Miguel Zenón Quartet no Seixal Jazz
Na penúltima noite do Seixal Jazz/2005, actuou o quarteto de Miguel Zenón, saxofonista e compositor de origem porto-riquenha, creditado como antigo membro do SF Jazz Collective, da Liberation Music Orchestra, de Charlie Haden, e da Mingus Big Band, entre outras relevantes colaborações.
Miguel Zenón trouxe ao Seixal um jazz de sabor latino, de tonalidades quentes, cristalino como as águas do Caribe. Música que rompe fronteiras, contaminando o jazz com cores e ritmos daquelas latitudes. Trata-se afinal de outro tipo de fusion, que amplia o receituário já conhecido do jazz latino em versão afro-caribenha, que cruza a música das ruas de Puerto Rico com o mais refinado academismo de Berkeley.
Assim que soaram as primeiras notas do solo de saxofone alto com que Zenón introduziu o primeiro tema, deu para perceber estar-se perante um saxofonista cheio de soul, vibrante e extrovertido a cada nota. Com um som próximo do de Greg Osby ou de Rudresh Mahanthappa, tem em comum com eles a mesma articulação, velocidade e riqueza tímbrica. A estas características acresce a originalidade das composições do saxofonista, enriquecidas pelo swing sem mácula, espantosa musicalidade e polirritmia do quarteto, rodado até não faltar ponta por trabalhar.
Numa leitura apressada ou distraída, a música do Miguel Zenón Quartet pode ter parecido superficial. Porém, por debaixo da primeira e mais brilhante camada de verniz acetinado, à medida em que se foi desenvolvendo, revelou um tesouro poliédrico em toda a sua extensão e profundidade.
Zenón foi superior na execução de baladas, onde se reconheceram traços do Charlie Parker de Lover Man, por exemplo, presentes no domínio absoluto sobre a complexidade rítmica e harmónica. Isto, sem contudo cair na rotina ou no show-off gratuito, riscos que o quarteto soube prudentemente evitar, mesmo que por vezes se acercasse do limite, muito perto do abismo. O cuidado posto nos acabamentos em nada prejudicou a fluidez do corpo colectivo, impulsionado pela melhor secção rítmica que passou pelo Seixal Jazz, com Luis Perdomo (piano), Hans Glawischnig (contrabaixo), e Henry Cole (bateria).
Outro aspecto interessante foi perceber a forma inteligente como os músicos conseguiram tornear obstáculos, por vezes a alta velocidade, pisando o risco sem passar para o lado do etnicamente correcto, afirmando a inscrição da sua música na corrente principal do jazz, temperada pelo bem doseado acento latino.
Por tudo isto, foi gratificante ouvir Miguel Zenón e a sua música de delicada sensibilidade, que mais não visa que servir finalidades de emoção e diversão do público.
Miguel Zénon Quartet - Auditório Municipal do Fórum Cultural do Seixal, 28.10.2005 - 21h30