida e swingante, toada que liberta o violino para uma longa série de fantásticos solos, sempre apoiados pela poderosa marcação eléctrica de Sirone, justaposta com a percussão em pulso livre de Jerome Cooper. Segue-se uma turbulenta intervenção do piano-free de Cooper, instrumento ao qual aplica a mesma garra percussiva que às peles e pratos. A segunda peça é outra pedra preciosa da jóia musical que é The Psyche. Hu-man, creditada a Sirone, é um momento de profunda reflexão filosófico-musical, com destaque para o trabalho das cordas, que a certa altura evoluem de um fundo sombrio e meditativo para um estádio luminoso, induzido pela energética improvisação do trio. A fechar o disco, Collegno repõe o combo nos caminhos da trepidante improvisação colectiva que fizeram do Revolutionary Ensemble um dos mais inovadores nomes da música improvisada de todos os tempos, cujo trabalho passa agora a estar ao alcance do público em geral. Há horas felizes!
Com uma dedicatória ao Nuno "Cat-y-o" Catarino, d'A Forma do Jazz, rapaz que é uma flor de simpatia, numa pausa pós-jantar, esticado no sofá da varanda, aproveito a moleza leve que a frugalidade permite deixando-me embalar nas ondas suaves deste disco de Hank Jones, em gravações completas com a banda do trombonista Tyree Glenn. O swing e a bela balada jazz no seu melhor, em gravações originalmente realizadas para a Roulette Records no final dos gloriosos (para o jazz) anos 50. Serve de estágio para o prato forte que se segue, e que para meu gosto está entre os melhores discos que ouvi este ano: Paul Dunmall Qt. - Love, Warmth And Compassion (que título mais apropriado à quadra natalícia, hem?!). Éverdade, uma malha de se lhe tirar o chapéu, da britânica Free Music Records (FMR). Com Paul Dunmall, exclusivamente em saxofone soprano e gaita de foles (!), tocam Phil Gibbs, guitarra; Paul Rogers, contrabaixo; e Hamid Drake, bateria. De estalo! A propósito, um destes dias vou aqui divulgar a lista contendo os 10 disco que mais me entusiasmaram neste ano de 2004. Entretanto, play another beautiful ballad, Mr. Hank Jones, que eu gosto disto à brava e não há como o meu caro amigo para amolecer os corações das donzelas. E dos gajos mais maduros, porque não?! Hank é irmão de Joe e de Elvin, outros dois monstros do jazz, por sinal - há famílias assim, felizmente. Siga a música. Hank Jones & Tyree Glenn Quintet / Sextet - Complete Recordings (Lonehill Jazz/Roost)
Pouco público a assistir à estreia mundial (dito assim tem outro peso e compensa o desconforto de ver uma sala tão vazia) do primeiro disco do jovem guitarrista Afonso Pais. Pena foi, porque a música e o talento do músico português merecem a atenção por inteiro das gentes que se interessam pelo jazz.
Segundo a breve notícia biográfica que é conhecida, Afonso Pais estudou na escola de Jazz do Hot Club de Portugal, posto o que resolveu prosseguir a sua formação jazzística no estrangeiro, primeiro na prestigiada Berklee College of Music, de Boston, depois na New School University / Mannes College of Music, de Nova Iorque, tendo obtido a licenciatura no curso de Performance, em Dezembro de 2000. Nada mau, como formação. Chegado o ano de 2004, formado e rodado em muitas actuações ao vivo, Afonso Pais gravou recentemente o seu primeiro CD para a editora Clean Feed, Terranova.
No caminho para o Fórum Cultural da Câmara Municipal do Seixal, na noite de sábado, 18 de Dezembro, ouvi boa parte do disco, que me impressionou muito favoravelmente. A confirmação dessa impressão tive-a logo depois, ao vivo. Afonso Pais em disco e em performance revela-se um guitarrista muito interessante, seguro de si e do seu talento de instrumentista e compositor. Assinale-se o bom gosto, a originalidade das composições e a execução; o domínio absoluto da guitarra, lugar onde convivem influências de vários léxicos do instrumento. We See, de Thelonious Monk, tema que abre Terranova, ganhou nova vida, atestando quer a perenidade das criações do compositor, quer a influência e o fascínio que mestre Monk exerce sobre o guitarrista.
