Tome uma guitarra nos braços. Electroacústica, de preferência. Coloque-a sobre uma superfície plana, uma mesa, por exemplo. Sente-se à mesa. Disponha objectos sortidos sobre a guitarra - pregos, talheres, espátulas e outra palamenta metálica. Misture tudo muito bem com as cordas de aço. Seguidamente, adicione guizos, motores eléctricos miniaturizados e tudo o que lhe ocorra e possa ser esfregado e percutido sobre o tampo da guitarra. Conecte a saída da guitarra a uma mesa de mistura onde preparou previamente uma boa quantidade de efeitos sonoros sugeridos, não pelo som produzido na fonte, mas pela imaginação, antecipando o que dali poderá sair. Finalmente, disponha a cablagem por forma a criar feed-back e doses generosas de ruído de fundo. Misture com as altas frequências produzidas, depois de ligar tudo à corrente eléctrica.
A receita não é original. Todo o guitarrista experimental que se preze já a usou ou está em pulgas para o fazer. O que distingue o trabalho de uns e outros, mais do que a natureza dos materiais usados, são, afinal, os resultados sonoros produzidos. Escapar ao lugar comum que abunda neste tipo de projectos de "plug and play" não é tarefa fácil. Mas há quem consiga evitar as tentações mais óbvias e desviar a trajectória na demanda de novas combinações e recombinações sonoras electroacústicas. É esse o caso de Jeff Gburek, guitarrista autodidacta experimental norte-americano (Albuquerque, Novo México), nascido em 1963. Artista precoce, há quase três décadas que se dedica à investigação sonora naqueles domínios, mantendo ocasionais incursões pelos territórios do rock (são conhecidas colaborações com Tom Carter e Charalambides, por exemplo). Optando por desvalorizar a técnica de execução da guitarra (“simples memórias de velhos sistemas”, segundo o próprio), Gburek aposta em revitalizar, remover e reconstruir materiais, uma versão pessoal da lei dos três R´s, que professa e aplica à manufactura do som. Convoca para a sua fábrica um espectro sonoro alargado, baseado em conceitos heterodoxos de pintura, colagem e escultura, com interessantes resultados ao nível da organização musical. Uma das palavras-chave neste projecto de Jeff Gburek intitulado Energariums, é justamente "organização", conceito que simultaneamente explica a qualidade dos resultados obtidos e a diferenciação de outros produtos de concepção similar, baseados na tríade sujeito, guitarra, objectos. Mas nem só de trabalho a solo tem vivido a carreira de Jeff Gburek. Nómada, há anos que lidera o projecto Djalma Primordial Science, com a bailarina Ephia; inclui o trio electroacústico alemão ZYGOMA (Michael Vorfeld e Michael Walz), e tem vindo a trabalhar com o multi-instrumentista de Chicago, Kyle Bruckmann, com o trombonista alemão Konrad Bauer e com o guitarrista britânico Keith Rowe (AMM, claro). Com eles partilha gostos, estratégias, influências estéticas e, sobretudo, o mesmo interesse na vertente europeia da música improvisada e experimental moderna de base tecnológica. Satisfatório e surpreendente (os cultores do género têm muito que aproveitar), este lançamento da editora alemã Nurnichnur, da série Experimental Sound Productions, merece audição atenta e repetida, que facilite a fruição dos mais ínfimos pormenores sónicos desta aventurosa viagem através do nevoeiro cerrado, que toma conta do ouvinte e o transporta às profundezas do som.