Já tinha dito que não iria alinhar um top 10 deste ano. Não porque não tivesse havido música com qualidade suficiente para o justificar; o problema releva da preguiça e da proverbial desarrumação (um disco aqui, outro ali...) e vai daí, népia, não estou para aí virado. No entanto, houve um disco (ou dois) a que regressei amiude durante o ano que ora finda: Zero Degree Music e Music Degree Zero, do Adam Lane Trio. Para meu gosto e contentamento este belo par representa por si só o que de melhor se publicou e eu ouvi em 2006, embora neste caso as gravações datem de 2005. Zero Degree...saiu ainda o ano passado. Reproduzo abaixo o post de 27 de Outubro último, alusivo ao power trio de Adam Lane (na foto, envergando uma t-shirt dos japoneses Melt-Banana) - uma verdadeira corrente de frescura que atravessou o jazz e contribuiu para o renovar na sua dimensão transgeracional, mostrando interessantes direcções a empreender. Não quero com isto dizer que se trata do melhor entre os melhores, mas o certo é que estes dois volumes são realmente de estalo e valem também pela atitude e pela vontade de afirmar um som próprio, que tem, entre outras, a virtude de, sem sair dos eixos ou renegar a "tradição" (não falta swing nem estrutura), não macaquear o pai, o avô ou o vizinho. Irreverência, beleza, insurreição e energia. É disto que o jazz precisa. E Vinny Golia é um grande mestre!
Por cá, louvo os esforços consequentes de Rodrigo Amado, com dois discos (Spiritualized e Teatro, oportunamente recenseados aqui no J&A), e de Alípio C. Neto, com um na rua (Snug as a Gun, para o qual tive o subido gosto de escrever as liner notes) e mais três ou quatro prontos a sair. E muitas, muitas actuações ao vivo.
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É de truz! Ou, por outra, são de truz. Dois discos inteiros resumem a excursão que Adam Lane (n. 1968) fez ao Cadence Building, da família Rusch, Redwood, NY, em Fevereiro de 2005. O contrabaixista está em franca ascensão. Trabalha que se farta e tem tido a sorte e o mérito de agradar ao público e aos críticos. Além das inúmeras colaborações que lhe têm sido pedidas, os projectos em nome próprio têm vindo a crescer em número e em qualidade: solos, duos (excelente Tandem Rivers, com o saxofonista alto Blaise Siwula); outro, mais recente, com John Tchicai, na CIMP (Dos); o quarteto com John Tchicai, Paul Smoker e Barry Altschul, que produziu Fo(u)r Being(s); a Full Throtlle Orchestra, a Supercharger Jazz Orchestra (de que saiu Hollywood Wedding na Cadence Jazz Records) e outras iniciativas entre Los Angeles e Nova Iorque. Zero Degree Music e Music Degree Zero, é Adam Lane Trio a dobrar, com Vinny Golia, saxofones tenor e soprano, e o baterista Vijay Anderson. «We play a free swing, hard bop, avant swing similar to Mingus and Ellington on the Money Jungle record, but with a bit more of a modern feel» - sintetiza Adam Lane nas notas. Sublinho o groove que se projecta na música do trio, e os elevados padrões de improvisação e interactividade, a que mestre Vinny acrescenta considerável valor. Esta é uma das raras oportunidades de o ouvir tocar saxofones tenor e soprano em grupos de reduzida dimensão, num registo mais próximo da tradição jazz dos instrumentos (como faz Joe McPhee no Trio X, por exemplo, ao harmonizar força física e elevação espiritual), que da new music braxtoniana praticada noutros instrumentos da família dos saxofones, e na gestão de ensembles de grande magnitude, como os que se podem ouvir e conhecer via Nine Winds. Aqui, Vinny Golia desce ao terreiro do trio de saxofone-baixo-bateria (Vijay Anderson chega bem para os dois, imaginativo nas figuras e cheio de instinto groove), cumpre genericamente as prescrições de Adam Lane, e, por entre elas, sopra que se desunha, com intenção, bom gosto e espessura sonora. Zero Degree Music e Music Degree Zero, companheiros inseparáveis, são duas obras a ter em muito boa conta. Grau Zero?! Só com grande dose de ironia".