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20.3.05
  Ainda os "Injustos Esquecidos"
Por dever e por gosto, publico o texto que Manuel Jorge Veloso me enviou por mail, ontem, sábado 19 de Março (Dia do Pai), em resposta a um comentário meu, aqui publicado em 16.02.2004.
Vamos ao texto de MJV, que comentarei no final:

Caro Eduardo Chagas,

Tanto quanto me parece, julgo que não nos conhecemos pessoalmente e apenas mantivemos contactos muito esparsos via email em tempos algo recuados (e agora mais recentes), embora seguramente tenhamos estado próximos em acontecimentos ligados a esta(s) área(s). Mas, pelo menos no que me diz respeito, não me parece que tenha tido a oportunidade de ligar (ou de me ligarem) a sua cara ao seu nome. Desculpe-me se acaso estou enganado. Pode ser da idade.
Vem isto a propósito da liberdade que tomo em lhe enviar estas linhas, agora que passaram alguns dias depois de encerrado o ciclo de cinco conferências semanais (prefiro, aliás, o termo «sessões fonográficas») que realizei na Culturgest a propósito de Lennie Tristano e Eric Dolphy. Liberdade, no fundo, proporcional ao folgado espaço que esta nova forma de comunicação (os blogs) felizmente permite a quem comunica e a quem comenta aquilo que se comunica.
Ora... as razões próximas deste meu comentário radicam no texto através do qual, em iniciativa amável, V. se referiu (no seu post de 16.02.05) ao início dessas conferências. Uma amabilidade algo mitigada, é certo, já que após ter sublinhado o interesse de que porventura se revestiriam as conferências («a temática é deveras interessante», começo a citá-lo), logo acrescenta a possibilidade de que o seu título «se preste a alguns equívocos».
Porquê? Porque (pelos vistos, a começar por si), ao depararem com o título genérico das conferências - «Dois Injustos “Esquecidos” do Jazz Moderno» - aqueles que V. alertava para a sua realização seriam levados a pensar que eu estaria a atribuir àqueles dois mestres do jazz moderno, para além de «esquecidos», o absurdo qualificativo de «injustos»!!!
À falta de melhor discernimento, julgo que o seu primeiro e não inocente comentário é logo marcado por uma reprimenda – apimentada por mal disfarçada ironia – castigando a minha preferência de um adjectivo («injustos») em detrimento de um mais adequado advérbio de modo («injustamente»).
Sem dúvida que V. tem toda a razão em censurar o despreocupado uso que fiz do Português ao inventar semelhante título; e de nada serve, agora, eu argumentar com a minha relutância em usar um advérbio de modo num título ou alegar que qualquer pessoa de boa fé logo veria que «injustos» queria significar, de facto, «injustamente». Aqui tem, então, a minha mão estendida para a justiceira palmatoada!
Acontece, porém, que V. não se limitou a argumentar em relação ao adjectivo «injustos», discorrendo a seguir sobre ser «muito discutível que Eric Dolphy ou Lennie Tristano tenham efectivamente sido esquecidos pelo público do jazz.». Isto, ao mesmo tempo que lhe ocorria transformar ou omitir quer o itálico quer as aspas que, em todos os materiais de promoção da Culturgest à sua disposição para redigir o post, vinham associados à palavra «esquecidos» no título das conferências, bem como o texto introdutório através do qual eu dava a entender o sentido provocatório e o propositado exagero desse qualificativo. Texto por completo esclarecedor (a quem tivesse algumas dúvidas) e que foi, não apenas publicado na página da Internet da Culturgest como enviado para a imprensa e cinco vezes incluído nas folhas de sala distribuídas à entrada do auditório, pelo que me dispenso de aqui repetir o seu real contexto e significado.
Problema bem maior é que, depois, V. começa a alinhar alguns «argumentos» para justificar a sua alegação de que Tristano e Dolphy são tudo menos «injustamente esquecidos», chegando ao ponto de afirmar (e passo a citar): «Tenho como muito provável que o comum ouvinte de jazz – falo do iniciado, nem sequer seria necessário considerar o connaiseur [a grafia é sua!] – se não tem os discos mais representativos dos artistas, para lá caminha, ou sabe, pelo menos, quem foram Eric Dolphy e Lennie Tristano, e que instrumento ou instrumentos tocaram.»
Uma afirmação ao mesmo tempo estentórica e espantosa de quem parece não viver neste Mundo, bastando apenas cotejá-la com qualquer texto de referência de qualquer autor que se tenha debruçado sobre Dolphy ou Tristano para se concluir da sua completa presunção e fantasiosa arbitrariedade! Mais grave ainda: em abono dessa afirmação, V. acrescenta, como suporte da mesma, «uma simples pesquisa no popular motor de busca google» (!) adiantando, eufórico, números como 137.000 referências a Dolphy e logo se congratulando (sem qualquer estremeço ou assomo de dúvida) com a existência de «mais de uma centena de milhar de páginas em que se fala, anuncia, discute e comenta a música e a obra gravada de Eric Dolphy.» (sic!)
Ou seja, sem sequer pestanejar, V. dá de barato a superioridade da chamada «inteligência artificial» de um programa de software face à inteligência do hardware que são as nossas celulazinhas cinzentas! E acrescenta números, tão «credíveis» como aquele, relativos às buscas que fez sobre Tristano, Mingus ou Konitz!
Bom... seguindo o seu exemplo, resolvi fazer há dias idêntica experiência em relação a outros nomes ou matérias. E tive, tal como V., resultados verdadeiramente surpreendentes. Por exemplo, em relação a Booker Little, o google devolveu-me 908.000 entradas (!!!), ou seja, quase um milhão, pelo que a conclusão óbvia seria a de que Little é muito mais conhecido do que Dolphy (133.000) ou Tristano (32.600) ou mesmo Ornette (177.000) e até Coltrane (610.000). Que tal?
E como sou um pouco egocêntrico, cliquei no google para buscar «Manuel Jorge Veloso» e eis que o resultado deu 34.100, donde eu sou sem contestação «o maior» em comparação (por exemplo) com o desgraçado do Tristano!!! E, depois, busquei «Um Toque de Jazz» e o resultado foi 191.000 por comparação com uns míseros 49.200 para «Cinco Minutos de Jazz»!!! Mas então, seguindo este tipo de raciocínio, não se está mesmo a ver que eu sou incomparavelmente mais mediático do que o autor de tão históricos minutos!!!
Meu caro Eduardo Chagas: é, sem dúvida, do seu inteiro e livre arbítrio acreditar cegamente em motores de busca que nos dão meros (e quantas vezes enganosos) resultados «quantitativos», em detrimento de outras formas de investigação susceptíveis de nos darem informação «qualitativa» e qualificada. O que me parece menos honesto – e já não, apenas, sorrateiramente sarcástico – é que V. conclua o seu post de 16.02.05 afirmando, também sem estremecer: «Há assim bons motivos para ouvir [nem sequer lhe ocorreu o termo «confirmar»], a partir de hoje e de viva voz, as razões pelas quais MJV [agora, pasme-se!] se esqueceu de considerar a perenidade, a actualidade e a presença influente daqueles dois mestres no jazz de hoje.»
Entre outras coisas importantes que tive com que me preocupar, esperei por si cinco semanas a fio para o ouvir (e ver), «de viva voz», avançar este tipo de argumentos; ou para que V. pudesse cotejá-los com o conteúdo real (e não imaginado) das «sessões fonográficas» que tive o prazer de realizar na Culturgest.
Esperei afinal em vão, pelo que só me resta este meio para poder contestar, face aos seus leitores, a bondade do seu texto de apresentação das mesmas.
As minhas saudações e os desejos da continuação do seu contributo para a divulgação do jazz e da música improvisada.

