As composições cosmo-espaciais de Sun Ra de volta à terra, na Knitting factory, em Nova Iorque! Em 1995, o contrabaixista Reuben Radding formou um grupo com Tim Otto, saxofone tenor; Anthony Coleman, órgão; Briggan Krauss, saxofone alto; e Ed Ware, bateria – a fina flor da Downtown de NYC – que tomou a forma de uma cover band chamada Myth-Science, para interpretar no bar da Knitting Factory, na Leonard St., um conjunto de temas de sua cosmo-majestade, Sun Ra. Desses, foram escolhidos 7 para integrar o disco a que deram o título de Love in Outer Space (Knitting Factory, 1995). O resultado é magnífico: groove raiano, impregnado de blues e swing até à medula, em 70 minutos de felicidade completa e ininterrupta.
Reuben Radding pergunta-se na notas porque será que as composições de Sun Ra não são tão tocadas como as de Monk, Ellington ou Mingus. Pergunta muito pertinente, para a qual também não encontro explicação racional. Tal como as daqueles grandes mestres, também as composições de Sun Ra são imediatamente identificáveis e inesquecíveis, não deixando margem para dúvidas. Mesmo quando se trata de improvisações livres, sem qualquer vestígio de escrita antecipada, a marca de Ra é de tal forma indelével e inconfundível que, anos passados, a experiência permanece na memória do sujeito, como um ra-io que trespassa o cérebro. Se por ventura tal não aconteceu com alguém, é porque provavelmente o sujeito em causa não teria cérebro onde pudessem ser impressas as imagens musicais e visuais sugeridas por esta música maravilhosa. Jamais um ra-problema.
Quem não assobia de vez em quando Discipline (Children Of The Sun), ou Love In Outer Space, ou ainda esse monumental hit do soul-jazz-funk, que é Space Fling? Há mistérios destes por explicar, ou não fora Sun Ra ele próprio um personagem de mistério...
Década a década, foi este sumariamente o percurso daquele que também se chamou Herman Blount: no início dos anos 50, em Chicago, quando formou a Arkestra, tocava bop futurista, onde já se descortinavam elementos de experimentação, o uso dos primeiros teclados eléctricos e improvisação fora dos acordes dos temas. Na década seguinte, estabelecido em Nova Iorque, Ra foi largando o bop, privilegiando outros estilos de composição, harmonicamente mais abertos e ritmicamente luxuriantes. Na década de 70, a residir em Filadélfia, aprofunda a estética da improvisação livre misturada com electrónica e com o swing que recuperara dos anos 50, modificado com tonalidades espaciais, uma big band de ficção científica. Até 1993, altura em que Ra partiu para Saturno, a Arkestra foi sucessivamente assumindo diferentes geometrias, enriquecida com a entrada e saída de músicos. Permaneceram fixos durante várias décadas, os principais pilares do universo musical de Sun Ra: John Gilmore, Pat Patrick e Marshall Allen, este último ainda vivo e actual líder da Arkestra, protagonista de uma das maiores aventuras musicais do Séc. XX.
Myth-Science - Love in Outer Space (KF, 1995)