Ao longo da apresentação do disco, Afonso Pais soube ser sóbrio e criativo, evitando incorrer na tentação de apresentar um mostruário de marcas alheias, ou de encher demasiado o discurso, sem contudo perder a fluência e a capacidade de improvisar com inventividade e emoção.
A acompanhá-lo na actuação, estiveram Carlos Barretto e Alexandre Frazão, dois músicos consagrados do jazz feito em Portugal. Em Barretto, Afonso Pais teve um comparticipante de grande nível, mercê do saber e experiência (e musicalidade!) que o contrabaixista possui e pôs ao serviço da criação em trio. Aparte o acompanhamento irrepreensível (releve‑se o ligeiro desacerto temporal no chorinho Domo da Metazona, o tema que apresenta maiores riscos e desafios) e a boa marcação, Carlos Barretto realizou um par de solos de belo efeito, confirmando a qualidade geral do seu trabalho e bom momento criativo em que se encontra. Na bateria, Alexandre Frazão confirmou o muito que sabe do ofício. Mais do que simplesmente partilhar com Barretto as responsabilidades de garantir a regular marcação do tempo, Frazão solou bem e preencheu os espaços com a cor, a imaginação e o bom gosto do costume.
Nada de novo e tudo de novo, se assim posso dizer, na actuação de um trio de que se espera ainda mais ousadia, sendo certo que o que se viu e ouviu não foi pouco, ao nível da invenção, solidez e dinâmica colectivas. Uma estreia auspiciosa para novos concertos e gravações.
Terranova - Afonso Pais, guitarra; Carlos Barretto, contrabaixo; e Alexandre Frazão, bateria.
Fórum Cultural da Câmara Municipal do Seixal, sábado, 18.12.2004.
Uma boa proposta, esta de Ornette Coleman em DVD. O realizador Dick Fontaine captou o Ornette Coleman Trio em 1966, no âmbito das filmages de Who's Crazy in Belgium, em Paris. Ornette (saxofone alto, trompete e violino), desfeito o famoso quarteto, tinha entretanto convocado David Izenzon (contrabaixo) e Charles Moffett (bateria). O resto da história é conhecido, incluindo o famoso episódio At the Golden Circle de Dezembro de 1965, em Estocolmo.
Na segunda parte do DVD... Roland Kirk e... John Cage. Sound??, também de Dick Fontaine (1967), com Roland Kirk e John Cage. Não tocam juntos. Aparecem no mesmo filme em razão da similitude de alguns dos seus conceitos sobre o som e as infinitas possibilidades sonoras.
Dois documentos num DVD.
Ornette Coleman Trio, David Izenzon and Charles Moffett//Sound?? Featuring Roland Kirk & John Cage (Rhapsody)
Terranova (Pais e Companhia)
Ontem à noite, o concerto do trio de Afonso Pais (Carlos Barretto e Alexandre Frazão), no Fórum Cultural da Câmara Municipal do Seixal, foi uma agradável surpresa. O rapaz esteve sempre bem apoiado por Barretto e Frazão (e pelos "poucos mas bons", que estavam na sala). Além do mais, Afonso toca que se farta e com bom gosto. Depois conto. Logo, talvez.
Entretanto, para quem ainda não sabe...
