2006 Innovators: Ornette Coleman
Havia 10 anos que Ornette Coleman não lançava um disco novo. O último fora Sound Museum, em 1996. Este que em Setembro de 2006 publicou regista um concerto ao vivo em Ludwigshafen, Alemanha, em 2005. Com o saxofonista, trompetista e violinista texano, tocaram o filho Denardo Coleman, bateria, e dois contrabaixistas, Greg Cohen (pizicatto) e Tony Falanga (arco). Revisitações de Turnaround e Song X, a par de novas composições, como Call to Duty, Only Once, Waiting for You, Jordan, Sleep Talking e Matador. Aos 76 anos (1930, Fort Worth, Texas), Ornette parece não querer deixar de colocar questões e de investigar para além do que já se conhece, prosseguindo o seu objectivo de vida: “I seek to play pure emotion”. Sound Grammar.
Seis mensageiros em vez dos cinco habituais. Art Blakey and the Jazz Messengers, Mosaic. Discaço vibrante! Pequenas alterações na equipa-base produzem grandes diferenças. Cedar Walton (piano) entrou para o lugar de Bobby Timmons; Freddie Hubbard, para o lugar de Lee Morgan. Ao lado de Jymie Merritt e de Art Blakey, ajudam a criar a avalanche hard-bop que rola em todas as direcções. Freddie Hubbard (trompete), Curtis Fuller (trombone) e Wayne Shorter (saxofone tenor). Um dos muitos grandes discos de Art Blakey. Blue Note, 1961, rudivangelderizado em 2006, ainda por cima.
O pianista e compositor britânico Stan Tracey faz 80 anos, e o Jazz on 3 dedica-lhe um programa inteiro. Hora e meia de emissão com excertos de duas actuações ao vivo. Na primeira parte, em trio, com o contrabaixista Andrew Cleyndert, e o baterista (e seu filho) Clark Tracey durante a recente edição do London Jazz Festival, em Novembro último. Para preencher a segunda metade do programa, Jez Nelson foi aos arquivos da BBC e encontrou gravações raras de Stan Tracey a improvisar livremente, a solo e em duo com o saxofonista Mike Osborn, em 1973.
metropolis - a blog and online-shop for jazz, improvised and 'unheard' music. Aqui tem a gente muito que aprender e outro tanto com que se entreter. São várias as secções (artist portrait, books, general, interview, label portrait, podcast e reviews). Um acervo de informação que tem vindo a crescer em qualidade e em quantidade desde Junho passado. Edição trilingue (alemão, francês e inglês). Regressa ao activo a 15 de Janeiro.
Em 1974 pode ter feito parte da banda sonora da Revolução. Em 1999, reapareceu de novo em CD para gáudio de artensembleanos como eu, os que tinhamos perdido a primeira oportunidade. Fanfare for the Warriors, disco de estúdio, conta com um bónus especial: a participação do pianista AACM Muahl Richard Abrams, extraordnário investimento na expansão harmónica do colectivo. O resto é The Art Ensemble of Chicago no pináculo da criatividade musical; o trabalho antropológico sobre as ancestrais raízes africanas, a mitologia pan-africana que recuperam, investigam e constroem eles próprios – no fundo, uma súmula da grande viagem espiritual de Joseph Jarman, Roscoe Mitchell, Lester Bowie, Malachi Favors e Famoudou Don Moye. Gravado no mítico Paragon Studios, Chicago, em Setembro de 1973. Fanfare for the Warriors.
Anthony Braxton ao vivo no Iridium Jazz Club, clube de Nova Iorque, durante quatro noites de Março deste ano. Foi tudo gravado, e o resultado – 12 tet +1 - 9 Compositions (Iridium) 2006, que inclui as Composições n.ºs 350 a 358, do ciclo Ghost Trance Music – nove CDs e um DVD, vai ser publicado em Abril do ano que vem, pela Firehouse 12 Records, a editora do engenheiro de som Nick Lloyd e do trompetista, compositor e improvisador Taylor Ho Bynum, que, estando ainda em preparação, se vai lançar desta forma monumental. A Iridium Box sai a 3 de Abril de 2007. Braxton ao vivo em dodecateto (mais um) num total de nove discos e um DVD?!
