De entre os recentes lançamentos da editora portuguesa Clean Feed - um conjunto de edições de se lhe tirar o chapéu, valha a verdade - The Whimbler, do Gerry Hemingway Quartet, é sobejamente merecedor de toda a atenção que lhe puder ser dada. Concentradamente, de preferência, para melhor apreender a riqueza dos detalhes. Depois de ter tocado durante mais de uma dezena de anos no quarteto de Anthony Braxton, com Marilyn Crispell e Mark Dresser, é natural que para Gerry Hemingway este tipo de combo, em relação ao qual foi afinando um tipo de escrita versátil no aproveitamento da vasta gama de potencialidades expressivas do quadrilátero, constitua o veículo ideal para pôr em prática o seu ideário em matéria de composição e improvisação. Não admira, pois, que a mesma lógica de utilização racional de recursos tivesse já imperado no anterior Devils Paradise (CF010), oportunidade para Hemingway fazer alinhar o trombone de Ray Anderson, o sax tenor de Ellery Eskelin e o contrabaixo de Mark Dresser.
Mergulhando a fundo no som de Gerry Hemingway, Ellery Eskelin, Herb Robertson e Mark Hellias, há dois aspectos particularmente apelativos numa primeira audição, que se confirmam com as passagens subsequentes: a rara e especialíssima relação dos músicos entre si e com o espaço, e a forma como articuladamente engrenam em laboriosa produção de tempo. Em The Whimbler, uma profusão de pontos luminosos e cintilantes convivem com zonas recônditas em que predominam sombras de misteriosa envolvência, como projecções que se sucedem no cenário da nossa imaginação.
Há muito de telepático na forma como o quarteto articula o discurso colectivo com as intervenções individuais, sob a batuta de mestre Hemingway, cujas composições, cruzando diferentes estilos (free bop, funk, swing...), parecem ter sido escritas tendo em mente cada um dos participantes. A comparação com Devils paradise, uma vez mais, põe às claras esta intencionalidade, com reflexo imediato no modo como as quatro peças se encaixam umas nas outras à medida e interagem livremente como membros de um único e orgânico ser.
Não será exagerado dizer que o estado da arte da música improvisada moderna emergente do jazz desemboca aqui, a caminho de algo que se vai ciclicamente renovando pela mão de artistas da qualidade de Gerry Hemingway, Ellery Eskelin, Herb Robertson e Mark Hellias.
Seguramente, The Whimbler é uma das mais estimulantes edições do corrente ano e um dos melhores discos de sempre de Gerry Hemingway.
Gerry Hemingway Quartet - The Whimbler (Clean Feed, 2005)
Os dizeres da contracapa deixam adivinhar uma sessão ao vivo daquelas que o ouvinte fica com a pulga atrás da orelha imaginando a noitada que deve ter sido no Tonic, na noite de 7 de Abril de 2004. É que Kevin Norton, percussionista, vibrafonista e compositor, para o efeito, reuniu um quarteto all star, com o trompetista Dave Balou, companheiro habitual da pianista japonesa Satoko Fujii e do trompista Tom Varner; o saxofonista tenor originário de Tucson, Tony Malaby, e o contrabaixista John Lindberg, aluno de David Izenzon e de Dave Holland, membro fundador do String Trio of New York. Quatro magníficos artistas versados na arte de bem tocar em quaisquer contextos, do mais agressivo ao mais doce, do tradicional ao menos convencional. À imagem do líder e fundador, Kevin Norton, o Bauhaus Quartet privilegia a improvisação sobre sólidas estruturas pré-sugeridas, rampas de lançamento para o quarteto se alcandorar aos píncaros, assim valorizando substancialmente a escrita de Norton. É desta tensão dialética entre composição e improvisação que brota a energia e a imaginação criadora com que se esculpe Time-Space Modulator.
Malaby consegue aqui uma das suas melhores marcas de sempre. Basta ouvir o tema de abertura, Mother Tongue, para perceber que é ele o homem mais adiantado no terreno, seguido de perto por um Dave Balou empenhado em preencher espaços com pinceladas curtas e em trocar notas com Malaby num despique muito interessante de seguir.
O apoio à linha da frente beneficia da grande categoria técnica da dupla Norton-Lindberg, que cumpre os mais elevados padrões que se conhecem em matéria de interacção contrabaixo/bateria. É neles que reside o centro agitador da actividade criativa, e é a partir do impulso rítmico que se forma o contraponto saxofone tenor/trompete, e se desenha uma paisagem musical leve e desanuviada, despida de ornamentos. Bem ao estilo Bauhaus, que procura da melhor relação entre forma e função e entre forma e modo de produção. Este objectivo de simplificação perpassa por todas as 8 composições de Time-Space Modulator. Nelas, a criação abstracta é intencionalmente posta ao serviço da funcionalidade do quarteto, fazendo sobressair os aspectos pragmáticos da criação musical - o lado artesanal por excelência.
É seguindo este propósito que Kevin Norton, Dave Balou, Tony Malaby e John Lindberg, artesãos do instante musical, escolhem materiais, lançam as bases e, pedra sobre pedra, levantam as paredes de um belo e vistoso edifício de cor e som. Espantoso trabalho na sua concepção e execução.
Kevin Norton's Bauhaus Quartet - Time-Space Modulator (Barking Hoop, 2005)
A inspiração vão buscá-la a outros trios que deixaram marca assinalável no jazz inventivo a partir da década de 70 - Air, Art Ensemble of Chicago e The Revolutionary Ensemble. Entretanto, procuram novas formas de dar corpo à arte da improvisação enquanto ente colectivo apostado em construir a unidade a partir da diversidade. Falo de Vijay Iyer, Steve Lehman e Elliot Humberto Kavee, o trio Fieldwork. Em Setembro passado o trio gravou Simulated Progress para a PI Recordings. O disco será posto à venda a partir de 17 de Julho, embora já esteja disponível através da página da PI.