Afonso Pais, guitarra e composição
"Desde muito cedo demonstrou interesse pela música, optando pelo piano como primeiro instrumento.Em 1995 ingressa na escola de Jazz do Hot Clube de Portugal, onde estuda durante três anos. Aí integra a Big Band de alunos e sócios do H.C.P (“Big Villas Band”), e é escolhido como representante da escola no 8º encontro da “International Association of Schools of Jazz”, que teve lugar em Siena, Itália, no ano de 1997. Aínda em 1997 realiza uma digressão com o rapper General D, onde actua em Maputo, Beira e Quelimane.No verão de 1998, a convite de Erik Moseholm, participa enquanto primeiro representante Português num projecto então em estreia intitulado “E.J.Y.O.” (“European Jazz Youth Orchestra”). De dezanove países europeus são convocados os mais talentosos jovens músicos de jazz, como parte de uma Big-Band. Com este projecto esteve em digressão por dez países do norte e leste da Europa, estando o registo audio disponível em dois discos compactos editados pelo sêlo dinamarquês “Dacapo”, gravados ao vivo em Estocolmo e Berlim. Ambos o destacam como solista.Premiado com uma bolsa de estudos completa pela “Berklee College of Music”, em Boston, decide ír para os E.U.A. estudar, optando porém pelo ingresso na prestigiada “New School University / Mannes College of Music”, em Nova Iorque, onde se gradua com uma licenciatura no curso de “Performance”, do programa de “Jazz and Contemporary Music”, em Dezembro de 2000. Aí tem oportunidade de estudar com músicos tais como Buster Williams, Joe Chambers, Charles Tolliver, Andrew Cyrille, Hal Galper, Joanne Brackeen ou os guitarristas Peter Bernstein, Kurt Rosenwinkel e Vic Juris, actuar com Peter Bernstein, Ben Waltzer, Chris Higgins, Willie Jones III, Dr. Lonnie Smith, ou participar enquanto convidado noutros eventos, como seja o tributo a Jack McDuff, onde actuou com George Benson, Russel Malone, Mark Whitfield, David Gilmore e Jack McDuff, no prestigiado clube de jazz Nova Iorquino Birdland.Entre 2001 e 2003 divide a sua actividade profissional entre Lisboa e Nova Iorque, conseguíndo um visto com o estatuto de artista exímio nos E.U.A. por recomendação de alguns dos mais conceituados e reconhecidos músicos do panorama jazzístico mundial. Nesta altura desenvolve paralelamente dois projectos originais: Experimentália e Terranova. Experimentália, um projecto de música do mundo em colaboraçao com a cantora Joana Machado consiste num repertório de temas originais para quinteto. Com este projecto actuou em clubes (Hot Clube de Portugal, B-Flat...), festivais (Festival de Jazz da Alta Estremadura 2001...) e auditórios (Aula Magna, Casa da América Latina...). Terranova, a trio, ou com convidado, em quarteto, representa a sua busca do orgânico, numa pesquisa bem definida, de espontaneidade e imprevisto. Assim surgiu um conjunto de composições jazzísticas que se relacionam em torno do idioma, as quais tem vindo a apresentar em diversos contextos e locais: “Hot Clube” (Lisboa), “Kavehaz Gallery” (N.Y.), “Smalls” (N.Y.), “Smoke” (N.Y.) “Jamboree” (Barcelona), “Fundação António Gala” (Córdoba), “Viseu Cultural 2004”, “Festival de Jazz Masimas 2003” (Barcelona), “Orejazz” (Valência), castelos de Montemor-o-Velho e Porto de Mós. Ao longo destes quatro anos Terranova tem contado com a presença de nomes tais como Peter Bernstein, Peter Zak, Perico Sambeat, Marc Miralta, Chris Higgins, Albert Sanz, Alexis Cuadrado, Carlos Barretto e Alexandre Frazão. De volta a Portugal desde o início de 2004, e paralelamente à sua actividade enquanto músico, lecciona na “Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo”, no Porto, “Conservatório de Música da Madeira”, “Escola Luís Villas Boas / Hot Clube de Portugal”, em Lisboa, tal como em workshops: “Conservatório Superior Rafael Orozco”, em Córdoba (...)".
Hoje, sábado 18 de Dezembro, às 21h30, o guitarrista Afonso Pais dá um concerto para apresentar o seu primeiro disco, TerraNova (Clean Feed), no Auditório do Fórum Cultural do Seixal. Afonso Pais, guitarra; Carlos Barretto, contrabaixo; e Alexandre Frazão, bateria.
