Confesso-me um admirador da obra a solo do saxofonista Evan Parker. O caminho não foi fácil. A princípio, como aconteceu com a música de tantos outros criadores, a estranheza foi total e a rejeição imediata só não aconteceu porque de há muito entranhei a singela lição de Anthony Braxton, segundo a qual também na música improvisada o grande desafio está em tomar o nosso mais recente limite, a última fronteira musical que conhecemos, e, a partir dela, tentar ir mais além. E assim sucessivamente. Por isso, a odisseia aparentemente inultrapassável que constituíram as primeiras horas de audição de saxofone soprano solo de Evan Parker, com ou sem a técnica (que nele é estética) da respiração circular - que consiste em soprar ininterruptamente durante o tempo que se quiser ou aguentar, continuando a respirar pelo nariz e expelindo o ar pelo bocal do instrumento, segundo a elementar regra de circulação entre vasos comunicantes - transformaram-se em momentos de extremo desafio, apenas vencidos graças à prática de exercício auditivo regular. Foi esse treino que me permitiu descobrir um mundo maravilhoso de infinitas possibilidades: a grande música improvisada do saxofonista britânico, baseada em motivos geométricos de elevada complexidade. Uma linguagem musical altamente personalizada que se estruturou em mais de 30 anos de actividade.
Vem isto a propósito de Conic Sections, disco gravado por Parker em Oxford (1989), editado naquele mesmo ano pela britânica AhUm. De entre os muitos solo que Evan Parker gravou, este é talvez um dos mais emblemáticos da modalidade.
A ler: o ensaio de Francesco Martinelli sobre a discografia de Evan Parker (1994).