Nova incursão vandermarkiana pelos domínios da Territory Band, New Horse for the White House (Okka Disk), quinto volume desde 2001, à razão de um por ano. Alinham os indefectíveis do costume, mistura de músicos norte-americanos e europeus, que passam um tempo considerável a voar de um lado para o outro. Daí o título do primeiro volume, Transatlantic Bride. A ideia original tem vindo a der debatida e aprofundada segundo a lógica e o conceito próprios das territory bands do antigamente. Historicamente, as territory bands surgiram com os primórdios do jazz, umas mais afamadas que outras, que faziam da pertença a um determinado espaço físico e territorial uma via privilegiada para aprofundar o trabalho colectivo, sedimentar processos criativos e competir entre si pela atenção do público, enquanto saltitavam de cidade em cidade, confinadas a uma determinada região. Em muitos casos, na América profunda, eram a única forma de as populações locais poderem ouvir e dançar ao som de orquestras, num tempo em que nem a rádio nem os discos estavam popularizados.
Ken Vandermark, amado por uns, odiado por outros, e simplesmente admirado por outros ainda, como eu próprio, nesta matéria conseguiu fazer aquilo que muitos outros músicos gostariam de pode fazer um dia, se para tanto tivessem engenho, arte… e dinheiro. Sendo destes três ingredientes que se trata, assumindo que os dois primeiros lhe sobram de largo como tem demonstrado à saciedade (quem duvidar burro, ignorante ou invejoso será), deu-se o caso de em 2001 lhe ter caído aos pés um saco de notas de mil dólares, justificado pela bolsa com que a McArthur Foundation o resolveu obsequiar (este ano, coube a John Zorn e a Regina Carter). Toma lá uma pipa de massa! Uns teriam comprado um barco à vela, outros um descapotável para andar de cabelos ao vento, eu não sei o que faria. Ele, entre outros projectos que o dinhiro deu para pôr em movimento (a gente esquece-se, por vezes, que há que pagar aos músicos, despesas com estúdios, hotéis, aviões, álcool e alimentação – tudo isso custa muito dinheiro), Vandermark criou de raiz a sua Territory Band. A TB é grupo alargado de músicos euro-americanos com que procura pôr em prática as suas ideias sobre composição e orquestração, numa base de regular continuidade, seguindo estratégias comuns a Barry Guy (New Orchestra), Peter Brötzmann (Tentet) e Misha Magelberg (Instant Composers Pool). Neste sentido, a formação tem variado pouco desde as primícias. No caso vertente, tendo Jeb Bishop entrado em licença sabática, o lugar do trombone está entregue ao alemão Johannes Bauer. Podia ter sido eu, mas compreendo e aceito a opção do líder. Da Europa reincidem Axel Dörner, trompete, Per-Ake Holmlander, tuba, Lasse Marhaug, electrónica, No piano, Jim Baker, de Chicago. Nas cordas, Kent Kessler, contrabaixo, e Fred Lonberg-Holm, violoncelo. Na bateria de sopros, a triangulação mágica de Fredrik Ljungkvist, saxofone tenor e clarinete, Dave Rempis, saxofones alto e tenor, e Ken Vandermark (saxofone barítono e clarinetes). A alimentar a máquina, os fogueiros Paul Lytton e Paul Nilssen-Love, duas gerações de percussionistas europeus que só visto.
Do triplo CD (até agora só nos tinham sido oferecidos discos simples e duplos), os dois primeiros foram gravados e misturados por Bob Weston em Osnabrück (2005), Alemanha. O terceiro reproduz um concerto da Territory Band na edição de 2005 festival de Donaueschingen, Alemanha.
Esta quinta edição representa um olhar profundo sobre os fundamentos e os parâmetros que estão na essência daquilo a que se chama Jazz. A tensão e aproximação dialéctica entre composição e improvisação. E entre a tradição e a reacção contrária a essa tradição. A pré-fabricação e a criação espontânea. O peso equivalente entre as diferentes categorias, todas relevantes na afirmação do discurso. A narrativa que se constrói sobre esses fundamentos, a mesma que permite passar de um ponto a outro e seguir para o seguinte, mantendo o nível comunicacional entre músicos (entre si) e ouvintes. O discurso personalizado posto ao serviço da procura de algo de interessante para dizer, se não o “novo”, pelo menos o inesperado. O que se diz é tão importante como a maneira como se diz. A consequente fuga para a frente. O tempo, nas suas dimensões espacial e temporal. O progresso reside na forma como a improvisação ilumina a composição, acrescentada de elementos não previamente determinados. Só ela faz evoluir o jazz, enquanto sistema de organização sonora. Ouvir é tentar compreender o ponto de vista de Ken Vandermark. Um artista que continua a problematizar a sua música, na procura de respostas para algumas das questões que são hoje centrais no debate sobre o jazz e a música improvisada. (foto supra © Seth Tisue)