Hailed as one of today’s truly original and groundbreaking ensembles by publications as diverse as The Wire, Mojo, the San Francisco Chronicle, and the Village Voice, Fieldwork sets forth a dynamic, high-impact group sound that’s unlike anything you’ve ever heard. Simulated Progress, the band’s second release, brings together three of creative music’s most exciting young composer-performers – Vijay Iyer on piano, Steve Lehman on alto & sopranino saxophones, and Elliot Humberto Kavee on drums & percussion – who use the collaborative organizational model of a rock band to advance a unique vision of 21st century music.
Simulated Progress significantly ups the ante from the band’s 2002 debut Your Life Flashes, in no small part due to the additional compositional contributions of Kavee and new saxophonist Steve Lehman alongside those of Iyer, and the sonic expertise of noted hip-hop & rock producer Scott Harding (aka Scotty Hard). From the understated resolve of “Infogee Dub” to the visceral power of “Gaudi” and the stealth navigation of “Trips”, it becomes clear that this ensemble is on to something new, challenging, and immensely satisfying: a coherent, organic music that is miraculously ordered in some places, deceptively chaotic in others, and always masterfully arranged for this rare instrumentation.
Fieldwork offers an electrifying new model for improvised music, in which collective engagement with pre-composed rhythmic and formal materials takes priority over the traditional model of individual solos. The band employs an intensive rehearsal regimen that allows them to internalize these technically demanding musical materials, while at the same time collectively developing and refining a group aesthetic. To that end, each exhilarating track on Simulated Progress showcases the band’s spontaneous arrangements and transformations of highly specialized compositional source materials. Their music is informed by underground hip-hop, electronica, contemporary classical music, polyrhythmic ideas from African and South Asian music, and the American jazz tradition – but it avoids sounding like any of these musics; it just keeps sounding like Fieldwork. -
PI Recordings
David S. Ware em meados dos anos 90. A pujança telúrica do saxofonista tenor norte-americano em todo o seu esplendor. Matthew Shipp, William Parker e Whit Dickey fazem o resto. Earthquation (DIW).
Snips repõe em circulação o primeiro concerto solo de Steve Lacy nos EUA. Uma fórmula que o grande saxofonista soprano explorou intensamente nos intervalos das suas investigações sobre a obra de Thelonious Monk (algumas delas a solo), e dos vários grupos que formou no decurso dos anos 70. Antes, em 1971, Lacy gravara Lapis (Saravah), o seu primeiro disco de soprano solo, temporalmente muito próximo de For Alto de A. Braxton (1969). As gravações contidas em Snips datam de Março de 1976. Não há como o belo chilrear de mestre Lacy para abstrair das conversas sobre o défice. Superavit garantido. Steve Lacy - Snips (Jazz Magnet)
Disc 1: 1. Hooky / 2. The New York Duck / 3. The 4 Edges: Outline (Air) / 4. The 4 Edges: Underline (Fire) / 5. The 4 Edges: Coastline (Water) / 6. The 4 Edges: Deadline (Earth) / 7. Snips. Disc 2: 01. Pearl Street / 2. Tao: Existence / 3. Tao: The Way / 4. Tao: Bone / 5. Tao: Name / 6. Tao: The Breath / 7. Tao: Life On Its Way / 8. Revolutionary Suicide.
Wildflowers: The New York Loft Jazz Sessions Complete
É corrente ouvir-se dizer que o jazz americano dos anos 70 é para esquecer, que a fusion tomou conta das operações deixando pouco ou nenhum espaço para outras formas de expressão dentro do género, e outras meias verdades que são hoje lugar comum. Mas a história tem outras nuances mais complexas que esta linearidade simplista e falaciosa.
Por exemplo, em meados dos anos 70, particularmente em Nova Iorque, o jazz apresentava uma vitalidade pouco comum em décadas anteriores e posteriores. À míngua de contratos para tocar em locais públicos, salas de concertos, bares, etc, e de oportunidades de gravação, parte da comunidade musical nova-iorquina decidiu emigrar para a Europa em busca de melhores condições de vida e criação artística. Outra parte enveredou por actividades paralelas mais ou menos relacionadas com o jazz, como a leccionação e a participação em sessões de estúdio de artistas pop e soul. Outra ainda, resistiu, resolveu ficar e remar contra a maré. Beneficiando de uma baixa no mercado imobiliário nos subúrbios da Big Apple, estes músicos procuraram formas alternativas de mostrar a sua arte ao público, assim contornando a pouca receptividade de empresários e promotores de concertos para divulgar música considerada de diminuto valor comercial.
Foi neste ambiente que na Lower Manhattan surgiu o movimento que veio a ser designado por Loft Jazz, liderado por músicos como Sam Rivers, David Murray, os membros do Art Ensemble of Chicago e do World Saxophone Quartet, Cecil Taylor, e engrossado por dezenas de outros artistas cujo contributo para o esforço comum não deve ser menosprezado. Em matéria de espaços de actuação e de gravação, ficaram para história, entre outros, o estúdio de Sam Rivers, Rivbea (de Rivers e Beatrice), o Ali’s Alley, de Rashied Ali, e o Joe Ladies’ Fort, de Lee Wilson - autênticos laboratórios artísticos em que se reuniam músicos veteranos com as novas e emergentes gerações, mantendo intensa actividade, pese embora parte dos media ter entretanto decretado a morte do jazz.