Já tinha dito que não iria alinhar um top 10 deste ano. Não porque não tivesse havido música com qualidade suficiente para o justificar; o problema releva da preguiça e da proverbial desarrumação (um disco aqui, outro ali...) e vai daí, népia, não estou para aí virado. No entanto, houve um disco (ou dois) a que regressei amiude durante o ano que ora finda: Zero Degree Music e Music Degree Zero, do Adam Lane Trio. Para meu gosto e contentamento este belo par representa por si só o que de melhor se publicou e eu ouvi em 2006, embora neste caso as gravações datem de 2005. Zero Degree...saiu ainda o ano passado. Reproduzo abaixo o post de 27 de Outubro último, alusivo ao power trio de Adam Lane (na foto, envergando uma t-shirt dos japoneses Melt-Banana) - uma verdadeira corrente de frescura que atravessou o jazz e contribuiu para o renovar na sua dimensão transgeracional, mostrando interessantes direcções a empreender. Não quero com isto dizer que se trata do melhor entre os melhores, mas o certo é que estes dois volumes são realmente de estalo e valem também pela atitude e pela vontade de afirmar um som próprio, que tem, entre outras, a virtude de, sem sair dos eixos ou renegar a "tradição" (não falta swing nem estrutura), não macaquear o pai, o avô ou o vizinho. Irreverência, beleza, insurreição e energia. É disto que o jazz precisa. E Vinny Golia é um grande mestre!
Por cá, louvo os esforços consequentes de Rodrigo Amado, com dois discos (Spiritualized e Teatro, oportunamente recenseados aqui no J&A), e de Alípio C. Neto, com um na rua (Snug as a Gun, para o qual tive o subido gosto de escrever as liner notes) e mais três ou quatro prontos a sair. E muitas, muitas actuações ao vivo.
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É de truz! Ou, por outra, são de truz. Dois discos inteiros resumem a excursão que Adam Lane (n. 1968) fez ao Cadence Building, da família Rusch, Redwood, NY, em Fevereiro de 2005. O contrabaixista está em franca ascensão. Trabalha que se farta e tem tido a sorte e o mérito de agradar ao público e aos críticos. Além das inúmeras colaborações que lhe têm sido pedidas, os projectos em nome próprio têm vindo a crescer em número e em qualidade: solos, duos (excelente Tandem Rivers, com o saxofonista alto Blaise Siwula); outro, mais recente, com John Tchicai, na CIMP (Dos); o quarteto com John Tchicai, Paul Smoker e Barry Altschul, que produziu Fo(u)r Being(s); a Full Throtlle Orchestra, a Supercharger Jazz Orchestra (de que saiu Hollywood Wedding na Cadence Jazz Records) e outras iniciativas entre Los Angeles e Nova Iorque. Zero Degree Music e Music Degree Zero, é Adam Lane Trio a dobrar, com Vinny Golia, saxofones tenor e soprano, e o baterista Vijay Anderson. «We play a free swing, hard bop, avant swing similar to Mingus and Ellington on the Money Jungle record, but with a bit more of a modern feel» - sintetiza Adam Lane nas notas. Sublinho o groove que se projecta na música do trio, e os elevados padrões de improvisação e interactividade, a que mestre Vinny acrescenta considerável valor. Esta é uma das raras oportunidades de o ouvir tocar saxofones tenor e soprano em grupos de reduzida dimensão, num registo mais próximo da tradição jazz dos instrumentos (como faz Joe McPhee no Trio X, por exemplo, ao harmonizar força física e elevação espiritual), que da new music braxtoniana praticada noutros instrumentos da família dos saxofones, e na gestão de ensembles de grande magnitude, como os que se podem ouvir e conhecer via Nine Winds. Aqui, Vinny Golia desce ao terreiro do trio de saxofone-baixo-bateria (Vijay Anderson chega bem para os dois, imaginativo nas figuras e cheio de instinto groove), cumpre genericamente as prescrições de Adam Lane, e, por entre elas, sopra que se desunha, com intenção, bom gosto e espessura sonora. Zero Degree Music e Music Degree Zero, companheiros inseparáveis, são duas obras a ter em muito boa conta. Grau Zero?! Só com grande dose de ironia".
