O primeiro quarto de Idle Wild, o novo disco de Dennis González, trompetista, compositor e professor de Dallas, Texas, com o grupo Spirit Meridian, é preenchido por uma elegia dedicada a Malachi Favors Maghostut, contrabaixista do Art Ensemble of Chicago, falecido em Janeiro de 2004.
Elechi, poema musical escrito por González, na sua toada dolente, tribal e ritualista, convoca os espíritos ancestrais que sempre habitaram a música de Malachi Favors/AEC, dando o mote para os outros temas, em que se cruzam influências dos dois principais movimentos para o progresso da música negra improvisada na América – a Association for the Advancement of Creative Musicians (AACM), de Chicago, e o Black Artists Group (BAG), congénere de St. Louis.
Um encontro estético e ideológico Norte/Sul, num qualquer lugar imaginário, simbolizaria o que o texano nos oferece em Idle Wild. Cenário a que não são alheias quer a presença de Oliver Lake, ele próprio um fundador do BAG, quer outras influências matriciais, com a de Ornette à cabeça. Temos então que de Idle Wild se pode dizer que se filia marcadamente numa linha estética que descende directamente do AACM/BAG e de Ornette Coleman.
O disco, gravado em Nova Iorque em Agosto de 2004, desenvolve-se como uma suite em 6 partes, atravessada pelo espírito de unidade temporal e geográfica, síntese da diversidade das partes que o compõem. A musicalidade de Dennis González trás à memória outro notável trompetista texano, Bobby Bradford, paradoxalmente um quase reverso de González, sobretudo pela exuberância discursiva e amplitude de volume.
À evocação cheia de soul da memória do contrabaixista Favors, segue-se um tema de intervenção política anti-Bush, musicalmente com raízes na leitura do blues de Ornette, como que a dizer à América e ao Mundo que nem tudo o que vem do Texas é necessariamente mau e prejudicial. Bush Medicine é, sem dúvida, a mais ornettiana das composições de Idle Wild, a que fazem jus as radiosas intervenções de Dennis González e Oliver Lake, vistos juntos e ao vivo no Jazz ao Centro de 2004, aqui secundados ritmicamente pelo dream team de Ken Filliano e Michael T. A. Thompson, dupla de recursos ilimitados.
Os restantes temas de Idle Wild – Dust e Song – incluindo o tema-título, retomam a mescla de notas e impressões maioritariamente sulistas no tempero, à boa maneira das estéticas derivadas do BAG, alternando aspectos de maior estruturação figurativa com outros de pendor acentuadamente abstraccionista, equilíbrio de que Oliver Lake vem a ser o primeiro responsável.
O tema que conclui a sequência, Document for Toshinori Kondo (nome do trompetista japonês que participa, entre outros, no Die Like a Dog de Peter Brötzmann), composto a meias por González e pelos seus rebentos Aaron e Stefan, integrantes da formação hardcore Yells at Eels, encerra de forma solar o ciclo que a sombra crepuscular de Elechi havia iniciado, simbolizando a vida e a esperança que ciclicamente se renovam.
Tudo pesado, nada do lado dos contras; tudo do lado dos prós: a beleza e flexibilidade das linhas melódicas, o arrojo dos arranjos e a riqueza e versatilidade rítmicas fazem de Idle Wild um disco que não hesito em qualificar de excelente, criado por um super grupo de quem a breve trecho se esperam as mais excitantes aventuras.
Dennis González's Spirit Meridian - Idle Wild (Clean Feed, 2005)