Durante 10 dias do mês de Maio de 1976, no estúdio de Sam Rivers, localizado em Bond Street, teve lugar um festival cuja gravação deu origem à edição de 5 álbuns. Os Lp´s, produzidos por Alan Douglas, coligiram as várias horas de música tocada naquele espaço por uma impressionante equipa de músicos, alguns dos mais representativos daquele tempo, como Sam Rivers, David Murray, David S. Ware, Roscoe Mitchell, Anthony Braxton, Byard Lancaster, Oliver Lake, Jimmy Lyons, Julius Hemphill, Henry Threadgill, Fred Hopkins, Sunny Murray, Don Moye e Steve McCall.
Anos passados, os originais 5 Lp’s editados pela Douglas, foram reunidos numa caixa de 3 CD’s, sob o título Wildflowers: The New York Loft Jazz Sessions Complete (Knit Classics - KF, 2000), que cobre por completo a edição original e dão a conhecer ao público actual a música de uma época que quase caiu no esquecimento. Ao longo dos 22 temas reunidos no triplo CD, complementados por anotações relativas a cada tema e por um bem documentado ensaio do jornalista Howard Mandel, fica-se com uma mais que razoável panorâmica de como soava o jazz/improv daquele tempo em Nova Iorque. Um documento único e imprescindível, que, além da música, encapsula o ambiente que se vivia nela e à volta dela. Wildflowers: The New York Loft Jazz Sessions Complete (Knit Classics - KF, 2000)
Disc One: 1) Jays: Kalaparusha McIntyre- tenor saxophone; Chris White- bass & electric bass; Jumma Santos- drums; 2) New Times: Ken McIntyre- alto saxophone; Richard Harper- piano; Andrei Strobert- multiple percussion; Andy Vega- conga; 3) Over the Rainbow: Sunny Murray- drums; Byard Lancaster- alto saxophone; David Murray- tenor saxophone; Khan Jamal- vibes; Fred Hopkins- bass; 4) Rainbows: Sam Rivers- soprano saxophone; Jerome Hunter- bass; Jerry Griffin- drums; 5) USO Dance: Henry Threadgill- alto saxophone; Fred Hopkins- bass; Steve McCall- drums, percussion; 6) The Need to Smile: Harlod Smith- drums; Byard Lancaster- tenor saxophone; Art Bennett- soprano saxophone; Olu Dara- trumpet; Sonelius Smith- piano; Benny Wilson- bass; Don Moye- conga; 7) Naomi: Ken McIntyre- flute; Richard Harper- piano; Andy Vega- conga & percussion; Andrei Strobert- multiple percussion; 8) 73° Kelvin: Anthony Braxton- alto & contrabass saxophones, clarinet; George Lewis- trombone; Michael Jackson- guitar; Fred Hopkins- bass; Barry Alstchul- drums; Phillip Wilson- percussion; 9) And Then They Danced: Marion Brown- alto saxophone; Jack Gregg- bass; Jumma Santos- conga.
Disc Two: 1) Locomotif No. 6: Leo Smith- trumpet; Oliver Lake- alto saxophone; Anthony Davis- piano; Wes Brown- bass; Paul Maddox- drums; Stanley Crouch-drums; 2) Portrait of Frank Edward Weston: Randy Weston- piano; Alex Blake- bass; Azzedin Weston- conga; 3) Clarity 2: Michael Jackson- acoustic guitar; Oliver Lake- soprano saxophone & flute; Fred Hopkins- bass; Phillip Wilson- drums; 4) Black Robert: David Burrel- piano; Stafford James- bass; Harold White- drums; 5) Blue Phase: Ahmed Abdullah- trumpet; Charles Brackeen- tenor & soprano saxophones; Masujaa- guitar; Leroy Seals- electric bass; Rickie Evans- acoustic bass; Rashied Sinan- drums; 6) Short Short: Andrew Cyrille- drums; Ted Daniel- trumpet; David S. Ware- tenor saxophone; Lyle Atkinson- bass; 7) Tranquil Beauty: Hamiet Bluiett- clarinet & baritone saxophone; Olu Dara- trumpet; Butch Campell- guitar; Billy Pastterson-guitar; Juney Booth- bass; Charles Bobo Shaw- drums; Don Moye- drums; 8) Pensive: Julius Hemphill- alto saxophone; Abdul Wadud- cello; Bern Nix- guitar; Phillip Wilson- drums; Don Moye- percussion.
Disc Three: 1) Push Pull: Jimmy Lyons- alto saxophone; Karen Borca- bassoon; Hayes Burnett- bass; Henry Maxwell Letcher- drums; 2) Zaki: Oliver Lake: alto saxophone; Michael Jackson- electric guitar; Fred Hopkins- bass; Phillip Wilson- drums; 3) Shout Song: David Murray- tenor saxophone; Olu Dara- trumpet & flugelhorn; Fred Hopkins- bass; Stanley Crouch- drums; 4) Something’s Cookin’: Sunny Murray- drums; David Murray- tenor saxophone; Byard Lancaster- alto saxophone & flute; Khan Jamal- vibes; Fred Hopkins- bass; 5) Chant: Roscoe Mitchell- alto saxophone; Jerome Cooper- percussion, saw & drums; Don Moye- drums.
«Ó da Guarda»!
Supersilent na Guarda!
Pelo Teatro Municipal da cidade, entre 7 e 9 de Julho, passarão:
Vitor Joaquim e Lia
(7-7-2005, 21h30)
ZNGR Electro-Acoustic Ensemble
(8-7-2005, 21h30)
Supersilent
(9-7-2005, 21h30)
«Ó» - Colectivo de Improvisação da Guarda
(9-7-2005, 23h00)
Chicago Underground Trio, SLON
Rob Mazurek, corneta, computador; Chad Taylor, bateria; e Noel Kupersmith, contrabaixo e computador – o Chicago Underground Trio. Slon, saído em 2004, é um disco politicamente empenhado, nascido durante a «No War Tour», realizada na Europa em Abril de 2003, digressão que antecedeu a invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas. Não falta a dedicatória a “todas as pessoas que perderam as suas vidas às mãos do imperialismo dos EUA”. Agit-prop sob a forma de música instrumental.