ULRICHSBERGER KALEIDOPHON 2007
Musikfestival im Jazzatelier Ulrichsberg
De 27 a 29 April de 2007
UNSK - Birgit Ulher, Lise-Lott Norelius, Raymond Strid, Martin Kuechen;
MEMORIZE THE SKY - Matt Bauder, Zach Wallace, Aaron Siegel;
TOUCH THE EARTH, CHAPTER II - Wadada Leo Smith, Günter Baby Sommer;
MORE IS MORE - Peter Evans;
CHRIS BURN SOLO;
EFZEG - Boris Hauf, Billy Roisz, Martin Siewert, Burkhard Stangl, Dieb13;
MISHA MENGELBERG / TRISTAN HONSINGER;
THE FELL CLUTCH - Ned Rothenberg, David Tronzo, Stomu Takeishi, Tony Buck;
PARLANDO - Bertl Muetter;
BROSPA II - Franz Hautzinger, Manon Liu Winter;
COURANTS - Michel Doneda, W. Grafenhorst, F. Kwiatkowski, Le Quan
Ninh;
INSTANT COMPOSERS POOL ORCHESTRA;
BERNADETTE HUBER
De manhã. Prepare yourself for the Moonship Journey
Os manos turinenses
Maurizio (
cosmic guitar, mini xylophone, meteoric percussion) e
Roberto Opalio (
astral guitar, jouets spacials, extra-terrestrial electronics, harmonica, planetary percussion, voice) devem ter bebibo qualquer coisinha estranha no leite materno. Também respondem pelo nome
MY CAT IS AN ALIEN (não deve ser só o gato)
, e nessa condição publicaram Il Suono Venuto Dallo Spazio na canadiana Victo.No mesmo pacote saiu For Percy Heath, nova fatia da Little Huey Creative Music Orchestra, a big band de William Parker. For Percy Heath é a homenagem de WP e da LHCMO ao grande contrabaixista Percy Heath (1923-2005), músico de longa carreira, cuja fatia mais assinalável foi vivida com o Modern Jazz Quartet. Gravação no Festival International de Musique Actuelle de Victoriaville, edição de 2005. Do septeto de free-rock nova-iorquino que usa guitarras, saxofone, percussão e voz para armar uma confusão psicadélica bestialmente (des)organizada e fascinante, No Neck Blues Band, saiu também Nine For VICTOR, gravação no festival de Victoriaville de 2005. Pelas minhas contas, o sétimo capítulo da Little Huey Creative Music Orchestra, formação que inclui Sabir Mateen, Darryl Foster, Rob Brown, Charles Waters, Dave Sewelson, Roy Campbell, Matt Lavelle, Lewis Barnes, Steve Swell, Alex Lodico, Masahiko Kono, Dave Hofstra, Andrew Barker e William Parker. Três edições mais a juntar ao rol das encomendas. Uma maneira tripla de acabar o ano em beleza. Les Disques Victo.
Little Huey Creative Music Orchestra
Um ano sem Derek Bailey (29.01.1930 – 25.12.2005): um dia só com Derek Bailey.
Fui à estante e escolhi sete títulos (as seis cordas, mais um) de entre discos simples, um duplo e um triplo; solos, duos, trios, quarteto; acústico e electrificado, para ouvir ao longo do Dia de Bailey:
- The Moat Recordings (Joseph Holbrooke Trio, Gavin Bryars e Tony Oxley, Tzadik 2006);
- The Topography of the Lungs (Han Bennink e Evan Parker, 1a edição da Incus, 1970);
- The London Concert (Evan Parker, Incus 1971);
- Lace (solo guitar, Emanem 1989);
- The Sign Of Four (Pat Metheny, Gregg Bendian e Paul Wertico, Knitting Factory 1997);
- Pieces for Guitar (Tzadik, 2002);
- To Play (The Blemish Sessions), (Samadhisound, 2006).
