Foram boas as propostas apresentadas em série pelo trio que agrupou Alípio Carvalho Neto, Luciano Vaz e Ernesto Rodrigues para uma sessão de improvisação livre ao cair da tarde, intramuros da Jazz Store da Trem Azul, à Rua do Alecrim, em Lisboa. Aliciante era, à partida, poder assistir em directo à maneira como os três músicos, com backgrounds diferentes e estilos muito diversos, iriam suscitar e resolver os problemas postos por esta especial forma de comunicação e criação musical, potencialmente reforçada pelo facto de os três nunca antes terem tocado juntos.
Percursos e discursos pessoais diferentes e no entanto três músicos com uma característica comum: a vontade de se questionar e de procurar outras formas de expressão individual e colectiva, enquanto extensões do trabalho anteriormente produzido, ou como rupturas com métodos e fórmulas habitualmente praticadas, mercê das novas possibilidades sonoras que só podem nascer do compromisso que os músicos estabelecem entre si, tacitamente. O processo é o da comunicação via improvisação total; o fim, assume uma face dupla: o da criação musical estimulada pelo ambiente de ampla liberdade e simplicidade formal; e a entrega ao público, instantaneamente, dos resultados assim obtidos. Alípio Carvalho Neto investiu em novas soluções harmónicas no saxofone tenor, explorando com eficácia técnicas e enunciados caros a um estilo híbrido de jazz e de improvisação livre, a caminho de se transfigurar através do enriquecimento da sua própria linguagem. Luciano Vaz, violoncelista de orquestra sinfónica (Rio de Janeiro), de passagem por Lisboa, lançou-se por caminhos de pesquisa sonora que remetem para um universo próximo da composição contemporânea. Bom improvisador (tive a oportunidade de assistir a três das suas apresentações ao vivo em Lisboa, em diferentes contextos e formações), subtil, delicado e atento aos detalhes do ambiente sonoro geral, que instigava e ao qual reagia, Luciano Vaz soube gerir com parcimónia esse poder que está na mão do músico improvisador: o de intervir e o de saber escutar, para de novo entrar no discurso. Ernesto Rodrigues, dos três porventura o músico mais familiarizado com a “teoria” e a prática da improvisação livre, deu uma importante contribuição para a solidez da proposta global, introduzindo as nuances e os matizes de cor e textura que o desenvolvimento das operações pedia, problematizando a direcção e orientando o fluxo colectivo da improvisação em trio.
Para a despedida de Luciano Vaz, fechando o ciclo da sua estadia entre nós, está em curso a preparação de um concerto final de improvisação livre, com violoncelo, saxofone tenor, violino, trombone e percussão, a ter lugar esta semana, em Lisboa. (Fotos: Rui Portugal)