A notícia irrompeu com a brutalidade das coisas tristes que não se anunciam previamente: Morreu Derek Bailey. Desapareceu o poeta, mestre da música improvisada; o artista/teórico/praticante da chamada nova improvisação; o expoente da guitarra eléctrica e acústica; o músico que libertou a abordagem do instrumento dos vários academismos que sobre ele pesavam. Mais do que um inventor de técnicas não convencionais de execução e de expressão, que também o foi, Bailey criou o seu próprio sistema musical, uma característica linguagem personalizada, inconfundível, carregada de novas invenções e de técnicas radicalmente diversas das tradicionais. Ele foi o libertador radical que elevou o padrão da guitarra a um novo patamar técnico e de refinada abstracção poética, tornando válida a referência a um “Antes de Bailey” e a um “Depois de Bailey”.
Nacido a 29 de Janeiro de 1930, Sheffield, Inglaterra, Derek Bailey iniciou os estudos de música na década de 40. Nos anos 50 trabalhou como guitarrista profissional, como solista e acompanhante, procurando tocar em todo o tipo de espaços, como clubes de jazz, salas de concerto, dando os primeiros passos nos estúdios de gravação, de rádio e TV. Na década de 60 interessa-se particularmente pela música livremente improvisada. Procura associar-se a outros músicos com idêntica curiosidade. É então que conhece John Stevens, músico britânico com o qual tocou dentro e fora do Spontaneous Music Ensemble, e contribuiu de forma decisiva para a emencipação do música improvisada europeia da genealogia do jazz, criando um corpo e um espírito próprios, espaço onde se jogaram algumas das mais importantes experiências musicais da segunda metade do Séc. XX. Em meados da década de 60, Bailey vive um período de transição artística, o último em que tocaria as suas próprias composições escritas, marcadamente influenciadas por Anton Webern (1883-1945), compositor da Segunda Escola de Viena, cuja inspiração o haveria de marcar e impelir à investigação sonora e à invenção técnica, que viriam a fazer dele o mais original e respeitado dos guitarristas. Na década de 70, Bailey foi novamente pioneiro, ao fundar Evan Parker e Tony Oxley aquela que viria a ser a primeira editora independente britânica dirigida por músicos, a Incus Records. Seguiu-se, em 1976, a formação da Company, um colectivo de improvisadores de várias partes do mundo, e deu origem à famosa Company Week, um evento anual de música livremente improvisada que passou a ter lugar em Londres, modelo posteriormente exportado para Nova Iorque e Hakushu, no Japão. Com Barry Guy e Paul Rutherford integrou ainda o trio de improvisação Iskra 1903.
Durante os anos seguintes, Bailey desdobrou-se em concertos por todo o mundo, tocando com toda a gente da música improvisada, gravando mais de 100 discos com as formações mais insuspeitas e de diferentes géneros musicais, aprofundando o género multiforme que fez evoluir. Em permanente inquietação criativa, o trabalho do guitarrista resultou na mais rica e variada das linguagens musicais, com que produziu novos timbres e uma sintaxe constantemente redefinida, na busca de uma noção que Bailey sempre perseguiu: a espontaneidade. Em 1992 publicou Musical Improvisation: Its nature and Practice in Music, obra essencial para compreender o fenómeno ali tratado. Barry Guy, Paul Rutherford, Cecil Taylor, Pat Metheny, John Zorn, John Stevens, Evan Parker, Dave Holland, Alex Ward, Lee Konitz, George Lewis, Agusti Fernandez, Lol Coxhill, Han Bennink, Wadada Leo Smith, Tristan Honsinger, Steve Beresford, Louis Moholo, DJ Ninj, Mick Beck, Paul Hession, foram alguns dos muitos músicos que com ele tocaram e aumentaram a já vastíssima obra como solista.
Cidadão do mundo, Derek Bailey vivia desde finais de 2003 em Barcelona, deslocando‑se frequentemente a Nova Iorque, Tokyo e Londres, cidade onde mantinha residência e veio a falecer no dia 25 de Dezembro de 2005. Vítima de doença que o acometera havia pouco mais de um ano, aos 75 desapareceu Derek Bailey, um dos nomes mais importantes e carismáticos da improvisação do Séc. XX.