Oriundo de Sidney, Triosk (Adrian Klumpes, piano, electrónica, Ben Wapples, contrabaixo, e Lawrence Pike, bateria), formado em 2001, é um grupo australiano que se reclama filiado na linha do trio de Bill Evans, na época de Scott LaFaro e Paul Motian, e que apostou numa estética orientada no sentido da fusão do jazz e da improvisação acústica com formas electrónicas minimalistas. Triosk combina e recombina sons orgânicos e electrónicos, a partir de uma base de piano-trio, à qual são acrescentados elementos de improvisação espontânea de contornos minimalistas, tal como o fazem os seus compatriotas, The Necks. Até aqui nada de novo, porquanto o que mais se ouve por aí são manifestações de um namoro de décadas, que, ao nível das incursões da improvisação acústica na electrónica e vice-versa, tem produzido resultados qualitativamente muitos díspares. Notícias frescas chegaram quando o trio, no final do ano passado resolveu associar-se ao alemão Jan Jelinek, artista da electrónica berlinense, cujo álbum Loop-Finding Jazz Records havia causado boa impressão nos australianos. Concertados esforços, em conjunto realizaram um disco muito interessante. Jelinek preparou uma série de samples, loops e texturas inspiradas no trabalho acústico do trio, que enviou por e-mail para a Austrália; os australianos, recebido o material, transfiguraram-no, reutilizando os sons electrónicos como matéria-prima para composição, posteriormente fragmentados em partículas, novamente reagrupados, enviados via e-mail para Jelinek, que os sujeitou a manipulação electrónica e reconfiguração, aglutinados em camadas sobrepostas. Assim nasceu 1+3+1, título que, à falta de melhor, reflecte a ordem pela qual se seguiram as intervenções criativas. Importa assinalar que aquelas andanças resultaram, a final, num trabalho coerente e sinergético, concebido sem que tivesse havido qualquer contacto directo entre o trio e o experimentalista alemão. "Tivemos esta criança juntos, mas não estivemos em contacto nem sabemos nada um do outro" - disseram à webzine JazzGroove. A música de Triosk/Jelinek é espectral, fascinantemente exploratória, de satisfação garantida, sobretudo para quem se interesse pelas novas tendências do design musical, na medida que se esfprça por conjugar eficazmente a improvisação orgânica de matriz jazzística, com toda a sorte de maquinaria electrónica, fazendo 1+3+1 uma obra aberta, cujo interesse, em parte, reside em tentar perceber quem produz determinados sons.
1 + 3 + 1 . Ou 4 = 1? Tanto faz.
Triosk Meets Jan Jelinek - 1+3+1
(~scape)
Estreia na Pax Recordings de um escultor de sons que tem na guitarra eléctrica e no computador as duas únicas ferramentas. Ian Yeager (n. 1977) trabalha na Bay Area de S. Francisco e surgiu este ano com um disco de características intimistas, a partir de melodias muito simples, que depois são tratadas através de conveniente acabamento e manipulação por computador. A ausência de qualquer indicação quanto ao número e à denominação das composições (com a leitura do disco ficamos a saber que são 14 temas não titulados, em 51 minutos) e o título do álbum, dizem de sobra sobre o ambiente de despojamento que atravessa Music for Guitar + Computer.
Convém notar que neste tipo de procedimentos organo-digitais em que entra a guitarra e o computador, quando as coisas correm bem, o mais frequente é ouvirem-se resultados de grande densidade e complexidade sonora, que não raras vezes "engordam" a música e a tranformam num pastel de mil ingredientes, à base de doses maciças de granulado electrónico. Isso não aconteceu com a estreia de Ian Yeager, que, ao pesquisar no fundo do leito, soube evitar a tendência de encher o som e desse modo conseguiu manter o mesmo nível de controlo, através da mais simples e eficaz combinação de partículas de uma guitarra simples ou dobrada em duas, combinados com a poalha electrónica, estalidos e ruídos de estática, que lhe aumentam a irregularidade e o mistério, e lhe imprimem uma certa qualidade para-noctura.
