Duas audições seguidas do novo disco de Paul Flaherty deixaram-me muito bem impressionado e com vontade de regressar amiúde. Bom material, sem dúvida. Antes de ouvir Kaivalya Vol. 1, salta de imediato à vista que o lendário saxofonista de New England substituiu os habituais cúmplices Randall Colbourne e Chris Corsano, pelo veterano peso-pesado do free jazz, Marc Edwards. Paul Flaherty parece estar em maré de mudança na sua carreira. É que além de muito tocar com os dois primeiros, o que já faz há décadas com vestígios nas micro-editoras Zaabway e Ecstatic Yod, ultimamente tem diversificado projectos, entre outros, com Wally Shoup, Thurston Moore, Spencer Yeh e a Vibracathedral Orchestra.
Gosto particularmente do som cru, potente e espesso de Paul Flaherty. Matéria-prima que requer a atenção e a máxima competência do percussionista que com ele se faça ao caminho. Não é para qualquer um, mesmo entre os mais capazes, digo eu. Marc Edwards é talvez o que melhor resulta na combinação com o poder sonoro do saxofonista, sem desprimor para Coulbourne e Corsano. Questão de gosto pessoal, provavelmente.
Apesar de ser um príncipe, um primus inter pares dos bateristas de mãos livres, Edwards tem permanecido em relativa obscuridade, pelo menos no que aos discos diz respeito. Participante em Dark to Themselves e na histórica digressão europeia de Cecil Taylor que resultou na gravação daquele marco do free jazz (1976), há poucos anos atrás empolgou a comunidade em Red Sprites and Blue Jets (CIMP), em trio com Sabir Mateen e Hilliard Greene.
Na Alpha Phonics, editora por si fundada, Edwards lançou até à data dois discos: Black Queen e Time & Space, Vol. 1. De resto, das poucas oportunidades que se tem de ouvir Marc Edwards, sobrelevam as colaborações com o David S. Ware Quartet (Flight of I), surgidas na sequência do Apogee, trio com Cooper-Moore e DSW, muito antes de surgirem Whit Dickey, Susie Ibarra, Hamid Drake e Guillermo E. Brown. Marc Edwards permanece como o melhor e mais completo bateur que passou pelas fileiras de S. Ware, em minha opinião. Em actividade discreta prossegue o quarteto que Edwards reuniu, que inclui Tor Snyder, guitarra, Sabir Mateen, saxofone tenor e Hilliard Greene, contrabaixo. M. Edwards é também autor de um livro sobre meditação transcendental. Kaivalya Vol. 1 apanha os gigantes Flaherty e Edwards, dois dos ícones mais representativos da criatividade excêntrica no vasto mundo do jazz, em grande forma. Até estes guerrilheiros da free improv têm os seus momentos de ternura. Improvisando, esculpem seis figuras de extravagante beleza lírica, mesmo quando esse lirismo é um pouco pesado, exibindo arestas por limar.
Este primeiro volume de Kaivalya enche as medidas e deixa um rasto de curiosidade para saber que surpresas nos reservará o segundo, a ser editado pela Cadence Jazz Records lá para o Outono, ao que me dizem. Não se perde pela demora: há um verão inteiro para conhecer bem Kaivalya, Vol. 1.