Musicalmente, Slon inspira-se em duas grandes matrizes: o electro-jazz de Miles Davis e o free jazz tal como Ornette Coleman o definiu, com uns matizes de world ao melhor estilo de Don Cherry, e vestígios do espírito fundador da Association for the Advancement of Creative Musicians (AACM), de Chicago.
A originalidade de Slon está no equilíbrio que consegue entre aquelas influências, na qualidade das composições, arranjos e interacção entre os membros do trio. Assim se produziu um disco intenso e poderoso, em que as estruturas harmónicas e rítmicas do jazz se deixam envolver e expandir pela manta electrónica, criando um produto homogéneo, capaz de agradar a um público de bom e variado gosto, mais interessado na exploração experimental que na fidelidade aos cânones do jazz acústico.
Pessoalmente, Slon é o melhor Chicago Underground (duo, trio, quarteto e orquestra) que ouvi até à data; aquele em que a integração acústica e electrónica foi mais longe, o que melhor transcende as fronteiras entre géneros e mais consequentemente se liberta das convenções, em busca de novas formas de expressão para a música improvisada moderna. Preciosos 43’30’’.
Para o serão, duas propostas de free electronica publicadas há pouco tempo pela Live Reports, uma secção da netlabel ucraniana Nexsound, dirigida por Andrey Kiritchenko. O primeiro de dois concertos é uma improvised live jam da dupla de artistas do experimentalismo electrónico, Kotra & Kateryna Zavoloka na A&T Trade Shop, em Kiev, Ucrânia, a 19 de Fevereiro de 2005. O segundo, um pouco mais antigo, é um concerto daquele que é considerado um dos expoentes da nova música electrónica ucraniana, Andrey Kiritchenko, gravado no Ultrahang Festival de Budapeste, Hungria, em 27 de Setembro de 2003.
Aretha Franklin subiu ao cume mais alto com este álbum de 1968. Lady Soul e as meninas do coro, as Sweet Impressions. E toda a banda, com especial destaque para os naipes de cordas e de metais, que muito ajudaram a fazer deste disco uma obra-prima da soul music. Como não, com temas do quilate de Chain of Fools, People Get Ready, (You Make Me Feel Like) A Natural Woman, Ain't No Way, etc. The Queen... . Aretha Franklin: Lady Soul (Atlantic, 1968)
SonicScope 2005
free electronica e música experimental improvisada1-2 julho 05 - 21h30
1 de Julho, sexta-feira:
.Draftank + Vitor Joaquim
.Francisco Janes + Carlos Pereira
.David Maranha
2 de Julho, sábado:
.Allto
.Iodo
.Sei Miguel
Fonoteca Municipal de Lisboa
Praça Duque de Saldanha, Edifício Monumental, Lj. 17, LisboaEntrada livre
Depois de uma conversa com REP ontem ao encontro dos Wolf Eyes, hoje apeteceu-me revisitar aquela que descobri ser uma paixão comum: Jethro Tull. Hesitante, opto por Benefit (1970), o terceiro dos Tull e o meu primeiro, há bué. Em relação a This Was (1968) e a Stand Up (1969), nota-se que Ian Anderson ganhou autoridade vocal e segurança instrumental na confecção desta excelente mistura de blues, folk e rock progressivo, com uma pitada de jazz. 35 anos depois, Benefit ainda dá coices. Para muitos, este é o melhor Jethro Tull de sempre. Pode ser que sim.
With You There To Help Me (6:19) / Nothing To Say (5:14) Alive And Well And Living In (2:48) / Son (2:51) / For Michael Collins, Jeffrey And Me (3:51) / To Cry You A Song (6:15) / A Time For Everything? (2:44) / Inside (3:49) / Play In Time (3:49) / Sossity; You're A Woman (4:42)
In days of peace
sweet smelling summer nights
of wine and song;
dusty pavements burning feet...
(Abertura de With You There To Help Me)
Ian Anderson / Martin Barre / Glenn Cornick / Clive Bunker
WOLF EYES na ZdB
Tudo o que se tem dito e escrito sobre a música dos Wolf Eyes é de menos para caracterizar o concerto de sexta-feira à noite na ZdB, em Lisboa. A besta soltou-se e fez um estrago taludo. Sessão de free rock/power noise levado ao paroxismo, muito para lá dos limites conhecidos, sem que Nate Young, Aaron Dilloway e John Olson jamais tivessem perdido o domínio sobre a hipérbole sanguinária. No fundo, eles apenas apontam baterias e fazem zoom sobre a besta que há em nós, encarnando-a e mostrando-nos o reflexo. Músculo, sangue, presas, som brutal numa luta corpo a corpo de que se sai inexoravelmente exausto mas satisfeito. Apoteose de violência romântica por mor de uma devastadora experiência sensorial. A bela e o monstro são uma e a mesma entidade que grita as tripas todas cá para fora. Transcendemente.
Jack Kilby, nascido no Kansas em 1923, inventor dos circuitos integrados que levaram à criação dos microprocessadores, morreu esta semana aos 81 anos. Kilby, Prémio Nobel de Física em 2000, criou em 1958 o primeiro circuito integrado, em que todos os componentes constituíam uma só peça de material semicondutor de tamanho microscópico. A invenção de Kirby conduziu à criação de microprocessadores que actualmente fazem parte de quase todos os aparelhos digitais da comunicação moderna, designadamente computadores, e esteve na base da revolução informática.
