Regressa a Op., (#18, preço de capa €3,50) empreendimento editorial que há cinco anos se apresenta sob a forma de revista, dirigida por Bruno Bènard‑Guedes (Editor). A companhia é sensivelmente a mesma de antes, descontando eventuais reforços ou baixas a cujo movimento que não prestei atenção. Pelo menos alguns dos nomes continuam a soar-me amigáveis ou reconhecíveis: João Santos, João Lopes, Rui Miguel Abreu, Pedro Santos, Mário Lopes (Santos & Lopes…), o amigo e oficial do mesmo ofício Adolfo Luxúria Canibal e uma quantidade de outros bons escribas asseguram a qualidade do projecto.
Outrora cripticamente epigrafada “Visões da matéria” (soava bem, como tal), a revista anuncia agora na capa um ambicioso “Todas as artes”. Não cuidando de analisar os eventuais reflexos ou implicações desta putativa mudança de paradigma, atenho-me apenas aos aspectos relacionados com, por um lado, o objecto da publicação, e, por outro, o tratamento que dele é feito ao longo das páginas da Op.. Objecto que não é “artes e letras”, nem apenas “artes”; mas “todas as artes”.
Constato que, afinal, nem uma coisa, nem outra; nem outra ainda. Folheando a revista, pode o leitor verificar que por “todas as artes” deve figurar-se antes “todas as artes que cá estão”, pois que dumas não há vestígios e doutras apenas resquícios ou breves passagens.
Há a moda, desde logo, com generosas quatro páginas que exibem um rosto e um corpo enquadrado nos padrões actualmente em voga, envergando uma camisola branca e algo mais com um par de argolas (giro que se farta) que não sei se devo tomar por roupa interior ou exterior, mas que, seguramente, cai muito bem à manequim Joana Hilário. E isso é que interessa no fim de contas. Os meus parabéns!
“Todas as artes”. Teatro, por exemplo. Há uma referência, encontrei uma, relacionada com a edição de “D. João ou o banquete de pedra”, de Molière, pela Campo das Letras. Dança? Escultura? Fotografia? Além de algumas boas reproduções, como as da moda a que fiz referência (que lindas argolas!), que, ou são instrumentais ou servem necessidades básicas de grafismo, não trata a Op. de dar notícia, comentário, análise crítica ou reflexão sobre manifestações daquela arte.
Das outras artes plásticas (pintura) há alguma coisa, mas remete para a condição vestigial, como nota de agenda ou rodapé. "Todas as artes" são, afinal, a ilustração, a moda, a internet, televisão, livros, cd´s e dvd´s e já chega. Cinema, sim, mas preservado em dvd, tal como as séries passadas da televisão para aquele formato (as bombas da HBO, in casu); nada sobre estreias ou reprises nas salas do país, ciclos, programas… Há uma vastidão de bons textos de recensão e análise crítica de João Lopes, mas sempre sobre o enlatado que acaba de sair, seja ele a novidade ou a reedição. Jamais sobre o que está nas salas (ou esteve, visto que a revista sai ao ritmo das estações do ano), vai estar, é pena que não esteja ou que não tivesse estado.
Daqui para a frente, impera em absoluto a crítica a alguns livros e a muitos discos – o prato forte da Op. –, a que não faltam, porque se trata de número novo e primeiro de 2006, as escolhas ou balanços do ano transacto no domínio da edição discográfica, videográfica, etc.
Pena é que a Op. continue a desvalorizar (ou a desprezar) a reportagem ou a crítica do acontecimento ou da criação cultural em directo e ao vivo. Quanto a isto, aos costumes disse nada... Sobre este aspecto, não deixa de ser curioso que muitos dos escribas que apresentam os seus balanços de 2005, por exemplo, listem os melhores concertos do ano, elenquem as melhores exposições ou outra programação a que assistiram, mas, por questões de feitio ou de orientação editorial (propendo para esta segunda hipótese), guardem no mais fundo de si mesmos as impressões que tais eventos porventura lhes tenham causado, abstendo-se de as partilhar com os leitores da Op., e de suscitar, assim, o debate e a reflexão a partir dos diferentes olhares que o mesmo acto de criação cultural potencia.
Louvo a escolha das matérias e o olhar plural, que só o não é mais e em maior nível, porque posicionado predominantemente numa perspectiva pop (mesmo quando trata de géneros como o Jazz, o que só enriquece a experiência), quando aborda o pop brasileiro, tão em moda, de Marisa Monte, ou o pop-afro de Ablaye Cissoko – por onde perpassa o que descreveria como uma tendência dominante liberal-situacionista, patente nas escolhas das matérias, nos objectos culturais criticados e no tipo de abordagem, frequentemente descritiva e não comprometida (comprometedora), que olha ao de leve para o que há, conformando-se com os acidentes na paisagem pop.
O grafismo, sendo agradável no geral, peca por um certo conservadorismo poppish pós-moderno e bem comportado, que, não matando, também não engorda.
Tal não compromete a qualidade geral do produto, que é maduro (neste sentido, uma revista para adultos), muito bem feito, bem escrito, interessante e bom de ler (com a nova fonte Utopia, incensada por Bruno Bènard-Guedes logo a abrir, e que, segundo o próprio, “materializa de forma mais iluminada a intenção editorial de sobriedade, versatilidade e classicismo que a Op. sempre advogou”). Ah, e a BD de Edna Lopes – a grande família Lopes... (do ramo brasileiro, ao que suponho, pela grafia das palavras e pela típica construção frásica), que conta a história pungente de uma jovem urbana que comeu (ou ia comendo) o próprio cérebro à milanesa. Verdadeiramente impressionante. Felizmente para todos nós tudo não passou de um pesadelo. The End. All is well when ends well...
Coisas pop desta vida pop de que a Op. é uma janela. Aberta.