Cada novo disco do prolífico Dave Douglas, não constituindo embora motivo para grandes surpresas (passou a ser normal encontrar novas edições, para além do regular disco por ano) traz sempre consigo um elemento susceptível de estimular a curiosidade do ouvinte em saber por que caminho o trompetista e compositor pretende seguir. Tanto mais interessante esse exercício é, quanto o músico já experimentou, como líder ou acompanhante, a quase totalidade dos estilos, formatos e geometrias que o jazz conhece, mesmo nas suas formulações mais heterodoxas. E que propõe Dave Douglas neste seu 24.º disco? Um novo e terceiro capítulo do seu quinteto “clássico”, o primeiro para a Greenleaf Music, depois de “Strange Liberation” (RCA), a que acresceu o contributo de Bill Frisell, e “The Infinite” (RCA), cuja principal diferença formal em relação a anteriores edições se assinala na mudança da titularidade do saxofone tenor. É então que, onde antes se encontrava Chris Potter, surge agora Donny McCaslin (excelente nas trocas químicas com o trompetista, temperadas pela cor do piano eléctrico), mantendo-se o resto da banda, com Uri Caine (Fender Rhodes), James Genus (contrabaixo) e Clarence Penn (bateria). Musicalmente, com este grupo Douglas continua a investir na leitura moderna das reminiscências estéticas do quinteto de Miles Davis, de imediatamente antes do abraço definitivo da electricidade (momento de que "Filles de Kilimanjaro" seria o epítome, estando Donny McCaslin para Douglas, como Wayne Shorter esteve para Miles), uma inesgotável fonte de inspiração, acrescentada da especial inventividade de Dave Douglas enquanto compositor, que também é um dos maiores e mais importantes trompetistas da sua geração. Um músico exímio na consumada arte de dosear fogo e reflexão, que aplica tanto ao recorte melódico dos temas como à improvisação que os mesmos flexivelmente suportam e instigam, com o apoio de uma secção rítmica que impressiona mais pela respiração e pelo espaço que concede, que pela marcação do tempo sem falhas. Se procurarmos hoje o músico-paradigma do jazz contemporâneo, herdeiro de um certo classicismo do final da década de 60, encontrá-lo-emos em Dave Douglas. Não obstante a intensa exposição a que tem estado sujeito, prossegue o seu caminho através de um saudável compromisso entre a tradição e o vanguardismo, que recolhe o melhor de ambas as fontes, sintetizando-o num discurso moderno e virado para o futuro. “Meaning and Mystery”, com os seus nove temas originais, é um belo disco de Dave Douglas, que exprime uma componente importante da sua visão musical, a assumpção prática de que o quinteto de jazz é uma toca de onde ainda continuam a sair bons coelhos. E um bom contraponto a “Rue de Seine”, em duo com o pianista Martial Solal, e ao groove de “Keystone”, para citar as mais recentes saídas do trompetista de New Jersey. Esteticamente, não apresenta nada que se possa considerar novo, é certo, mas tudo é muito bem composto, arranjado e executado, com a classe e a elegância a que Douglas nos habituou. Edição da Greenleaf Music, distribuída em Portugal pela Dwitza.