Kirby disse ter tido consciência de que a sua invenção haveria de ser importante para a indústria electrónica, mas confessou não ter antecipado o real impacto que ela acabaria por ter no mundo actual. Poucas pessoas mudaram realmente a face do mundo em que vivemos. Kilby foi uma delas.
Dennis González Portuguese Trio na Trem Azul, sáb. 25, 19h30.
Dennis González / Zé Eduardo / Sónia "Little B" Cabrita
Confesso-me um admirador da obra a solo do saxofonista Evan Parker. O caminho não foi fácil. A princípio, como aconteceu com a música de tantos outros criadores, a estranheza foi total e a rejeição imediata só não aconteceu porque de há muito entranhei a singela lição de Anthony Braxton, segundo a qual também na música improvisada o grande desafio está em tomar o nosso mais recente limite, a última fronteira musical que conhecemos, e, a partir dela, tentar ir mais além. E assim sucessivamente. Por isso, a odisseia aparentemente inultrapassável que constituíram as primeiras horas de audição de saxofone soprano solo de Evan Parker, com ou sem a técnica (que nele é estética) da respiração circular - que consiste em soprar ininterruptamente durante o tempo que se quiser ou aguentar, continuando a respirar pelo nariz e expelindo o ar pelo bocal do instrumento, segundo a elementar regra de circulação entre vasos comunicantes - transformaram-se em momentos de extremo desafio, apenas vencidos graças à prática de exercício auditivo regular. Foi esse treino que me permitiu descobrir um mundo maravilhoso de infinitas possibilidades: a grande música improvisada do saxofonista britânico, baseada em motivos geométricos de elevada complexidade. Uma linguagem musical altamente personalizada que se estruturou em mais de 30 anos de actividade.
Vem isto a propósito de Conic Sections, disco gravado por Parker em Oxford (1989), editado naquele mesmo ano pela britânica AhUm. De entre os muitos solo que Evan Parker gravou, este é talvez um dos mais emblemáticos da modalidade.
A ler: o ensaio de Francesco Martinelli sobre a discografia de Evan Parker (1994).
Signal to Noise, n.º 38, Verão de 2005.Música improvisada, experimental, electroacústica, avant-jazz e avant-rock, principalmente.
Uma estreia empolgante! Este é de ir às lágrimas...
Cold Bleak Heat - It's Magnificent, But It Isn't War The debut from a subterranean assembly of today's most active: Connecticut's prevailing operator of the alto/ tenor saxophones, Paul Flaherty; the seemingly ten-handed/ footed drummer Chris Corsano (Sunburned Hand of the Man, Six Organs of Admittance), definitely today's leading light in pure spectrum propulsion; sound sculpting trumpeter Greg Kelley (nmperign, Heathen Shame), who opens into full-force gales during this session; and Earth-boom grounding acoustic bassist Matt Heyner (No Neck Blues Band, Test), whose tone/shape-shifting agility wrangles all these wild horses into one field. These four actioners embody a cosmic shuffle of unresolved parallel. Cold Bleak Heat is a wake up call to the evolving life of the avant garde. And on the inside Dredd Foole lays a verse-based telling of the CBH story as only he can.> Family Vineyard Records.
Thollem McDonas, Solo Piano
«Ler nas entrelinhas e tocar fora delas» - a divisa do pianista Thollem McDonas. Neste seu mais recente trabalho para a Pax Recordings, é aquele lema que dá o mote e a chave interpretativa para uma extasiante excursão de 47 minutos pelas ideias que resumem o pensamento musical do mestre pianista da Bay Area de S. Francisco.
Esta primeira incursão a solo de Thollem McDonas surge na sequência da sua participação em vários grupos, ambientes e contextos, entre os quais o excepcional duo com o baterista Rick Rivera, parceria que deu origem a dois excelentes discos, I'll Meet You Halfway Out In The Middle Of It All e Everything's Going Everywhere, de recente edição. Nesta medida, a arte de Thollem abarca vários géneros e estilos sem se ater a nenhum em particular. Fortemente influenciado pela tradição do piano clássico dos últimos 50 anos, o pianista trabalha meticulosamente nas profundezas do património comum à composição e à improvisação, que faz emergir e elevar a alturas pouco comuns de se ouvir. Não que o compositor/improvisador pretenda exibir um qualquer estulto tecnicismo maneirista ou o malabarismo de fazer o pleno da variedade estilística.
O resultado a que se chega é a consequência natural de Thollem ser intrinsecamente um pianista ecléctico no gosto e no modo de dizer, no que é facilitado por possuir uma técnica inventiva altamente elaborada, ferramenta que lhe permite conferir à música uma extraordinária flexibilidade e variabilidade dinâmica. Ler nas entrelinhas e tocar fora delas... .
O disco, gravado entre as 11h00 e as 19h30 de 18 de Março de 2005 (sic), inclui 13 peças originais de aparência ora dura e vibrante, ora frágil e delicada nos seus contornos. Piano Solo é uma viagem musical em que se desfiam as experiências vividas pelo artista ao longo dos últimos 15 anos de actividade e que são simultaneamente um balanço e o delinear de coordenadas para o futuro. Tal como nos anteriores álbuns com Rick Rivera, os temas de Solo Piano privilegiam uma comunicação directa e imediata com o ouvinte, convidando-o a um relacionamento seguramente perdurável no tempo.
Atenção! É já amanhã, sexta 24 de Junho, que os WOLF EYES actuam em Lisboa, na ZdB!
