A Silkheart prevalece-se de ter vindo a dar um lugar de destaque nas suas edições a bateristas das vanguardas do jazz e da música improvisada afim. São de facto muitos os projectos de e com grandes bateristas acarinhados pela editora sueca, de entre os quais se destacam Alvin Fielder, Andrew Cyrille, Denis Charles, Reggie Nicholson, Marc Edwards, Avreeayl Ra, Michael Wimberly, Susie Ibarra, Kahil El Zabar e por aí adiante. Prosseguindo esse olhar especial sobre a actividade dos homens das peles e dos pratos, a mais recente edição da Silkheart, ainda que liderada por dois dos mais influentes veteranos desta tipologia musical, o contrabaixista Sirone e o violinista Billy Bang, acrescentados de Charles Gayle, apresenta a estreia de um jovem baterista de New Jersey, que aos 22 anos está a dar que falar num meio musical em que o nível de exigência técnica e estética é muito elevado. É o caso de Tayshawn Sorey, o gordinho que tocou dia 12 de Março passado no CCB, integrado no Nomad de Dave Douglas, em substituição do canadiano Dylan van der Schyff. Vem esta referência a propósito da participação notável que o rapaz tem no novo quarteto de Sirone e Billy Bang, o Sirone Bang Ensemble. Papel que se manifesta na actividade de estimular a criatividade dos velhotes, insuflando a música (e contagiando os músicos) com uma frescura e uma vitalidade impressionantes.
Configuration foi gravado ao vivo no clube CBGB, na noite de 24 de Novembro de 2004. Os créditos há muito firmados por cada um dos intervenientes poderiam fazer supor tratar-se de uma sessão free, de estilo tórrido e selvagem. Nada de mais errado, porém. Configuration é a fotografia sonora de um concerto musicalmente sóbrio e relativamente tranquilo, em tempo médio-lento. Quer dizer, tão plácidao quanto pode ser um evento musical em que intervém Charles Gayle, que, no caso concreto, se estreia em disco a tocar saxofone alto! Para a toada dominante puxar para o lado mais suave do free jazz, em parte concorre o facto de o quarteto trabalhar eminentemente sobre composições escritas, três de Sirone, três de Billy Bang, e de os músicos se concentrarem na improvisação dentro dos limites da exposição temática, que procuram cumprir com rigor. Por exemplo, no tema de abertura, Jupiter´s Future, após a breve enunciação da linha melódica composta por Billy Bang, os músicos fazem a sua apresentação musical, executando solos à vez. Quem começa é Tayshawn Sorey, que durante os minutos iniciais mostra ao que vem, dando o mote para o que se há-de seguir. Repete-se o tema, uma sequência de 8 notas e variações. Segue-se o sax tenor de Charles Gayle no mesmo tom relaxado e não abrasivo; Billy Bang sublinha algumas passagens e deixa Gayle novamente à vontade até chegar a vez de Bang e de Sirone se travarem de razões. É este último quem fecha a sequência, posto o que o Ensemble retoma o fio à meada, para concluir com a melodia inicial.
Surpreendentemente, quando já se esperava que o disco prosseguisse de acordo com este tipo de formato, eis que o Ensemble ataca o segundo tema da sequência, Freedom Flexibility, em estilo hard bop evocativo dos Jazz Messengers de Art Blakey. Seia um hard bop típico, não fora a capacidade dos músicos de entrarem, permanecerem e sairem dos acordes escritos por Billy Bang.
We Are Not Alone, But We Are a Few, escrito por Sirone, é o tema mais contemplativo da série, em andamento lento e espaço amplo para o quarteto se espraiar. As cordas fazem as principais despesas do som. Depois da introdução, em que Charles Gayle fica a observar a evolução dos acontecimentos, o saxofonista entra no jogo, acentuando o lado mais vincadamente emocional, no que evoca o trabalho do Revolutionary Ensemble, o trio de Leroy Jenkins, Sirone e Jerome Cooper.
I Remember Albert, além das óbvias conexões espirituais e formais à música de Albert Ayler, recupera o tempo médio inicial e, naturalmente, é o momento de esplendor de Charles Gayle, que enche a casa com o seu som rude e áspero, embora contido dentro dos limites a que o confinou a escrita de Sirone. O contrabaixista oferece o segundo momento do tema ao violino de Bang.
Notre Dame de La Garde, relembra as aventuras do Revolutionary Ensemble, de Psyché, por exemplo, patente nos aspectos de maior melancolia e introspecção, onde a criatividade de Billy Bang se mostra mais evidente, com destaque para um bem esgalhado dueto com Charles Gayle.
A fechar a hora de concerto, Configuration, o tema-título em jeito de funk marcdo bela batida forte de Tayshawn Sorey. O baterista volta a tomar conta das operações e a catapultar o trio veterano para as alturas, de onde desce calmamente, até a música se desvanecer no meio dos aplausos.
Grande noite, grande disco. Passei ontem na Trem Azul e comprei um exemplar. Ficaram lá outros dois à espera de alguém que goste de Jazz. Sirone Bang Ensemble - Configuration (Silkheart, 2005)