Sempre Rolando
Roland Kirk (1936-1977) foi um caso raro no jazz, não apenas por possuir a originalidade de tocar saxofone tenor como nenhum outro saxofonista, antes e de depois dele, mas também por ser um compositor original e tocar primorosamente (às vezes simultaneamente) os derivados do saxofone, manzello, stritch e saxello, e ainda uma vasta colecção de flautas.
Kirk gravou uma série de discos importantes que fui descobrindo ao longo dos últimos últimos 25 anos. De entre eles, tenho um fraquinho especial por Domino, gravado na fase Mercury Records, disco que disputa preferências com We Free Kings e Now Please Don't You Cry, Beatiful Edith.
Não conhecia a edição de Domino em vynil, mas há tempos adquiri o CD Verve, que agrupa gravações excluídas da edição em Lp e versões alternativas de 1962, ano em que Kirk, segundo se conta, arrasou por completo o Newport Jazz Festival.
Kirk era realmente um caso único: dominava todas as linguagens do jazz, incluindo o swing, o bop, o modalismo, as vanguardas, o funk, o soul jazz... . E conhecia bem a música de Lester Young, Charlie Parker, Sonny Rollins, Coltrane. E de Mingus, com quem tocou algum tempo em 1961 e aprendeu a estruturar a sua música.
Domino, na versão LP original, incluía 10 temas gravados em duas sessões, uma com Andrew Hill e outra com Wynton Kelly, mais secção rítmica em ambas as ocasiões. O resto dos temas adicionados ao CD têm Herbie Hancock ao piano. Três pianistas, três estilos, o mesmo Rahsaan Roland Kirk, como passou a ser chamado depois de 1970.
Quem conhece Rahsaan sabe do que falo; quem não conhece, não chega a saber o que lhe tem passado ao lado. É que a coisa não se faz por menos: o jazzófilo que queira ser digno de pertencer ao povo do jazz, não tem como não conehcer e reverenciar a música e a obra deste heróico improvisador, que, sendo negro e tendo ficado cego ainda muito jovem, a deficiência em nada diminuiu a sua capacidade de criar e de se afirmar. Há quem diga que parte da genialidade lhe advém do esforço de tentar ultrapassar essa grande barreira.
Além do mais, uma lição de vida.