Surpresas, confirmações e mais surpresas, na pluralidade de ofertas que atravessaram os três dias e noites vividos em Coimbra, entre o recital solo e a orquestra, assumida aposta na diversidade e na abrangência de estilos e linguagens do jazz actual.
A primeira das propostas surpreendentes chegou pelas mãos de
João Paulo, a quem coube abrir o festival. Surpresa, não pelo lado da técnica e da inventividade musical que lhe são de há muito reconhecidas, mas pela elevada maturidade e apuro estilísticos, menos marcados pela porventura excessiva proximidade à leitura jarrettiana do piano de outrora. João Paulo, em noite de grande inspiração, escolheu um programa entremeado de improvisação livre e reinterpretação de temas da tradição popular portuguesa, reafirmando-se como um dos valores mais seguros e relevantes do piano jazz em Portugal.
Logo após a prestação de João Paulo, subiu ao palco o quarteto de recente formação liderado pelo baterista norte-americano
Lou Grassi, o
Avanti Galoppi. Com Grassi, tocaram
Herb Robertson, trompete de bolso,
Rob Brown, saxofone alto, e
Ken Filliano, contrabaixo. O Avanti Galoppi, ao vivo, não se afastou do que se conhece do disco homónimo editado pela CIMP em 2004. Equilibrando em combinações diversificadas um certo swing moderno, a escrita musical de todos os membros, a improvisação serviu de força aglutinadora da multiplicidade de similitudes e contrastes. Jazz vanguardista de recorte melódico e pujança rítmica, cuja explicação didáctica foi dada pelo quarteto no dia seguinte, perante escasso público estudante e outro simplesmente curioso e interessado em ouvir de viva voz como se faz e porque se faz.
Ao segundo dia aportou a Coimbra o quarteto de
Michel Portal, Louis Sclavis, Sébastien Boisseau e Daniel Humair. Como escrevi num texto de antevisão deste concerto, o que nos foi dado ver e ouvir foi a exibição ao vivo e em directo do funcionamento de uma máquina complexa e altamente sofisticada, que swinga e improvisa colectivamente a um nível de excelência. Pouco mais há a dizer de um programa irrepreensível, de tão eficaz e bem tocado. Uma eloquente reafirmação da história e da contemporaneidade do jazz francês, com Portal e Sclavis em mano-a-mano, exibindo tudo o podem e sabem fazer com o saxofone soprano e o clarinete baixo, escorados pela extraordinária marcação rítmica de Sébastien Boisseau e Daniel Humair. Sai sempre bem, ainda que às vezes pareça um pouco ligado ao piloto automático.
A fechar a primeira parte do ciclo, duas propostas: primeiro, a do
Rudresh Mahanthappa Quartet, saxofonista alto que já está no topo da sua arte, mas ainda com capacidade de crescimento e de maturação artística. Rudresh soou sempre bem, tanto na velocidade estonteante da montanha russa, como nos temas que apelaram ao lirismo, sem cair na pieguice. Mesmo um ou outro pormenor maneirista não estragou uma exibição de grande categoria, cheia de técnica, fôlego, sensibilidade, e, sobretudo, muita emoção, que é o que mais conta. Rudresh muito ficou a dever à articulação com o piano de Vijay Iyer, o distinto «long time partner in crime», como o saxofonista a ele se referiu. A noite foi também de François Moutin e de Elliot Humberto Kavee, pelo acompanhamento vigoroso em contrabaixo e bateria.
A maior e mais gratificante das surpresas do festival – as demais não constituíram propriamente grandes surpresas, inscrevendo-se antes no domínio da confirmação do que já se conhecia em disco – foi a assim designada
JACC Workshop Orchestra (JWO). Um decateto organizado sob a forma de cooperativa ad-hoc de músicos portugueses, que aceitaram o desafio de serem dirigidos por
Adam Lane, compositor e improvisador norte-americano, especialmente requisitado pelo Jazz ao Centro Clube para, durante três tardes, com um notável grupo de jovens músicos portugueses ou a trabalhar em Portugal, preparar a apresentação ao vivo das composições originais de Adam Lane, o homem da
Full Throttle Orchestra. Acima de tudo impressionou o elevado nível artístico desta orquestra, constituída por músicos de Norte a Sul do país, que habitualmente não tocam juntos e que em tão pouco tempo conseguiram a rodagem e a elasticidade interpretativa que nem sempre se encontra nas formações que ensaiam e praticam regularmente.
Uma nota final para distinguir, além das duas enormes e emocionantes
jam sessions em que participaram os músicos envolvidos, a animação de rua, uma exposição de fotografia de
Nuno Martins no Teatro Académico Gil Vicente, alusiva às anteriores edições do JAC, e o lançamento da nova revista do Jazz ao Centro Clube com periodicidade bimestral – a
Jazz.pt.
Foi bonita a festa, pá! Excelente primeira parte dos Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra / 2005, que muito deve à capacidade de iniciativa do Jazz ao Centro Clube e ao entusiasmo do seu presidente,
Pedro Rocha Santos, que encabeça uma equipa de carolas merecedores de público reconhecimento. Venha a segunda parte. O programa segue dentro de poucos meses. Outubro é já depois do Verão.