Para saber mais sobre este camartélico trio:
«O papel que os Wolf Eyes terão a longo prazo na história é obviamente especulativo. Contudo, será difícil encontrar um punhado de artistas ou bandas nesta primeira década de milénio que possam vir a ter o mesmo peso deste trio. Pela simples razão de terem lançado um álbum pela Sub Pop (o fabuloso «Burned Mind», de 2004) depois de anos a editar edições limitadas em cassetes, CD-R’s, picture discs e LPs (com uns CDs pelo meio), a difusão alcançada por este lançamento, pode fazer muita cabeça insuspeita abrir completamente ao meio.
Não será um momento como o que a banda de Kurt Cobain viveu, ou mesmo os próprios Mudhoney quando «Superfuzz Big Muff» saiu (aliás, as vendas até agora são relativamente modestas), mas pelo simples facto de centenas ou milhares pelo mundo fora poderem reconsiderar questões tão básicas como a validade do ruído ou os limites do que é propriamente música parece salutar. Não deixa de ser curioso ver a Rolling Stone ou a Spin fazerem curto-circuito a tentar alinhar esta banda. Enquanto isso a Wire põe-os na capa de uma edição e Anthony Braxton, algures na Suécia num festival cujo cartaz partilhava com a banda, comprava todo o «merchandise» Wolf Eyes de que a banca dispunha.
Os Wolf Eyes são Aaron Dilloway, John Olson e Nate Young, três carismáticos cidadãos do estado de Michigan. Filhos da cena de Ann Arbor dos Couch de Marlon Magas (uma continuação raramente contada do no-wave) de meados dos anos 90 ou Universal Indians, bem como do festival de aberrações, ridículo e sujidade das várias encarnações dos Caroliner, os Wolf Eyes conseguiram edificar um universo único e riquíssimo, tanto em meios empregues quanto em resultados.
Os seus sons saem de uma parafernália de instrumentos sem par. Ao vivo, podemos vê-los com um tubo de aspiração de saliva «micado», um gongo amplificado, um maço medieval, uma guitarra com aspecto extra-terrestre e toda uma panóplia de caixas de ruído e pedais «homemade», em pilhas impressionantes. O som é puramente analógico, bafiento, assombrado; a música é pesadelos, filmes de terror levados a sério, sangue, medo, pavor. Ou como se o terror tivesse uma batida que desse para «headbanging».
Predecessores – até certo ponto, dada a idiossincrasia do projecto - podem ser encontrados nas ruminações mais oblíquas dos Butthole Surfers, nos britânicos Whitehouse, no ruído mitra do histórico Dylan Nyoukis (em nome próprio mas particularmente na sua obra enquanto Prick Decay), ou ainda nos míticos Smegma, anciões misteriosos do som puro, causadores de estranhezas multiplicas de há três décadas para cá (um par de colaborações entre o projecto e os Wolf Eyes saíram nos últimos dois anos).
O efeito surte há já algum tempo. Desde o início dos Wolf Eyes que a banda adensou ao impacto de um noise complexo, rico, real, vivo e humano. Veja-se o grau mítico a que o nova-iorquino No Fun Fest chegou (a banda foi cabeça de cartaz no primeiro ano), ou a quantidade de editoras de ruído analógico que surgiram em tempos recentes. Ao lado dos Hair Police, Double Leopards, Prurient, Sightings, Dead Machines ou To Live And Shave In L.A., são os pais e os porta-estandartes de um exército de miúdos disseminados pelos Estados Unidos, a encontrarem o seu próprio ruído e a compreenderem que som é música + infinito, enquanto tentam encontrar expressões físicas sónicas para a confusão que os corrói.
Estreia absoluta em Portugal de uma das bandas mais revolucionárias do presente milénio». - ZdB
Louis Armstrong (na foto, prova de contacto anotada pelo punho de Gottlieb), Duke Ellington, Charlie Parker, Billie Holiday, Dizzy Gillespie, Earl Hines, Thelonious Monk, Stan Kenton, Ray McKinley, Benny Goodman, Coleman Hawkins, Ella Fitzgerald, Benny Carter... . The Golden Age of Jazz.
Sun Ra. Uma visita à página de Suso Navarrete, um dos maiores expertos na Matéria: O que se costuma chamar labour of love. Amor à arte de Sun Ra.
Saludos, Suso!
Cosmic Equation
Then another tomorrow
They never told me of
Came with the abruptness of a fiery dawn
And spoke of Cosmic Equations:
The equations of sight-similarity
The equations of sound-similarity
Subtle Living Equations
Clear only to those
Who wish to be attuned
To the vibrations of the Outer Cosmic Worlds.
Subtle living equations
of the outer-realms
Dear only to those
Who fervently wish the greater life.
Nova Iorque, 1969. Para trás tinha ficado a banda de Herbie Mann, e a Sonny Sharrock (1940-1994) há muito que apetecia algo mais sanguíneo, que musicalmente acompanhasse as ondas de calor que brotavam do vulcão político da América daquele tempo. Faltava só convencer o pianista Dave Burrell, o contrabaixista Sirone e o percussionista Milford Graves, porque a Linda Sharrock já fugia o pézinho para aqueles lados. No disco entraram também Ted Daniel, trompete, Richard Pierce, contrabaixo e Gary Sharrock, sinos. Black Woman e Portrait Of Linda In Three Colors, All Black, de entre todos, são os temas mais obviamente inspirados na cantora, mulher de Sonny. O álbum é hoje um clássico e um dos melhores de sempre do grande guitarrista free que foi Sonny Sharrock. Talento imenso que se pode confirmar através da audição dos projectos de fusão em que participou a partir de meados dos anos 80, com Bill Laswell - Last Exit e Material. Edição original da Vortex/Atlantic. Sonny Sharrock - Black Woman
Louis Moholo, percussionista sul-africano, gravou Bush Fire em 1995 com os britânicos saxofonista Evan Parker e contrabaixista Barry Guy (canal direito), e com Pule Pheto e Gibo Pheto, dois jovens sul-africanos pouco vistos nestas andanças, respectivamente em piano e contrabaixo (canal esquerdo).
