Diggin', ao vivo na Trem Azul
A estreia do trio Diggin’, em concerto na Jazz Store da Trem Azul, teve o mérito principal de deixar claros alguns aspectos da música desta nova formação. Um inquestionável ponto a favor é que Alípio Carvalho Neto, saxofone tenor, Carlos Barretto, contrabaixo, e Rui Gonçalves, bateria, não deixaram que se instalassem dúvidas quanto à forma e aos fundamentos daquilo que se ouviu. Quer isto dizer que, longe de se ter ouvido qualquer coisa de indistinto, turvo ou confuso, a música apresentou propósitos claros, direcção definida e sentido das proporções, resultado do domínio que se esperava da parte de três instrumentistas talentosos e experimentados. É certo que poderiam ter ido muito mais longe nessa afirmação de princípios e de propósitos, bem como na demarcação porventura mais clara do território em que pretendem inscrever a música do Diggin’, grupo que, segundo Alípio Carvalho Neto, parte da ideia de procura, de «arqueologia da novidade», que esteve na base do convite a Carlos Barretto e a Rui Gonçalves para, em conjunto, fazerem a experiência.
Porém, e compreensivelmente, ressalvados os 10/15 minutos iniciais, o Diggin' arriscou pouco nesta primeira investigação “arqueológica”, tendo optado por navegar à vista das composições, uma sequência de três temas originais do saxofonista: Nissarana, que tem a ver com a ideia de libertação (going out), de carácter barroco e inspiração dolphyana; Tripus, que se funda na noção de trio, assente em três centros tonais e três escalas diferentes; e Snug as a Gun, inspirado num verso do poeta irlandês Seamus Heaney. A estes três somou-se um quarto tema de improvisação colectiva, a finalizar.
Ao longo dos cerca de 45 minutos de actuação, sentiu-se algum receio de soltar amarras, principalmente de Carlos Barretto, algo preso à exibição das malhas com que tece o virtuosismo que lhe é conhecido, ora hesitante em fazer trepidar a sala e catapultar os outros dois, ora tímido no arranque, quando Alípio pontualmente tentava incendiar o cenário. Noutras alturas era o saxofonista quem, inesperadamente, lançava água na fervura, travando Barretto e Rui Gonçalves, que, entre um e outro, ficava à espera de decisões claras e inequívocas, abstendo-se também ele de assumir a sua quota no comando do trio. Que neste aspecto ganhará tanto mais quanto maior vier a ser a autonomia e a capacidade decisória instantânea de cada elemento. Para já, o nível de interacção que se ouviu é muito interessante e deixa antever boas perspectivas. Uma coisa é certa: aqui há matéria-prima para trabalhar, canalizando recursos para o discurso colectivo, com prejuízo do monólogo expositivo.
Em suma, sem prejuízo dos bons momentos proporcionados a uma assistência interessada, e há muito trabalho pela frente e decisões importantes a tomar quanto ao que é manter, acrescentar ou lançar fora, assim seja essa a vontade colectiva. Além de remar para o mesmo lado, é preciso chegar à beira do abismo, questionar-se e arriscar o mergulho em águas profundas, onde se joga tudo, para ganhar ou perder. É lá que se esconde o mistério que o Diggin’ ainda há de revelar. Por enquanto, há três músicos com um trio em construção. O que não é pouco, para quem se encontrou para tocar a primeira vez juntos, enquanto tal, uma hora antes do concerto.