Ian Yeager, a quem os dentes nasceram na companhia de alguns dos mais importantes músicos da áreas improv/experimentais da Califórnia, como são Ernesto Diaz-Infante, Bob Marsh, Rent Romus, Phillip Everett, Dina Emerson e Matt Davignon / The Abstractions, funciona bem ao nível do grande plano, como no cinzelar do pormenor, em que tanto conta o riff melancolicamente repetitivo ("there’s joy in repetition..."), como o átomo de som electrónico, que de tão irreal ou no limite do audível, se fica sem saber se foi sonhado, se imaginou ouvir, ou realmente ouvido. O melhor é tocar o disco em repeat pela noite adentro e deixar que o som encha a sala e tome conta de quem está, envolvendo-o num manto de tranquilidade contemplativa.
Ian Yeager - Music for Guitar + Computer
(Pax Recordings, 2004)
Joe Maneri Quartet- Tenderly
hatOLOGY 525 (CD) 1999
Ascend (Maneri) [10:38]
Swing (Maneri) [10:45]
Vignette #1 (Maneri) [2:50]
Vignette #2 (Maneri) [2:07]
What's New (Haggart / Burke) [9:54]
Five Short Pieces (Maneri) [10:06]
Alto (Maneri) [6:02]
Tenderly (Gross / Lawrence) [9:33]
Joe Maneri (ts; as; cl)
Mat Maneri (6-string el-v)
Ed Schuller (b)
Randy Peterson (d)
Roberto Barahona não pára. A última é JAZZVISION, numa referência ao Vision Festival de Nova Iorque:
"Tengo el agrado de anunciarles que este viernes, 17 de diciembre de 2004, a las 24:00 se inicia un programa radial en Radio UNIACC en Santiago de Chile. JazzVisión, es en tributo al festival de jazz de libre improvisación que se celebra en Nueva York anualmente en el mes de mayo: el Vision Jazz Festival. La música que se escuchará en nuestro programa refleja la filosofía y enfoque de ese prestigioso festival. Es música que se desenvuelve sin las trabas y jaulas que dominan al jazz más tradicional. No está atada a convenciones ni sufre constreñimientos de armonía, acordes, reglas rítmicas u otras, aunque en ocasiones también esos se usan en la improvisación libre, jazz de vanguardia, free jazz, o de avanzada, como le queramos llamar. JazzVisión estará disponible 24/7 a través de “envivo” en purojazz.com y se retransmitirá los jueves a las 24:0 por la Radio universitaria UNIACC.
Este sábado escucharemos Algonquin, que es el título del CD grabado durante concierto que ofrecieron Cecil Taylor y Matt Maneri en la Biblioteca del Congreso en Washington DC en 1999, concierto que se editó hace algunas semanas por el sello Bridge.
Algonquin se compone de cuatro piezas de improvisación libre. La primera y la última con la participación de ambos músicos, en la segunda y tercera se presentan Taylor y Maneri separadamente.
Para los que han escuchado a Taylor con detención, especialmente en sus dúos y pequeños grupos, su actuación les será reconocible. Hay gran interacción entre los dos artistas y este formato a Taylor les es acogedor. Le permite actuar como solista pero también de surtirse de los sonidos y matices que emanan del violín de Maneri.
El mundo musical de Taylor es casi inescrutable. Su concepto musical es sui generis, incluso cuando impulsa a otros hacia su mundo. Maneri frente a este genio no se apaga y su performance está a la par. Taylor se demuestra generoso, algo poco común en él basta sólo recordar recuerden su avasalladora y casi vergonzosa actuación con Mary Lou Williams en el concierto a dúo en el Carnegie Hall en 1977. En veces de atacar el piano con torbellinos de notas, esta es una presentación más sutil aunque no menos enérgico en su enfoque.
Dentro de su enorme obra, Algonquin es de lo más accesible que Taylor ha producido, porque es menos denso, aunque la típica tormenta se mantiene dentro de Taylor. Hay gran belleza y romanticismo y nos demuestra que es capaz de intensos sentimientos y de brutal furia a la vez.
El domingo oiremos Grant Green, Sonny Clark, Bill Charlap y muchos otros. Todos estos programas se pueden escuchar durante la semana a traves de esta página.
