Fui há dias assistir ao concerto do percussionista (e também guitarrista) português, José Oliveira, na Jazz Store da Trem Azul, programa incluído na série de apresentações ao vivo que a casa de discos de jazz de Lisboa tem vindo a desenvolver com feliz regularidade. Num contexto arriscado de percussão solo, seria à partida um aliciante ver como Oliveira – que conheço de algumas actuações ao vivo e dos discos da Creative Sources, sobretudo na companhia de Ernesto Rodrigues e de outros nomes importantes da nova música improvisada portuguesa – se sairia no acto de dialogar consigo mesmo, e com o público. De presenciar o modo como o artista iria servir esse mistério que é a criação musical espontânea no instante. José Oliveira dispôs um kit de percussão composto pelas peças da bateria convencional, acrescido de um sortido de pequenos pratos, fixos e móveis, discos de metal, artefactos de maderia, sinos, arco, e toda uma variedade de alfaias mais ou menos atípicas do arsenal, ainda que parco em extensão e quantidade, de um livre-improvisador da moderna percussão.
Posto em acção, Oliveira impressionou-me favoravelmente pela capacidade de invenção e reacção sonora aos estímulos que lhe eram auto-dirigidos. O som gerado num dado momento impulsionava a marca seguinte, compondo instantaneamente uma imagem sonora em que predominou o bom gosto e a capacidade de síntese. A madeira e o metal, esculpidos e impressionados às mãos de José Oliveira, ganharam texturas e formas polifacetadas interessantes, miniaturas que se encaixaram no grande plano, enquadradas por um discurso suave e subtil, sem espavento nem tiques de imitação, embora fossem notórios alguns traços análogos aos que se podem encontrar nos britânicos percussionistas Eddie Prévost e Paul Lytton, ou no alemão Paul Lovens, por exemplo.
Alguma desatenção pontual num ou noutro ponto do desenvolvimento narrativo (estaria José Oliveira demasiado tenso?) – há males que vêm por bem, porque esses aspectos serviram para estabelecer um interessante contraste entre inquietação e serenidade –, não foram de molde a macular uma actuação sóbria e concentrada, focada na criação sonora e na apurada gestão do silêncio e da deflagração. Oliveira tem ideias e sabe expô-las.
Tanto quanto percebi, este terá sido o último concerto a solo de José Oliveira, o que lamento, pelas razões que ficam ditas e por mais estas: a sua capacidade de gestão do instante, de organização do espaço sonoro e de criar relações de intimidade com o público, mereceriam mais lastro e tempo necessário ao processo de reformulação.
José Oliveira toca sábado na ZdB, integrado na Variable Geometry Orquestra, formação alargada, dirigida por Ernesto Rodrigues.