Manuel Jorge Veloso

PS – Já me esquecia! Será que V. acredita que o «Bacalhau à Brás» é menos conhecido (ou preferido) do que as «Ameijoas à Bolhão Pato»? É que o primeiro tem 6.150 entradas no google - enfim, 6.988, se também procurar Brás com «z» - por comparação com as segundas, que têm apenas 131 - a bem dizer, 553, se procurar Bolhão também com «u». E esta, hein???!!!
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Agradecendo ao MJV o seu texto supra, gostaria de acrescentar que a publicitação das iniciativas na Culturgest não relevou de qualquer "amabilidade mitigada" ou "mal disfarçada ironia", segundo presume o seu autor. Tratou-se tão só de divulgar as conferências e de comentar, sem as obscuras e malévolas intenções que me são atribuídas, aquilo que me pareceu uma equívoca e desadequada escolha de título. Injustos esquecidos, Dolphy e Tristano?! A coisa, segundo MJV, pretendeu ser provocatória. Confesso que, míope, não reparei na alegada provocação.
Esclarece o texto da Culturgest que acompanha o anúncio das ditas "sessões fonográficas": «Sendo certo que este hábito e esta preguiça têm contribuído para aprofundar o injusto esquecimento de toda uma legião de músicos de segundo plano — cuja musicalidade é impossível desprezar — tudo se torna mais grave quando as vítimas conjunturais desse arbítrio são músicos de elevado gabarito».
Onde está a provocação de que fala, MJV? O que vejo afirmado de forma chã é apenas aquilo que MJV pretende que tenha um putativo sentido provocatório, de alcance insuspeito. Que intencional "sentido provocatório e propositado exagero" pode haver em dizer que Dolphy e Tristano são dois "injustos esquecidos"? Efectivamente, trata-se de um exagero, mas não no sentido em que MJV pretende que seja. Mas sosseguemos, porque, como diz a Culturgest, MJV procurou reparar o tal agravo do esquecimento, «debruçando-se sobre a obra e o legado desses dois mestres e investigando as conjunturas que terão, porventura, concorrido para uma tão recorrente omissão». Nada pretensioso, portanto. «Try to right this wrong», diz-se no texto traduzido em Inglês.
O autor das sessões pensa que as «vítimas conjunturais desse arbítrio» estão ou foram esquecidas, e que isso, além do mais, é injusto. Muito bem, está no seu direito. Eu não concordo e mantenho ser «muito discutível que Eric Dolphy ou Lennie Tristano tenham efectivamente sido esquecidos pelo público do jazz»; bem pelo contrário, mesmo não "acreditando cegamente" em motores de busca nem no primado da inteligência artificial (homessa, do que MJV se haveria de lembrar!!!), e tenha apresentado o exemplo como uma simples curiosidade, a tal que MJV considerou tratar-se de «um problema bem maior». Aí é que estava a ironia e MJV passou ao lado. Também está no seu direito.
Opiniões e ironias à parte, só tenho a lamentar o tom de ressentimento e de remoque azedo em que MJV embrulhou o seu escrito. Não era caso para tanto e deixa transparecer que não gosta mesmo nada de ser criticado nas suas afirmações, ainda que fundamentadamente e em tom cordato como o que usei. Continua no seu direito, mas é um despautério.
Cumprimentos.
Eduardo Chagas


 


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