Confesso que foi a primeira vez que me aventurei no mundo musical de 99 Hooker, artista americano oriundo de Baía de S. Francisco, actualmente a trabalhar em Nova Iorque. É na Big Apple que Hooker se dedica à criação multidisciplinar em variados suportes, do cinema à spoken word, passando pela música pop e improvisada. Além de compor e gravar muito (dizem-me que já passou a fasquia dos 20 discos), 99 Hooker toca saxofone de forma electrizante, escreve e declama. Palavras para quê, é um artista da palavra que tem uma especial queda para a dramatização de textos poéticos, inseridos em módulos de apertada tapeçaria musical que também compõe e usa como veículo expressivo. Generica (Pax Recordings), a mais recente gravação, funciona em regime de noise, rock’n’roll, improv, lounge e cabaret, elementos aglutinados com saber e flexibilidade, somados a grande diversidade de ritmos urbanos, guitarras sem salamaleques e gritaria saxofonada. Em boa verdade, tudo serve para entreter a neurose de 99 Hooker e companheiros. No caso, Ross Bonadonna, Michael Evans, Donald Miller, Jim Pletcher, Shazade Ismaily, Ray Sage e Mark Marinoff, sublinham o entusiasmo que o artista coloca na arte de dizer os textos, a maior parte deles versando sobre questões da vida urbana na América dos dias de hoje, problemas sociais, assuntos políticos e religiosos. O lado mais apelativo de Generica acaba por ser o experimentalismo consequente que 99 Hooker revela na mistura dos ingredientes, que o afasta de outros projectos do mesmo género, os quais falham exactamente no ponto em que este consegue ter sucesso - a coerência e a concentração postos ao serviço da arte de efabular através de canções, que trazem à memória aventuras de grandes contadores de histórias decadentes de outras gerações, como Frank Zappa, Captain Beefheart ou Tom Waits. Este é o tipo de música que vive de imagens saturadas, do prazer da contradição e de sugestões visuais fortes, mais nítidas a cada nova audição. Gostei da experiência.