Um serão pré-Natal (aqui ainda não chegou o politicamente correcto) vai bem com a tranquilidade de Jimmy Giuffre, Paul Bley e Steve Swallow: Emphasis & Flight 1961. Clarinete, contrabaixo e piano. Há quem ponha em dúvida que Paul Bley é mesmo "outro" pianista? CD duplo hatHOLOGY com actuações de de Estugarda e Berlim, em 1961, como o título indica. Um sonho. E ainda por cima este é o único disco que regista actuações ao vivo deste trio.
Ei, privilegiados: Oshiri Penpenz, Nmperign + Jason Lescalleet, Ellen Fullman + Sean Meehan, Keiji Haino + Tony Conrad, Lethe, Steve Baczkowski + Ravi Padmanabha, Arrington de Dionyso, Maryanne Amacher e muitos outros, em excertos a/v de apresentações ao vivo entre 13 e 15 de Outubro passado, no Instal 2006 (Brave New Music) - festival anual de música underground, que docorreu em Glasgow, Escócia.
A quatrocentésima edição do
Jazz on 3, da
BBC Radio 3, é bem o reflexo do que tem sido o ecletismo na actividade difusora do programa, desde o seu início. Vamos poder ouvir hoje às 11 pm de Londres, e a qualquer hora via
webcast durante toda a semana que vem:
Joe Lovano Quartet (JL, na foto), e a suite
Streams of Expression; o
Trio 3, de
Reggie Workman,
Andrew Cyrille e
Oliver Lake;
Bob Belden’s Animation, na senda do Miles eléctrico (vai passar
Spanish Key, do
Bitches Brew); os
Digital Primitives, de
Assif Tsahar,
Chad Taylor e
Cooper-Moore. Tempo ainda para
John Zorn no
The Stone, e
Wynton Marsalis, no Lincoln Center, seus respectivos habitats naturais, por assim dizer. Casa cheia, a de
Jez Nelson.
A associação cultural e recreativa Waldron/Lacy deu muitos e bons frutos num passado ainda recente. Como este "europeu" Hard Talk (Enja, 1974). Mal Waldron, Steve Lacy, Manfred Schoof, Isla Eckinger e Allen Blairman. E o duo Mal Waldron & Steve Lacy, Sempre Amore (Soul Note, 1987), para não ir mais longe...?
What will the 24th FIMAV has in store for us all? It is obviously too early to tell, but one thing is sure: it will still be home to audacity and creativity. Thank you all, artists and members of the audience; you are our inspiration. See you next year, from may 17 to 21 for more unlikely and rich musical adventures!
Atenção cuidada merece o trabalho das pequenas editoras. De modo discreto e sem alardes, lançam títulos que dificilmente entrarão nas listas dos melhores do ano, por falta de capacidade de se mostrarem ao público e aos opinion makers. Improvável é que consigam pagar os custos de produção. Mesmo assim, são centenas, milhares a operar por esse mundo fora, a maior parte das vezes por estrito amor à arte.
É este o caso da muito estimável Mutable Music, editora gerida e mantida pelo cantor norte-americano Thomas Buckner, barítono com uma vida inteira dedicada à música (participação nas óperas de Robert Ashley, colaborações com gente do jazz e de fora dele, como Alvin Lucier, Pauline Oliveros, Jerome Cooper, Roswell Rudd ou Roscoe Mitchell), seja via new music ou improvisação vocal (ou as diversas formas de ambas se recombinarem, daí o conceito de “mutabilidade”), e à edição discográfica, actividade esta última que iniciou com fundação da 1750 Arch Records. Discretamente, de modo quase clandestino, vão surgindo novas edições no selo nova-iorquino, propostas sempre com elevado interesse estético e musical, que tanto apelam à mente como ao coração. Ou não fosse Thomas Buckner, ele próprio, um homem de requintado bom gosto, que procura dar a conhecer música “de alongamento”, que dificilmente se poderá encontrar noutras editoras, mesmo naquelas com maiores afinidades estéticas.
