Nasceu torto mas foi-se endireitando, o concerto do Craig Taborn's Junk Magic, que ontem à noite actuou no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Gulbenkian, ao quinto dia do Jazz em Agosto/2006. Ao segundo tema, som frouxo, sem pulso nem intenção, sentia-se a água perigosamente a subir do lago ao fundo e a invadir a plateia, dando origem àquela que ameaçava vir a ser uma memorável “banhada” desta edição do festival. Mas não, ao terceiro ensaio, o quinteto de Craig Taborn (piano, teclados, samplers), Mat Maneri (viola), Mark Turner (saxofone tenor), Erik Fratzke (baixo eléctrico) e Dave King (do trio The Bad Plus, em bateria acústica e electrónica) logrou corrigir o tiro, realinhar a trajectória e avançar tranquilamente até final.
O conceito que Craig Taborn pretende trabalhar com o Junk Magic vem de trás, das experiências que começou com o Hard Cell e até antes, com The Shell Game, de Tim Berne e Tom Rainey. Partindo de alguns pressupostos estéticos comuns, Taborn alarga os espaços por entre os interstícios da composição, abrindo-os à criatividade da improvisação controlada, donde resulta um trabalho em que o jazz e as suas memórias (nas quais se incluiu um sampler da recitação de David Moore incluída no disco de 1967 de Muhal Richard Abrams, “Levels and Degrees of Light”) convivem com a composição contemporânea e a contaminação electrónica, acentuada pelos loops e pela “sujidade” colorida do piano eléctrico.
Talvez porque o grupo se tivesse ressentido das entradas e saídas de pessoal, ocorridas desde a gravação do disco homónimo para a Thirsty Ear, em que figurava Aaron Stewart em lugar do inexpressivo Mark Turner que se ouviu na Gulbenkian, a que se somou o recrutamento de Erik Fratzke, em baixo eléctrico; ou porque esta música conviva melhor com o conforto intra-muros do estúdio, notaram-se alguns desequilíbrios entre momentos em que tudo estava a funcionar muito bem, e outros que roçaram a decepção e o aborrecimento. Ainda assim, e longe de ter sido um concerto marcante, de um modo geral entreteve satisfatoriamente, com bom gosto e a promessa de mais trabalho e investigação numa área particular do electro-jazz para o Séc. XXI, esta em que o Junk Magic se posiciona, ainda à procura de uma saída da floresta de clichés que abundam neste suposto “mundo novo”.
O ponto mais alto da actuação de um grupo que, aqui e ali, deixou soltas algumas ligações entre pontas – o que se resolve com maior rodagem – foi o trabalho do excelente Mat Maneri, tanto nos uníssonos com Turner e Taborn, como nos cruzamentos oblíquos sobre os teclados, o homem que mais parecia querer remar contra a maré, que ora subia até ao peito, ora se deixava ficar pelo tornozelo. Até que se chegou ao encore, altura em que, acertadas as posições e oleada a máquina, finalmente o grupo assumiu o controlo absoluto, terminando como deveria ter começado. Sintomaticamente, voltou a ouvir-se a citação de Muhal Richard Abrams.
Craig Taborn's, Junk Magic
Quinta-feira, 10 Ago 2006, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre da F. Gulbenkian