Os improvisadores improv-psicadélicos da Costa Oeste americana estão de volta com a terceira machadada na ordem caótica que têm vindo a criar. Baralham, partem e dão de novo, como em qualquer cartada. Música desta é um bem raro que importa acarinhar e preservar. Por muito que não nos custe nada. Estou a ouvir Novo Navigatio e por estes dias conto arraozar sobre ele, como fiz sobre o anterior Ars Vivende, editado em 2003 pela atrevida Pax Recordings. Disse assim: Out Jazz, o que é? É isto, por exemplo. The Abstractions - um furioso assalto colectivo sob a forma de energia em bruto. Música brava e indomável, construída com base no cruzamento de génros e sub-géneros, do jazz e livre improvisação electroacústica, ao pós-rock, passando pela spoken word e pelo noise, que se atira com unhas e dentes ao ouvinte e, 76 minutos depois, o deixa na mais literal penúria física (que não emocional!). Muito por culpa de dois intrépidos guerrilheiros da Costa Oeste dos EUA, Rent Romus e Ernesto Diaz-Infante, que não se dão ao descanso na saudável actividade de animar a malta. O que faz falta.
Acima de tudo, The Abstractions, tocam música experimental que visa, entre outras possíveis finalidades, desassossegar mesmo o ouvinte mais preparado para a inquietação física e espiritual, e ao mesmo tempo, marcar terreno na cena esteticamente mais avançada no tempo corrente. É esta, em síntese, a proposta muito séria de Ernesto Diaz-Infante, Dina Emerson, Phillip Everett, Sandor Finta, Lance Grabmiller, Bob Marsh, Jesse Quattro, Alwyn Quebido, Rent Romus, e Stephen Ruiz.
Que fizeram um lindo serviço neste segundo episódio, isso é indesmentível. É que em Ars Vivende, realmente não fica pedra sobre pedra no edifício que já foi comparado a uma enorme tela do género das que pintava Jackson Pollock; só que, neste caso, em vez de pincéis, os artistas usam instrumentos musicais e todo o arsenal das mais desvairadas electrónicas passadas e futuras. E vale tudo, inclusive entornar o balde da tinta e mergulhar de cabeça sobre a superfície cromática. Um estoiro!
Falar de raiva, ira, energia primitiva, caos e trevas, de todo um pathos individual e social, decerto que não vem inteiramente a despropósito, não senhor. Aqui o caso inspira os maiores cuidados e ai daquele que se deixar apanhar pelo turbilhão sem estar bem preso a uma qualquer amarra virtual. Vai desta para pior. Porque esta é realmente música da melhor, no sentido em que provoca os mais ousados e inquietantes desafios. Fora disto, tenho como certo que uma parte importante da corrente musical mais estimulante e radical deste início de século passa justamente por aqui, ou seja, pelas mãos destes ferozes criadores da Califórnia. Que, afinal, não tem só praia e beldades curvilíneas.
Depois do que fica dito não seria necessário, mas ainda assim, aqui fica a prevenção: quem buscar facilidades melódicas e dócil contentamento auditivo, melhor é dar meia-volta e ir bater a outra porta. Porque, além do sangue, suor e lágrimas que o esperam, leva daqui uma resposta que é em sim mesma uma intrigante questão: o que vai ser da música criativa improvisada daqui para a frente!?