Bill Evans em várias sessões com diferentes jazzmen no final dos anos 50, é disso que trata esta recente (re)edição da Lone Hill Jazz, à base de material outrora gravado para a Bethelehem. Um dos discos desta compilação é liderado pelo trombonista Jimmy Knepper (A Swinging Introduction To Jimmy Knepper, de 1957, com Bill Evans, Gene Quill, Teddy Kotick e Dannie Richmond ); dois outros são de Charlie Mingus (East Costing, de 1957, com Clarence Shaw, Shafi Hadi, Jimmy Knepper, Bill Evans, Charles Mingus, Dannie Richmond; e A Modern Jazz Symposium, de 1958, com Shafi Hadi, Jimmy Knepper, Horace Parlan, Charles Mingus, Dannie Richmond), outra em que entra o cantor Frank Minion (The Soft Land of Make Believe, de 1959), num programa com Paul Chambers e Jimmy Cobb, que inclui All Blues, Flamenco Sketches, Round Midnight e So What. Quatro LPs Bethelehem fora de circulação e um punhado de outtakes compõem o CD duplo da Lone Hill, em que o piano de Bill Evans é o traço de união e um dos factores de modernidade do som dos anos 50, ao virar da década.
Bill Evans, The Complete Gus Wildi [fundador da Bethlehem] Recordings (Lone Hill Jazz)
Um serão com Lester Young quantos serões vale?
Lester Young, 1958
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No próximo sábado, 18 de Dezembro, o guitarrista Afonso Pais dá um concerto para apresentar o seu primeiro disco, TerraNova (Clean Feed), no auditório do Seixal, pelas 21h30. Afonso Pais, guitarra; Carlos Barretto, contrabaixo; e Alexandre Frazão, bateria. "Não foi por acaso que o Afonso escolheu um tema de Thelonious Monk para completar o seu CD. Monk, além de excepcional pianista, foi, ao meu ver, um dos maiores compositores de sua época. O que me parece interessante no trabalho do Afonso, é que ele se deixa influenciar por tudo o que gosta, mas o resultado tem uma marca própria, uma assinatura.
O "DOMO DA METAZONA", um chorinho carioca, por exemplo, é o resultado do seu amor pela música brasileira, mas revela um compositor original que salta do 4/4 para o 3/4, logo depois para o 7/4 com naturalidade e invenção. Este é um disco de jazz, sem dúvida, mas sem os lugares comuns, as fórmulas conhecidas. Um disco que aposta na melodia, na harmonia e na execução primorosa do trio. E eu, daqui de longe, aposto no disco". -- Edu Lobo
O colega e vizinho Improvisos ao Sul publica uma interessante entrevista com Afonso Pais.
John Abercrombie faz hoje 60 anos. Actualmente não lhe ligo quase nada, mas tenho a agradecer as infindáveis horas que passei a ouvir as suas guitarradas nos tempos da adolescência e por aí adiante. Mal meu, certamente, mas a verdade é que me cansei das suas recorrentes investidas pelo mainstream, a que, confesso, raramente prestei atenção. Um destes dias hei-de ouvir Open Land, que me dizem valer a pena. John Abercrombie, com Mark Feldman, Kenny Wheeler, Joe Lovano, Dan Wall e Adam Nussbaum. Parabéns, Mr. Abercrombie!
Admiradores de Joe McPhee, de Joe Fonda ou de ambos, atentai nisto!
A editora alemã Konnex, fundada por Manfred Schiek, lançou há relativamente pouco tempo um disco em que aquelas duas grandes figuras do jazz de actual aparecem juntas e ao vivo, emparceirando com dois outros nomes vanguardistas do jazz. No caso, com Cliff White, em saxofones alto, tenor e barítono, e Ben Karetnick, bateria e percussão.
