"Kinetics", gravação de 2004 de um quinteto de improvisação liderado por Ernesto Rodrigues, realizada no Estúdio Tcha Tcha Tcha, em Lisboa, foi recentemente publicada sob o selo Creative Sources Recordings. Música concentrada no detalhe microscópico, que ainda assim não perde a visão de conjunto. As passagens de arco de Ernesto Rodrigues, a informação electrónica de Carlos Santos, os murmúrios do violoncelo e do trompete de Guilherme Rodrigues, o insuflar das bombas da tuba de Oren Marshall, e a percussão larvar de José Oliveira – são contribuições pertinentes e oportunas no modo como organizam o som, colectiva e individualmente. Do grande plano faz-se zoom para a partícula, regressando de pronto ao olhar macro. Os silêncios dentro dos sons (e entre eles) pertencem à própria forma musical. Com ela estabelecem relações de descontinuidade, acentuando o binómio imagem/reflexo. Nestes andamentos não há superfícies estáticas; todos os movimentos são interiores ao próprio desenho sonoro. Incorporam vibrações numa gama ampla de frequências e polifonias micro-tonais. Daí que o enfoque seja posto no átomo, reconhecível tanto nas baixas frequências, quase inaudíveis, como nos picos (melhor dito, saliências) que de quando em quando irrompem sob a forma de estalidos de cordas, percussão ou ruídos de electrónica. Fragmentações, estilhaços, fracções, fissuras – sons com diferentes durações e intensidades. Na quase ausência de linhas ou frases melódicas, o cimento agregador é o conjunto articulado de fenómenos sonoros, aliado à actividade criativa do ouvinte, ele próprio convocado para encontrar e compreender o nexo lógico no qual as peças, em equilíbrio instável, se encaixam harmoniosamente em conjuntos de unidades que, noutros sistemas, se poderiam chamar notas, mas que aqui adquirem validade enquanto sons e extensões em movimento. "Kinetics" bem merece um mergulho em profundidade.