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8.12.05
 
iMi Kollektief ao vivo no Hot Clube de Portugal

Noite de iMi Kollektief no Hot Clube de Portugal. Tempo para dar largas à imaginação e à predisposição para a surpresa. Desde Outubro passado, altura em que o grupo se apresentou pela primeira vez ao vivo, na Trem Azul (concerto a que assisti e do qual em devido tempo dei nota), tenho vindo a testemunhar o nascimento, crescimento e maturação daquele que se pode hoje definir com toda a propriedade como um verdadeiro colectivo de improvisação. Talento, trabalho e rodagem, quando combinados, fazem destas coisas.
Cá fora antes, e depois já no palco do Hot encontrei um Alípio Carvalho Neto possuído pelos espíritos benignos de John Gilmore e de Pharoah Sanders, energia em bruto, refinada e tornada combustível criativo. Cada vez que pega no tenor Alípio consegue tocar uma história diferente, com uma retórica comum ao resto a banda, em noite inspirada e danada para swingar: Elsa Vandeweyer (vibrafone), Jean-Marc Charmier (trompete, fliscórnio, acordeão), João Hasselberg (contrabaixo) e Rui Gonçalves (bateria), não deram tréguas e puxaram a corda com quanta força tiveram.
Longe do habitual "ora agora solas tu, ora agora solo eu", com palminhas pelo meio, no IMI Kollektief os solos (se os houve e fortes!) enquadram-se num âmbito mais vasto, como extensões dos temas originais de Elsa, Jean-Marc e Alípio, que reflectem a idiossincrasia própria de cada um dos compositores e as diferentes culturas e origens geográficas, por exemplo. Este é um dos aspectos que mais valoriza a música do iMi Kollektiev, a mesma que, a partir de uma base escrita, se reconstrói permanentemente em tempo real.
Neste sentido, a música do IMI tem muito de arquitectura do momento, invenção espiritual de formas fantásticas apoiadas em sólidas colunas de sustentação, segundo as leis da harmonia, melodia e ritmo, convenientemente adaptadas e reconfiguradas.
A este propósito, recordo os momentos extasiantes em que, entre a enunciação e repetição final do tema, Alípio gritava multifónicos no tenor, Jean-Marc soltava cascatas de notas do trompete, Elsa projectava longe os ecos harmónicos do vifrafone por entre as malhas daqueles dois, enquanto João Hasselberg (aqui mora um contrabaixista a sério, é só dar tempo ao tempo!) e Rui Gonçalves estendiam sala fora um irresistível tapete de groove. Isto é algo que o iMi faz muito bem e diferente dos grupos seus contemporâneos.
Há nesta gente um espírito muito prático, directo e imediato: vamos a eles, vamos tocar e é já! Também nessa medida Alípio formou a banda certa, pessoas com múltiplos talentos, capazes de disparar em diferentes direcções, voltar ao trajecto principal, vadiar por ruas secundárias, calcorrear vielas estreitas e retomar à praça central. Mercê da solidez e maturidade colectiva alcançadas nos poucos meses de intenso e quotidiano trabalho, forjado num espírito que apela à mobilização das capacidades inventivas dos artistas.
Tenho para mim que, hoje, a tarefa dos grupos e dos músicos comprometidos com o jazz tem necessariamente de passar pelo total empenhamento, entrega individual e colectiva, na busca de identidade própria, de outro tipo de energia que se projecte para o público, dando-lhe a servir algo de original. E a originalidade hoje, no jazz como em muitas outras formas de criação artística, não significa o absolutamente novo, fazer tábua rasa do passado, um corte epistemológico com a memória. Tudo está inventado, costuma dizer-se. Logo, o que há a fazer é produzir sons que já conhecemos, mas que surjam recombinados de modo tal que dessa nova ligação entre elementos preexistentes, empirismo e racionalismo, a partir de um original cimento agregador (feito de vontade, estilo, convicção e uma consciência funda de que se tem algo de relevante para comunicar – ou não valeria a pena tanto esforço), surja um novo real, que se afaste do convencionalismo. É nesse espírito que interpreto a participação especial de Paulo Matricó, o zabumbeiro que em duas versões do tema Thierry na Caatinga, uma em cada set, somou o ritmo do nordeste brasileiro ao groove e swing da banda, inebriando mais ainda o ambiente.
Ciente das suas capacidades e dos perigos que espreitam, o grupo evita a armadilha do refinamento excessivo, que falsifica a experiência e distorce os propósitos, concentrando-se antes no trabalho sobre a emoção e a melhor forma de a comunicar, expurgada do cliché decorativista.
Isto é novo, inteiramente novo, enquanto elemento central da identidade própria do iMi Kollektief. E assim se cria imprevisibilidade: com as mesmas ferramentas de sempre, há que buscar formas alternativas de dizer, tanto o que se acaba de inventar, como o que já foi tocado antes. Nesta medida, o IMI, imitando-se a si próprio, consegue explodir de alegria e entusiasmo frente ao público. Melhor: sabe comunicar esses estados de alma à assistência. Como disse Charles Chaplin, «A arte não é um estudo. É beleza que suscita o entusiasmo e a simpatia. É simplesmente uma questão de sentimento». Alguém duvida?
iMi Kollektief no Hot Clube de Portugal, 7.12.2005 (fotos She-Lab, de João Leirão).

 


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