O britânico George Haslam é credor do apreço do povo do jazz por várias e relevantes razões. Além de um grande saxofonista, grandeza inversamente proporcional ao conhecimento que dele se tem e à divulgação da sua obra gravada, em 1989 Haslam fundou, e desde então mantém activa, a editora SLAM Productions, que conta perto de 100 títulos editados. Elton Dean, Lol Coxhill, John Law, Paul Dunmall, Keith Tippett, Howard Riley, Neil Metcalfe, a nata do free jazz e free improv britânica e americana (Mal Waldron, Steve Lacy, ...) são alguns dos artistas a quem George Haslam abriu as portas da SLAM e concedeu extensa exposição discográfica. Prosseguindo as actividades editoriais, em Março de 2004, a SLAM Productions publicou The Mahout, um disco em trio de Goerge Haslam (saxofone barítono e tarogato) com o pianista norte-americano Borah Bergman e o baterista britânico Paul Hession. Gravação de estúdio datada de Junho de 2003, The Mahout, mistura livre-improvisações pelo trio homónimo e temas a solo por cada um dos intervenientes. No primeiro tema, The Mahout, George Haslam abre as hostilidades em tarogato, instrumento de madeira com um timbre a meio caminho entre o clarinete e o saxofone soprano, elaborando séries de espirais e erupções descontínuas. Bergman rasga pano secundado por Hession, desafiando-se mutuamente e transformando o tema num aceso despique a três vozes.
Refreando o entusiasmo em que a música já ia lançada ao cabo dos primeiros 10 minutos, entra o segundo tema, M.E.V, sigla que toma as iniciais de Malcom Earl Waldron, mais conhecido por Mal Waldron, o pianista e compositor norte-americano com quem o saxofonista tocou e a cuja memória o tema é dedicado. M.E.W., é um solo elegíaco de Haslam, primeiro em barítono solo, depois no uso simultâneo da big horn e o tarogato.
Segue-se Streams, o solo de piano de Borah Bergman. Segundo as notas da edição, o título refere-se às correntes sonoras de harmonia e ritmo criadas pelas mãos do pianista, que ora tocam independentes uma da outra (esta é uma das características mais marcantes do estilo de Bergman, para quem os termos "mão esquerda" e "mão direita" não se aplicam, visto ter desenvolvido uma técnica muito própria traduzida na total independência de mãos), ora trabalham em interdependência e complementaridade, como é mais comum ouvir-se tocar o instrumento. O tema é bem um repositório das capacidades técnicas do pianista, dos avanços técnicos e do léxico do piano na música improvisada mais energética, veículo de comunicação da intensidade emocional de Bergman.
Com Ancient Stars, regressa a comunhão do trio. George Haslam está no centro das atenções com um impressionante solo de sax barítono, à volta do qual piano e bateria executam uma dança encantatória. Haslam soa ao mesmo tempo agreste e macio, algo que se situa entre as marcas pessoais de Paul Dunmall e Evan Parker, duas das mais distintas vozes britânicas do saxofone.
O solo de Paul Hession, The Varmint, é dedicado pelo baterista à memória de Jack Elam, o façanhudo mau da fita dos filmes de cowboys (em Once Upon a Time in The West, ficou famosa a cena em que Elam apanha uma mosca com o cano do Colt), ídolo da adolescência de Hession, falecido por alturas da gravação do disco. Um solo cinematográfico perigoso e com a barba por fazer, à imagem do homenageado.
Dusk é a reprise de Borah Bergman, agora introspectivo e inspirado nas emoções sugeridas pelas horas crepusculares. Serve de introdução ao tema final, Zircon, o terceiro encontro do trio, mais explosivo que os outros dois, como que a encerrar a festa com fogo de artifício. Borah Bergman está como peixe na água, assim como George Haslam e Paul Hession, que ateiam fogo ao rastilho, com mais que provável satisfação pelo resultado obtido.
Fantástico trabalho, este The Mahout. Volto ao princípio e é já.
George Haslam / Borah Bergman / Paul Hession - The Mahout (Slam Productions, 2004)