Parece pouco?! Só quem andar fora da graça dos deuses improvisadores é que não encara um acontecimento desta natureza com o carinho e a emoção que ele seguramente desperta. Graças a Michael Ehlers, o homem por detrás da Eremite, que deslocou o seu Mobile Recordig Unit para o interior da sala de concertos, aqui temos finalmente o registo fonográfico da primeira e potente performance ao vivo deste quarteto. Foi numa noite de extremo calor, supostamente a noite mais quente do ano de 2002 (daí o título Heat Suite), que Fonda e seus amigos se apresentaram perante o público que habitualmente frequenta a Unitarian Meeting House, em Amherst, MA, cidade do Pioneer Valley, conhecida nos meios do free jazz e da chamada música improvisada criativa por ser a terra em que se realiza o afamado Fire In The Valley Festival, um ícone do free jazz actual.
Heat Suite - o nome não me deixa mentir - é uma sequência de temas a ferver (Parts 1-4), nascidos da improvisação colectiva em que participou esta associação de músicos liderada pelo contrabaixista Joe Fonda. Resuktado que deve menos ao trabalho prévio de estruturação e organização das sequências musicais, que ao seu instantâneo e instintivo desenvolvimento. 10% de uma, 90% de outra - receita perigosa e potencialmente condenada ao falhanço noutras mãos; infalível nestas.
Não admira, pois, que o produto seja em muito superior à soma dos contributos individuais de cada artista. E que artistas! Joe Fonda dirige as operações, bem à sua maneira, sem impor a omnipresença, dando largas à capacidade de adaptação a quaisquer ambientes sonoros em que se veja lançado, o camaleão que ousa atravessar todas as imprevisíveis direcções da música com a marca distintiva do seu som espesso e cremoso. Um mestre, na acepção comum do termo. De Joe Mcphee (saxes tenor e soprano, pocket trumpet) pode dizer-se rigorosamente o mesmo, sem tirar uma vírgula que seja, acrescentando apenas que a sua aparição neste set é susceptível de revelar aspectos escondidos e pouco habituais do som McPhee, que só se manifestam quando o saxofonista surge acompanhado de uma alma gémea, às vezes Joe Giardullo; neste caso, Clifford White, com quem mantém um nível comunicacional digno de nota. Benjamin Karetnick, antigo discípulo de Barry Altschul, assegura, com intuição e inteligência, o trabalho propulsor. Quase sempre por sua exclusiva conta, já que Fonda (contrabaixo, flauta, voz e percussão) está muito mais para lá, sem querer saber de marcações de tempo.
Um quarteto ad-hoc que mal nasceu e já atingiu a maturidade, logo ao primeiro tiro. Espantoso, como quase tudo em que Joe Fonda e Joe McPhee põem o nome por baixo.
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The Journal of Improvised
and Experimental Music
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(Inverno de 2004)
Nas próximas duas sextas-feiras (fica já aqui o anúncio feito com razoável antecedência) há festa rija no Jazz on 3, da BBC Radio 3. Jez Nelson resolveu presentear os ouvintes do programa com dois mimos que, vistas as coisas, bem merecemos: duas performances do London Jazz Festival, uma delas classificada como rara, prevista para 17 de Dezembro, e que tem em Cecil Taylor o principal protagonista. O principal, porque com ele poderemos ouvir Bill Dixon e Tony Oxley, justamente a formação que actuou no Guimarães Jazz deste ano, há coisa de um mês. Piano, trompete e bateria. Ou a música toda junta. Na sexta-feira seguinte (24 de Dezembro), para animar a Consoada, Jez Nelson convocou Anthony Braxton, naquela que foi a sua primeira aparição ao vivo no Reino Unido. Quem não acreditar no outro milagre da noite de 24 de Dezembro, pode ser que venha a acreditar neste outro. Ouro, incenso e mirra. Jazz on 3, na BBC, sempre às 23h30, hora TMG.
Em 1958, com algumas das maiores estrelas do jazz dos anos 50 - John Coltrane, Benny Golson, Art Farmer, Bob Brookmeyer, Phil Woods, Bill Evans, Max Roach, etc. -, George Russell criou esta homenagem a Nova Iorque. Lembrei-me do disco, que já não ouvia há anos, e apeteceu-me uma volta de reconhecimento, reencontrar-me com uma das obras emblemáticas do "jazz moderno". George Russell - New York, N.Y..