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25.10.05
  Conversa inacabada com Frode Gjerstad

Em 2003, antecipando a vinda de Frode Gjerstad a Portugal, para tocar no Jazz ao Centro - Encontros Internacionais de Jazz de Coimbra, Hernâni Faustino conversou com o saxofonista/clarinetista norueguês. A certa altura a conversa foi interrompida. Frode Gjerstad preparava-se para entrar em digressão.

Hernâni Faustino - Como é que surgiu o teu interesse pelo jazz e a opção pelo saxofone?
Frode Gjerstad - Por volta dos meus 10 anos de idade, o meu pai comprou um gira‑discos para mim e para a minha irmã. Naquela altura havia imensos discos de 78 rotações com tangos, polkas e EPs da história do Benny Goodman, tirados do filme sobre a banda de Goodman. Essa música era completamente nova para mim, eu era uma criança e não percebia praticamente nada de música, mas estas novas sonoridades produziram em mim enorme fascínio. Primeiro porque era uma música alegre e cheia de energia e isso era algo que eu nunca tinha ouvido; depois existia nela uma sensação de liberdade...eram músicos excepcionais e com um dom especial que lhes permitia tocarem juntos de forma espontânea.
Por esta altura comecei a tocar corneta numa marching band da minha escola, eu gostava muito e tentava tocar como o Harry James, que era o trompetista que eu ouvia nos EPs do Goodman. Um dia, durante um ensaio, o director ausentou-se durante uns minutos e eu sugeri que devíamos fazer uma jam, os meus colegas perguntaram o que isso era e como se fazia, eu respondi "tocamos todos juntos...."; é claro que o resultado não foi grande coisa, o que me deixou algo desapontado... nunca me tinha ocorrido que era necessário aprender algumas regras.
Mais tarde descobri que existia um programa de rádio que todas as quartas-feiras passava jazz. Foi lá que pela primeira vez ouvi, Don Byas, Lester Young, Coleman Hawkins, Louis Armstrong, etc, bem como Eric Dolphy, que tocava flauta como um pássaro. Todos estes músicos possuíam a energia e a alegria que tinha escutado pela primeira vez na banda de Goodman, e tinha a certeza absoluta de que eles sabiam algo que eu desconhecia.
Toquei corneta até aos meus 15 anos, fase em que ouvi os Beatles. Por esta altura, uns amigos convidaram-me para tocar numa banda de rock. Eu seria o guitarrista! A minha abordagem era improvisar, mas deparei com um problema: o outro guitarrista fazia os acordes e eu senti que não existia a ligação entre os acordes e os meus solos. Demorou algum tempo até descobrir a forma de interligação musical entre as duas guitarras, embora naquela época sentisse que não era o caminho. O mais importante era tocar através do coração e dos sentimentos.
Durante uma tarde assisti na TV a um concerto do trio de Ornette Coleman no Golden Circle. Ornette tocou violino como um louco e deixou-me cheio de interrogações. Na altura, eu desconhecia-o totalmente. Mais tarde descobri a sua importância para a música, a sua convicção e intensidade eram fantásticas, era algo novo que produziu em mim uma enorme influência. Música integralmente baseada em emoções.
Ouvi também o quarteto de Gerry Mulligan com Art Farmer, o que me deixou completamente KO!
O saxofone tornou-se uma prioridade, mas os meus pais não me deixaram comprar um, porque eu não sabia tocar.
Decidi deixar a banda de rock onde estive durante dois anos, e comecei a estudar jazz. Peguei na corneta e desatei a praticar com os LPs de Miles, Cannonball, Coltrane, Monk, Dizzy, Ellington, Latteef.
Aos 21 anos comecei a tocar com uma banda de blues. A secção de metais era constituída por um trompete e um saxofone. Um dia o saxofonista desistiu e os outros membros da banda convidaram-me a sair, a não ser que quisesse tocar saxofone, o que aceitei de imediato.
HF – Como é que conheceste John Stevens?
FG – Conheci o John em 1978, durante um concerto em Londres. Conversámos um pouco e ele deu-me o seu número de telefone. Tinha lido várias entrevistas suas e senti alguma cumplicidade com as concepções musicais dele. No final de 1981, tinha uma sessão com o meu amigo e pianista Eivin One Pedersen, mas por alguma razão faltava-nos uma baterista. Foi então que me lembrei: porque não tentar tocar com um baterista autêntico? O primeiro nome que me veio à cabeça foi o de John Stevens. Telefonei-lhe e ele veio. Ensaiámos e tocámos, e eu senti-me tão livre e recebi tanta energia em tocar com o John, que tive alguma dificuldade em assentar no final do concerto. O John ficou em minha casa, falámos, bebemos durante toda a noite, ele tinha um sentido de humor ao qual eu não estava habituado, tinha sempre respostas engraçadas. Durante a conversa sugeriu-me o nome de Johnny Dyani, o seu contrabaixista favorito, para a formação de um quarteto. Fizemos a primeira digressão com o grupo Detail, já com o Jonnhy. Em Março de 1982, tocámos no Molde Festival, e no final do ano o pianista desistiu. Isto aconteceu no fim da digressão, na véspera da nossa primeira gravação.