Na Mutable Music acaba de sair Totem, disco de “improvisações com a escultura de Alan Kirili”. Em 2005, Jérôme Bourdellon, flautista francês, recebeu Thomas Buckner em Paris, e, velhos conhecidos, foram ambos para o atelier do escultor Alain Kirili. O objectivo era gravar uma sessão de voz (barítono), flauta e shakuhachi, na presença interactiva de um conjunto escultórico intitulado Totem. Numa abordagem moderna em termos de posicionamento relativo, em que voz e flauta são dois instrumentos que estão ao mesmo nível, quer porque os instrumentistas, no caso concreto, possuem a mesma base “clássica”, quer porque os aspectos físicos da produção sonora e as estratégias de afirmação se adequam, explorando toda a gama de registos, timbres e coloratura, com caracterísicas tão amplas, combinando aspectos que se reconhecem na música antiga e na ópera moderna, shamanismo e poesia urbana. Resultou numa música transparente, fina e estaladiça como películas de gelo, que se derrete e evapora sem deixar resíduo. Poesia sonora, arte maior. Não se espera que passe na rádio.
Jane Ira Bloom, no TONIC a 6 de Janeiro. Apresentação de Beyond the Brain, obra com o apoio da "Chamber Music America’s New Works: Creation & Presentation Program", financiada pela "Doris Duke Charitable Foundation". A sopranista venceu a última edição do "Mary Lou Williams Jazz Award for lifetime service to jazz", e já tinha arrebatado em 2006 o prémio dos Jazz Journalists na classe de saxofone soprano. No TONIC estará acompanhada por Matt Wilson, bateria, Mark Helias, contrabaixo, e pela pianista Dawn Clement. Para mais informações, consultar a página pessoal da senhora.
(clique em cima para conseguir ler)
Está na altura dos top 10, que os há para todos os gostos. Este ano, por fastio e por preguiça, não vou encarreirar os habituais 10 disquinhos, actividade sempre tão chata quanto estulta. Que se esfoliem os tops! São todos muit'a bons, está decidido. A Jazz Journalists Association é que não se deixa ficar. Vai daí, compilou uma quantidade de propostas (34, se bem as contei) de críticos seus associados. As minhas escolhas talvez andassem próximas das de Howard Mandel e de Stuart Broomer, mais coisa menos coisa. Na foto: John Coltrane, Thelonius Monk, Ahmed Abdul-Malik (contrabaixo) e Shadow Wilson (bateria), no Five Spot Café, Nova Iorque, 1957.
É o próprio senhor Dave Douglas quem conta a história da mais recente (?) travessura editorial com o quinteto-maravilha que agremiou e reformulou ainda não há muito tempo, mas que se posiciona de forma ambiciosa para vir a ombrear com outros grandes da história recente (o de Dave Holland, por exemplo) e não tão próxima (os vários de Miles Davis): este mês de Dezembro, na semana de 5 a 10, Dave Douglas e o quinteto aportaram ao Jazz Standard, em Nova Iorque, para uma residência de 6 noites consecutivas, num total de 12 sets de uma hora. Os técnicos do local conversaram com os de Douglas e assentaram na ideia de gravar a integral do acontecimento, para posterior edição através da Greenleaf Music, editora fundada e dirigida pelo próprio trompetista. O programa – de acordo com a ainda escassa informação disponível – comporta temas de discos anteriores The Infinite (2001), Strange Liberation (2003) e Meaning and Mystery (2006), um punhado de novas composições escritas por Douglas propositadamente para apresentar no Jazz Standard, assim como versões de temas de Bjork, Beck, Mary J. Blige e Rufus Wainwright. O conjunto está já disponível na página da musicstem (Premonition Music), a $70 o pacote completo (12 sets), a $7 o álbum, ou a $0.99 o tema. Aguarda-se a saída em CD, para quem careça de voltear o dito entre mãos. O Chicago Reader, que as apanha bem, rezou assim: "The recording quality is first-rate, not some middling board feed—which seems to present this project as an alternative to the rampant BitTorrent bootlegs you practically stumble into on the Internet these days—and what I've heard of the massive set thus far has been creatively excellent". Dave Douglas Quintet: Dave Douglas, Donny McCaslin, Uri Caine, James Genus e Clarence Penn – a mesma e renovada formação com que Douglas gravou o bem rematado Meaning and Mystery.
