A noite de 24 de Fevereiro de 1973, no Village Vanguard, em Nova Iorque, assinalou a estreia de um novo grupo do pianista Keith Jarrett. Ao trio base, com Charlie Haden e Paul Motian, que vinha estruturando desde Julho de 1971, altura em que saltou em andamento do grupo de Miles Davis, Jarrett adicionou um percussionista ocasional, Danny Johnson, e, aspecto maior a considerar, o saxofonista tenor Dewey Redman, como extensão do trio, espécie de guarda avançada ou ponta de lança com que o pianista esperava tornar a sua música mais expansiva e acutilante.
Das actuações no Vanguard saiu “Fort Yawuh”, o primeiro disco de Keith Jarrett para a Impulse!, registo daquela que ficou para a história como uma das mais brilhantes actuações do “quarteto americano”, grupo que perdeu em atenção mediática e de audiência em favor das aventuras europeias a solo e com Jan Garbarek (o celebrado “quarteto europeu”, com Palle Danielsson e Jon Christensen), a que a máquina da ECM, com a qual iniciara uma relação contratual em 1971, deu toda a projecção possível.
Eclipsado por álbuns como “The Köln Concert”, “Belonging” ou “My Song”, que correspondem sensivelmente ao mesmo período (“My Song”, um pouco mais tardio), “Fort Yawuh” passou discretamente, tendo vindo progressivamente a ser reavaliado em alta com o passar dos anos, à medida em que o olhar atento e retrospectivo tem permitido redescobrir os tesouros que encerra. E são valiosos, como síntese de um rico e variado percurso anterior, adivinhando-se o cuidado que o pianista pôs na construção, a partir da diversidade de estilos e modos de fazer, de um som personalizado.
As fontes de inspiração mais imediatamente reconhecíveis são Miles, Bill Evans e Ornette Coleman, ritmicamente melhorado com alusões afro-funk-groove. É neste último segmento que Dewey Redman foi pensado para fazer particular sentido, dada a sua estadia junto de Ornette. A Jarrett interessava explorar algumas das ideias harmónicas e melódicas do mestre de Fort Worth, Texas, e desafiar-se a si próprio e à nova equipa, expandindo a música em diferentes direcções. “Quando se tem dois homens do quarteto Ornette Coleman [Haden e Redman], onde nunca se ouviu um piano, e cujo líder é agora um pianista, it´s a very touchy situation”, disse Jarrett ao crítico e jornalista Michael Ullman. A reedição de “Fort Yawuh” acrescenta o tema Roads Travelled, Roads Veiled, a peça mais longa, com a duração de 20 minutos que, por falta de espaço, não fez parte da edição original. Keith Jarrett aparece a tocar saxofone soprano, passando o grupo, após intróito em piano solo e enunciação do tema, a dois sopros, contrabaixo e percussões de inspiração afro. Jarrett essencial.
No ano seguinte, em Outubro de 1974, o mesmo quarteto americano + 1 (que aqui passou a ter Guilherme Franco no lugar de Danny Johnson) viria a gravar “Death and the Flower” também para a Impulse!, disco de pendor mais abstraccionista, por comparação quer com “Fort Yawuh”, quer com os discos que Keith Jarrett vinha cunhando para a ECM com o quarteto europeu. Neste caso, no desenvolvimento de parte das ideias de “Fort Yawuh”, flautas e percussões afro-asiáticas conferem maior exotismo e espaços mais abertos, em que os aspectos ligados à meditação passam a ser tidos em conta, antecipando os contrastes marcantes com as futuras realizações de Keith Jarrett, sobretudo em trio. Pelo meio, tempo houve para Keith Jarrett dar largas ao interesse pelos grandes espaços de improvisação free a partir de breves linhas melódicas, sobretudo ao vivo, antes de regressar ao espaço concentracionário que, por comparação, passou a ser o Standards Trio que mantém activo até hoje, alive and kicking. “The magic number for improvisation”.
Ambos os discos surgem agora reedição conjunta e remasterizada, revista e aumentada, da britânica BGO Records, entidade especializada neste tipo de programas.