Quando fomos para estúdio senti-me mais livre, a ausência do piano tornou-se um alívio para mim. O primeiro disco que gravamos foi Backwards and Forwards, para a label Impetus. A DownBeat deu-lhe 4 estrelas, o que foi bom para uma estreia discográfica. Mais tarde editámos, também na Impetus, o último concerto do trio com o Johnny Dyani, gravado em Oslo com o nome Ness. Alguns meses antes da morte de Dyani, em 1986, fizemos uma digressão em Inglaterra com o trompetista Bobby Bradford. Durante este período o trio contou com a colaboração de músicos importantes: Paul Rutheford, Barry Guy, Dudu Pukwana, Evan Parker, Harry Beckett, etc. Desta forma, e através do John, consegui conhecer músicos incríveis e absorver muito da sua capacidade como músico. Ficámos grandes amigos.
HF – Achas que o John Stevens foi importante para o teu desenvolvimento como músico criativo?
FG – Acho que o John plantou em mim uma semente que continua a crescer. Ele era um homem generoso e não tinha problemas em transmitir todos os seus conceitos. Muitos músicos guardam segredos para eles próprios; o John partilhava, não era nada académico, possuía uma forma muito humana de ver a música. A maior parte da minha música é baseada na colaboração que tive com o John, embora nos dias de hoje isso já não seja assim tão óbvio. Mas eu continuo a sentir a sua presença – foram 13 anos de colaboração que perdurarão para sempre na minha memória. Por outro lado, John apresentou-me a muitos músicos ingleses, com os quais tive o privilégio de tocar.
HF – Qual é a tua opinião sobre os improvisadores britânicos?
FG – Tive a oportunidade de contactar com eles através do John, mas penso que a minha forma de tocar foi pouco influenciada pela cena britânica. A abordagem do John no Detail era muito diferente do que ele fazia com o Spontaneous Music Ensemble, qualquer coisa entre o jazz e o free. Este é um dos problemas da actualidade, porque a minha música é demasiado jazz para as pessoas que estão mais relacionadas com a música improvisada, e demasiado improvisada para as pessoas que estão mais ligadas ao jazz.
HF – Os teus trios tocam uma música com forte ligação às raízes afro-americanas. Sentes-te mais confortável a tocar nessa área?
FG- Sinto-me bem com isso. Eu gosto do jazz como ele é. Nunca poderei tocar o verdadeiro jazz da forma que os músicos de jazz o fazem, mas adoro incluir alguns elementos do jazz na minha música. A tradição é muito rica e cheia de oportunidades. Quando toco com músicos americanos, sinto claramente que sou europeu. Eles possuem uma formação diferente, o que lhes permite tocar de outra forma. No entanto, estas ligações dão frutos, que nascem das nossas diferenças.
HF – Durante anos tocaste em trios. É este o teu formato de eleição?
FG – Para ter um trio a funcionar tenho que me sentir muito forte e positivo, porque é necessário muita energia para que o todo funcione bem. Detail foi o meu primeiro trio, com o qual tive momentos fantásticos. De uma forma geral, os trios têm sido tentativas de recriar toda a criatividade que existia com o Detail, mas com personalidades diferentes e características muito fortes. Tive muito prazer em tocar com todos eles. Actualmente, toco e ensaio bastante com o baterista Paal Nilsen-Love e com o contrabaixista Storsund. Às vezes, Peter Brötzmann junta-se a nós, o que nos enche de contentamento. Gostaria de ter outros músicos a tocar com o trio, mas não vou forçar nada, gosto que as coisas aconteçam naturalmente. Ter outra personalidade é bom para revitalizar o trio.
HF – Em 1984 gravaste um dueto com o John Stevens. Pensas em voltar a gravar um dueto com outro baterista?
FG – Em tempos gravei um dueto com o baterista norueguês Terje Isungset, que tem um som muito especial, e outro com o percussionista Steve Hubback, ambos editados pela FMR Records. Recentemente gravei um dueto com o Nilssen-Love.

 


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