“Listen carefully, I shall say this only once”, como dizia a Michelle da Resistence ('Allo 'Allo): ide e buscai o novo disco de Sonny Simmons em trio com o histórico Cameron Brown, contrabaixo, e com um dos melhores bateristas da actualidade, que me lembra o drumming de Elvin Jones, Ronnie Burrage. Digno de ser ouvido, Live at Knitting Factory foi gravado no decurso do VI Annual Vision Festival, em Nova Iorque, a 25 de Maio de 2001. O valor supremo é a total empatia entre os músicos, a partir da qual se produz um nível de interacção raramente ouvido. Nessa matéria, New Groove Mode epitomiza bem o que por cá vai. Sonny Simmons, norte-americano de Louisiana, é daqueles saxofonistas improvisadores que valem hoje, em termos de convicção, incisão e savoir-faire, tanto como valiam há 40 anos (confirmar com audição dos ESP-Disk, Music from the Spheres e Staying on the Watch, com Barbara Donald e companhia). Está é mais sábio. Saibamos nós ouvir e compreender a música da alto-realeza simonniana. Live at Knitting Factory é uma das cinco primeiras edições da Ayler Records em formato exclusivamente digital.
Olho nisto que a Water Records foi buscar ao sótão da Atlantic! Ornette Coleman de 59/60, nunca ouvido pelo vulgo se não em 1975, num LP que só conheceu edição japonesa e limitada. Para quem não recebeu a graça de possuir um exemplar do monumento Beauty is a Rare Thing, a integral das gravações para a Atlantic Records (6 discos com pensão completa), chegada é a vez de prestar atenção a estes inéditos que Ornette gravou com o seu quarteto clássico, aquele que tantas pedras arrancaria das calçadas, e cuja música ainda hoje não passa pelo estreito de muito boa gente entendida (ou que se supõe ser) em Jazz: Don Cherry, trompete; Charlie Haden, contrabaixo; e, alternando na bateria, Ed Blackwell e Billy Higgins. Ainda não era chegado 1961, e com ele o seminal Free Jazz, A Collective Improvisation, com o duplo quarteto. Por enquanto andava ainda tudo muito à volta da temática de Change of The Century e de This is Our Music, para dar uma ideia aproximada. To Whom Who Keeps A Record saiu a 12 deste mês. Como obter a malha? A Tower é uma opção razoável. Beauty is a Rare Thing
Afinal, do EXPRESSO nem só a indigente saraivada de tempos felizmente idos (foi "brilhar" para a rua dele), nem a eterna, imutável e mais que empedernida bernarda. Lendo bem, há quem olhe para a música relevante que se faz hoje com ouvidos que nos fazem, por momentos, reconciliar com o que o jornal deveria ser: uma tribuna, se não plural, pelo menos não-monolítica. A escrita de Rui Tentúgal, além dum refrigério, tem qualquer coisa de redenção para quem há décadas carrega o fardo do quiosque para casa e de casa para o papelão. Afinal, ele move-se...
Amado / Kessler / Nilssen-Love
Chamar Teatro a um disco de free jazz pode criar a sensação de que vem aí uma espécie de “teatro da crueldade”. Chamar “Pandora’s Box” a um dos temas parece anunciar a versão sonora de todas as desgraças da Humanidade. Nada disso. Conta o mito que Pandora fechou a caixa a tempo de guardar lá dentro a esperança. Rodrigo Amado (saxofones tenor e barítono), Kent Kessler (contrabaixo) e Paal Nilssen-Love (bateria) tocaram pela primeira vez juntos na gravação desta música, em 2004, no Porto. Serão os “protocolos de improvisação” comuns a músicos e actores que aqui se experimentam? Será Teatro “a arte da improvisação e da ilusão de espontaneidade”? Será “Chasin’ Pirandello” uma desconstrução da presença e da identidade como Seis Personagens à Procura de Autor? Ou será Teatro o palco que falta a esta música que tem os ritmos e as subtilezas de um drama? A única certeza é que aqui está muito do jazz mais incisivo e premente que Amado gravou até ao momento, confirmando a justiça das atenções que começa a captar a nível internacional. - Rui Tentúgal
Blue Cathedral? Hum? psycho noise?