Free jazz politicamente empenhado, que mistura um leve aroma sul-africano, muito ténue, com o lado mais energético do jazz vanguardista europeu tocado por um quinteto de alta qualidade. Grupo formado a partir de um concerto em trio de Parker e Moholo, representantes das duas grandes áreas da música improvisada britânica (jazz e improv), com o pianista Pule Pheto, na sequência do qual, surgida a oportunidade de gravar, o trio pensou em alargar‑se a quinteto com a adição dos dois contrabaixistas. O resultado vale bem a pena ser ouvido vezes sem conta.
Louis Moholo/Evan Parker/Pule Pheto/Gibo Pheto/ Barry Guy Quintet - Bush Fire (Ogun)
Nos discos da Hiena, sai para a semana um novo solo de James Blood Ulmer, Birthright, que se segue a No Escape From The Blues. «Thick as molasses, aromatic as cigar smoke, Ulmer’s voice has an eerie beauty» - Mojo. São 14 blues a doer: Take My Music Back To The Church / I Can’t Take It No More / Where Did All The Girls Come From? / I Ain’t Superstious / White Man’s Jail / High Yellow / The Evil One / Geechee Joe / Love Dance Rag / Sittin’ On Top of the World / My Most Favorite Thing / Devil’s Got To Burn.
James Blood Ulmer - Birthright (Hyena Records).
DIA 25 DE JUNHO, 19h30 NA TREM AZUL JAZZ STORE
CONCERTO
DENNIS GONZÁLEZ PORTUGUESE TRIO
DENNIS GONZÁLEZ / ZÉ EDUARDO / SONIA "LITTLE B" CABRITA(10% DE DESCONTO NOS DISCOS - NOVO STOCK DE VINlL)
Intuition. Lennie Tristano cunhou esta preciosidade para a Capitol já lá vão 56 anos. Ficou para história como o pontapé de saída para a criação do som cool no jazz. Com Tristano, em sexteto, actua parte da sua escola: Lee Konitz, Billy Bauer, Warne Marsh. E também o contrabaixista Arnold Fishkin, que alterna com os bateristas Harold Granowsky e Denzil Best. Graças à reedição espanhola, voltamos a poder ouvir Intuition, Digression, Crosscurrent, Marionette e outras peças do acervo Tristano e da sua leitura muito particular do bop, com as características complexidade rítmica e muito trabalho harmónico. Intuition e Digression, os temas que fecham o disco são dois bons exemplos do pioneirismo de Lennie Tristano ao nível da improvisação liberta dos acordes, corolário das suas experiências anteriores com Konitz e Marsh. É quase incrível que Tristano e companhia fizessem algo assim em 1949.
A primeira parte do disco é preenchida com o álbum de Warne Marsh, Jazz Of Two Cities, de 1956, uma raridade até há pouco só acessível a coleccionadores obstinados. À frente do combo pelejam os tenores Warne Marsh e Ted Brown, secundados pelo pianista Ronnie Ball, uma velha glória daqueles tempos em que, na Costa Oeste dos EUA, se trilhava a modernidade do jazz. Cool, mas não gelado.
A recente edição espanhola de Intuition (Capitol/Time Life) tem a mesma capa que a original, embora tingida de azul.
A Newsletter de Junho.
Algumas das peças de Japanstoryboardformulaoneracing, projecto na área da música electrónica do artista francês Con7, parecem mais esboços para memória futura que trabalhos rematados. Apesar de, a espaços, parecer enveredar por caminhos muito batidos desde meados dos anos 90, sobretudo nos aspectos formais decorrentes do uso minimalista da lo-fi electronica, o som apresenta no entanto um surpreendente ar de modernidade, projectando-se no futuro. Num género compósito de synth-pop, click'n'cuts, ambient, noise, minimal electronica, experimental computer music, techno e o mais que se consiga identificar ou aparentar, em que abundam propostas de contornos mais trabalhados, não será porventura dos projectos mais arriscados nos seus propósitos, mas também não se pode dizer que desmereça um ouvido atento, curioso e descomprometido. Sobretudo, vale o esforço de regressar a cada nova passagem, porque a dado momento surge a grata impressão de se estarem a ouvir sons que se haviam esfumado da vez anterior. Pontos decisivamente a favor serão a forte sugestão visual, com algumas notas de florescência na cor, o despojamento formal e substancial, e a coerente articulação dos milhares de sons servidos por Con7 em Japanstoryboardformulaoneracing. Con7 - Japanstoryboardformulaoneracing (tube'017)
Quem tenha um interesse sério no free jazz, historicamente considerado e nas várias formas por ele assumidas na actualidade, não deve perder o que o programa Jazz on 3 da BBC Radio 3 emite em webcast a partir de hoje à noite e durante toda a semana. O que se anuncia é deveras interessante e passa por assistir via áudio ao resultado da presença em Londres, mais de 30 anos passados sobre a última vez, do saxofonista afro-dinamarquês John Tchicai, convenientemente conduzido aos estúdios da BBC por Jez Nelson, que promoverá o encontro histórico entre John Tchicai e Evan Parker, um dos lideres do free jazz/improv britânico, aqui investido nas funções de entrevistador. Parker entrevista Tchicai? Parece que sim. Vai ser essa uma das partes do Jazz on 3 desta noite e das outras que se seguirem, até à próxima sexta-feira. Entremeando a conversa, poder-se-ão ouvir temas gravados pelo entrevistador e pelo entrevistado, quando juntos tocaram em Maio último, em Londres.
A coisa promete e é suficientemente motivadora para deixar um jazzómano de orelha coladinha à telefonia. Ou por outra, às colunas do PC.