Ever heard howling at the moon like the mongrel dogs of Comets on Fire? Yeah, it’s everyday for me too, rock fanatics, gorging myself on their errant aberrant muse. A solar wind blowed through the aching heart of their last studio colossus, but the newie grabs handfuls of the moon and snorts at the gusset of the menstruating Muse. This ain’t no garage band, grandma!
Nunca disse isto a ninguém, nem mesmo como segredo de alcova, mas Paul Bley é o meu pianista favorito. Vá-se lá saber porquê. Aos meus ouvidos, o canadiano outrora marido de Carla, chega mais longe, vai mais fundo, e diz de um modo que não tem par, mesmo entre os modernistas. À medida que o tempo passa temos ambos vindo a “conversar” cada vez melhor. Tenho-me apercebido da grandiosidade da sua estética, da sua leitura incisiva, bem junto ao osso tayloriano. Até dói. E não venham já atirar com os maiores talentos que pululam por aí, fabricados em série, uns, em parte verdadeiros, outros; noutra, insuflados pelo marketing do showbiz e pela sorte das companhias em que andaram. Jarrett é maior que Bley? Chia muito mais enquanto toca, é verdade, mas, na minha terra, nem pó. Só ouvi este ESP-Disk de 1965 há para aí 10 anos. Nem sequer foi uma revelação imediata. Antes algo que se foi infiltrando quase imperceptivelmente, que me serviu, entre outras coisas, para sugerir outros discos, para trás e para diante (The Floater / Syndrome, em LP da Savoy, e depois em CD, na Vogue, com Steve Swallow e Pete LaRoca, vem-me de imediato à cabeça) e assim sucessivamente, até chegar à certeza de que Bley é "o" pianista. O tempo o dirá? Não, não, o tempo já o diz. E já dizia em 1966, em trio com Steve Swallow (contrabaixo) e Barry Altschul (bateria). Closer: três em um de três em pipa.
BIG SATAN em sessão dupla. Como passar impune ao lado disto? Não há. LiveIn Cognito. A mecânica de Tim Berne é complexa mas de fácil assimilação. Ouço Berne há anos nos mais variados contextos e formações, de duo a big band, mas tenho um fraquinho especial por este trio, que divido com outro, o Paraphrase, com Drew Gress, contrabaixo, em vez de Marc Ducret, guitarra; ou o Hard Cell, com Craig Taborn em vez de Marc Ducret e de Drew Gress... -, geometria que em muito favorece o brilho rápido e anguloso do seu saxofone alto. Berne chama a si uma boa parte da via para o estertor, enquanto Marc Ducret vai temperando a mistura com um irresistível lado melancólico, contraponto perfeito aos fogachos que irrompem do outro lado, por entre os movimentos de definição estrutural e melódica. Tom Rainey… bom, não haveria escolha mais acertada para peles e pratos, quando se trata de criar a este nível. Recue-se 10 anos e lembre-se I Think They Liked It Honey (Winter & Winter), e a seguir passe-se os ouvidos por Souls Saved Hear (Thirsty Ear, 2004). Feita a analepse, melhor se entenderá o “regresso ao futuro” que permanentemente se joga no âmago deste organismo vivo. Mais do que indagar sobre aquilo que eventualmente se teria perdido ou ganho com a passagem do tempo, que dessa contabilidade não se cuida aqui, o que importa é o elevado grau de resposta entre os músicos, a mestria na gestão do espaço e do tempo, a forma de a fazerem ao vivo, sem truques, sobreposições ou outros efeitos de cosmética. E de como essa relação se completa com a intervenção do ouvinte, convocado para um interessante trabalho de descodificação de sinais, o que apenas lhe exige sensibilidade, atenção e disponibilidade mental. Quem gosta de improvisação, seja ela jazz tout court ou coisa mais vasta, de que é que está à espera para prestar atenção a esta superlativa forma de satanismo? Por excelência... (Screwgun Records).
Big Satan (smoke gets in your eyes?)