Originalmente editada pela ora extinta Auvidis Montaigne, eis reeditada a importante obra de Iannis Xenakis (1922-2001) La Legende d'Eer, composição electroacústica escrita entre 1977 e 1978, a partir de sons instrumentais, noise e electrónica. A obra foi propositadamente composta para ser executada na inauguração do Centro Georges Pompidou, em Paris, dentro de uma estrutura arquitectónica (Le Diatope) desenhada pelo próprio Iannis Xenakis, com luzes lazer e outros efeitos visuais. A versão agora publicada pela Mode Records foi preparada por Gerard Pape, director do estúdio CCMIX de Xenakis em Paris. Consta que a master original analógica foi transferida sob orientação de Pape para formato digital de alta resolução a 96khz/24-bits, com o objectivo de revelar os detalhes que, segundo a produção, haviam ficado escondidos na anterior edição em CD (1998).
Sobre La Legende d'Eer escreveu Richard Scott na WIRE: "It is difficult to think of another contemporary composition which carries the sheer force of 'The Legend of Eer.' It is a gigantic, awesome, staggering piece; certainly I haven't heard anything to touch it with electronic music's short, if dense, history". Iannis Xenakis - Electronic Works 1: La Legende d'Eer (Mode Records)
Cada gravação de Whit Dickey tem dado a conhecer ao público um novo conceito de ente colectivo que ciclicamente se refunda e reorganiza em termos de se poder apresentar como tal. Desde Transonic (1998), o primeiro álbum de Dickey como líder, que assim tem sido. Repetiu-se em Big Top e Coalescence, e agora volta a ser verdade com In a Heartbeat. Não se trata de magia; é trabalho, investimento e organização. É nesta estratégia que assenta a manufactura de In a Heartbeat. Processo global que exige dos membros do quinteto mais que simples cumplicidade e orientação convergente: a criação musical sinergética, na qual, por definição, o produto final é superior à soma das partes que o compõem.
Neste caso, as partes são, além de Whit Dickey que, à excepção do tema de abertura, de Carla Bley, assina a totalidade das composições e assegura as componentes propulsiva e cromática da percussão, Rob Brown, saxofone alto; Roy Campbell, trompete; Joe Morris, guitarra; e Chris Lightcap, contrabaixo.
Os quatro são companheiros habituais de Dickey na cena jazz/improv de Nova Iorque, músicos que mantêm entre si uma relação marcada não por valores de hierarquia, mas por um certo igualitarismo, em que cada voz, na sua individualidade e diversidade próprias, assegura o tempo e o espaço necessário à expressão individual e à contribuição para o som colectivo.
A composição musical de Whit Dickey, ainda que a sua função seja a de fornecer enquadramento para a actividade do quinteto, baseia-se em profundos conhecimentos técnicos, capacidade de interacção e interdependência, condições essenciais ao seu processo evolutivo. Tais pontos de partida, que colocam ao mesmo nível a composição escrita de base, e a que resulta da improvisação instantânea, validam o processo criativo, conferem um forte sentido de originalidade e estabelecem sinais distintivos de pertença a um estádio superior de desenvolvimento da música improvisada moderna.
Composição a composição, todo o trabalho está dividido em séries de actividades ou processos. Cada processo está ligado a outro processo e o resultado de um constitui o material de trabalho de outro, todos relacionados entre si pela solidez dos arranjos, sem que qualquer deles seja indissociável ou viva independentemente do viver de todos juntos.
Whit Dickey, mestre baterista, possui um som característico em que são evidentes a mistura homogénea entre força e sensibilidade e a fluidez do tempo, intensidade emocional e rigor formal, textura e volume, variedade de andamentos, características que assimilou em profundidade durante o período em que integrou o quarteto de David S. Ware, de onde partiu para pôr em prática o objectivo de dar sentido à necessidade de compor e dirigir, a partir de dentro, as suas próprias composições.
Rob Brown tem com Dickey uma das melhores e mais profícuas relações musicais. Traduzida na prática, Rob Brown é responsável pela faísca que acende o rastilho do animado discurso colectivo, hábil no encadeamento lógico das diferentes linhas musicais geradas pelas investidas entre luz e sombra da trompete de Roy Campbell, da guitarra pontilhística de Joe Morris, e da fluidez do contrabaixo de Chris Lightcap. Mestres da gestão do tempo e do espaço que lhes é concedido e daquele que conquistam em benefício do esforço comum, diverso na multiplicidade de padrões rítmicos e fraseados melódicos, qualidades que os fazem sobressair individualmente num mar de executantes dos mesmos instrumentos.
Neste quadro, a música do Whit Dickey Quartet é muito mais que a reprodução ou actualização das formas e definidas há sete anos atrás, aquando da publicação de Transonic. O que se ouve em In a Heartbeat resulta, afinal, da discussão interna e do amadurecimento colectivo à luz da experiência individual, que inclui um olhar consciente sobre os caminhos do jazz actual.
A vontade e o entusiasmo de tocar e de partilhar a música com o ouvinte, determina os superiores níveis de criação artística patentes em In a Heartbeat. Garante retornos apreciáveis, consequência da maturidade artística e da ambição criativa, verdadeiros motores do progresso estético.
THE COMPLETE BLUE NOTE SAM RIVERS SESSIONS
Entre 1964 e 1967, o melhor de Sam Rivers. Inclui os originais Fuschia Swing Song (Jaki Byard, Ron Carter e Tony Williams), Contours (Herbie Hancock, Freddie Hubbard, Carter e Joe Chambers), A New Conception (Hal Galper, Herbie Lewis e Steve Ellington), Involution e Dimensions & Extensions (Donald Byrd, James Spaulding, Cecil McBee e Julian Priester). Mosaic Records.