"Enigma is a new recording by two of the foremost leading innovators in creative music today, pianist and multi-instrumentalist Joel Futterman and multi-reed player Ike Levin. This CD represents another in an expanding series of documented collaborations between these two highly skilled and adventurous improvisers. Musical ideas launch with soaring expansions and flow with fire and ecstatic energy. More abstract musical forms and ideas morph back and forth between rich harmonic undercurrents and melodic overlays. Levin testifies with scorching bellows and cries and angular lines over the churning and evolving torrents laid down on the piano by Futterman. Yet, even the at the heights of abstractness and expressiveness their music swings with conviction. These two musicians clearly share a common vision and strong intuitive connection that is evident in the richness and variations in their music. The Village Voice has referred to Futterman and Levin as two "highly committed creative artists who do not compromise their art" - Charles Lester Music.
A sair em breve, novo disco em trio: Joel Futterman (piano), Ike Levin (sax tenor) e Alvin Fielder (bateria), Live at the Blue Monk.
Já tinha lido encómios vários, mas ainda não me tinha posto no mais recente disco de Neil Young, Living With War (Reprise Records), o que só esta manhã aconteceu. Bela malha de rock'n'roll, sim senhor, grandes canções com a marca de Young, guitarras em superior distorção, coros nos refrões, secção ritmica potente, tudo como tinha que ser. O power geral é o do Crazy Horse (Rust Never Sleeps...), reconhece-se às primeiras espiras - como dantes se dizia -, embora sem Frank "Poncho" Sampedro, Billy Talbot e Ralph Molina. Living With War é um disco politicamente empenhado, cheio de ferroadas certeiras no couro do cowboy indecente Bush ("Let's impeach the president for lying") e na puta da guerra que o bronco engendrou, sem esquecer o abandono a que votou New Orleans antes, durante e depois do Katrina. "What if Al Qaeda blew up the levees?/Would New Orleans have been safer that way/Sheltered by our government's protection?". Um libelo contra a miséria moral, política e social em que a América mergulhou e de onde penosamente parece querer emergir. Neil Young é canadiano, e, dirão alguns, não se deveria meter nestes assuntos, "vá mas é prá terra dele". Claro.
Depois do aneurisma que o ia mandando para outro lado, é um prazer reencontrar Neil Young eléctrico (em sentido real e figurado), ainda por cima numa forma e com uma energia (gravou as nove canções em seis dias) de que jamais suspeitaria. Fade out? ainda é cedo, diz ele. Kick out! E diz desta maneira! Neil Young, guitarras, harmónica, voz; Rick Rosas, baixo; Chad Cromwell: bateria. Living With War.
Na capa, os space cowboys Comets On Fire (reclamam-se de raiana filiação, o que não admira se bem se atentar no soul expanding clamor que projectam), rapazes que combinam rock psicadélico com experimentalismo, à boa e tradicional maneira da Califórnia (deles ainda não ouvi nada tão temível como Field Recordings from the Sun, o primeiro a sério).Coabitam neste novo e 44º número da SIGNAL TO NOISE (Winter 2007) com Ornette Coleman, Califone, Soft Machine, Dubstep, Peesseye, Malcolm Goldstein (aí está ele!), Dewey Redman (extenso obituário), mais as habituais fartas quantidades de recensões críticas sobre discos e livros de música improvisada e experimental.
Malcolm Goldstein (foto polansky 2005)
- John Coltrane: You Know, Albert, I recorded an album [Ascension] and found I was playing just like you.
- Albert Ayler: No man, don't you see, you were playing like yourself. You were just feeling what I feel and were just crying out for spiritual unity.
Um disco muito bonito (o mais bonito) de Oliver Nelson. Composições, arranjos, improvisação individual e colectiva, atenção à árvore e à floresta - tudo elevado aos picos mais altos da criatividade e imaginação jazzísticas por um grupo de all star que, enquanto sexteto, só se reuniu para esta bendita sessão, posto o que, terminada a refrega, cada um foi à sua vida: Oliver Nelson, Freddie Hubbard, Eric Dolphy, Bill Evans, Paul Chambers e Roy Haynes. The Blues & The Abstract Truth, Impulse! de 1961. Essencial; logo, imprescindível. Stolen Moments...