A ler no PÚBLICO de hoje, 9 de Agosto, o comentário crítico de Rui Horta Santos sobre a primeira parte do JAZZ EM AGOSTO 2005: «Dois conceitos de modernidade em contraste na Gulbenkian»:
«Os sons mais radicais no festival Jazz em Agosto»
O festival Jazz em Agosto continua fiel ao seu princípio orientador e volta a exibir propostas onde a mudança se revela como valor intrínseco do jazz de vanguarda. Entre hoje, com a Globe Unity Orchestra, e 13 de Agosto, o festival organizado pelo Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, procura dar, com 17 concertos, um olhar abrangente sobre aquilo que é a modernidade do jazz, apresentando a vanguarda mais estabelecida, e os sons mais radicais da actualidade.
A divisão do evento em duas partes corresponde à diferenciação entre o free mais "purista", predominantemente acústico, e aquele no qual a contaminação de tendências exógenas é mais evidente, com o aparecimento do computador e a possibilidade do processamento electrónico em tempo real.Mas, apesar desta aparente clivagem, a diferença em termos estritamente sonoros não é tão acentuada como poderia parecer à partida. A semelhança reside no facto de todos os músicos presentes explorarem os limites dos seus instrumentos, sejam eles acústicos ou digitais.
Quando o saxofonista Evan Parker, que hoje vai tocar na Globe Unity Orchestra, às 21h30 no anfiteatro ao ar livre, usa a técnica de respiração circular, permitindo um fluxo contínuo de ar e uma sonoridade ininterrupta, extravasando as possibilidades da técnica tradicional, consegue um efeito sonoro final próximo dos sons artificialmente sintetizados por máquinas. O que importa aqui não é o meio, mas sim o resultado final. Nessa proximidade com os instrumentos acústicos, estará em grande destaque a Globe Unity Orquestra.A orquestra, reunida após um longo interregno, é liderada por um dos grandes propulsionadores da música improvisada europeia: o pianista Alexander von Schlippenbach, que actuará ainda em trio com o saxofonista Evan Parker e o baterista Paul Lovens (amanhã às 18h30 no grande auditório). Em complemento à velha vanguarda surgem dois grupos da nova geração que pesquisam uma linguagem próxima dos mestres: os Atomic (domingo no anfiteatro ao ar livre), e o duo Jean-Marc Foltz e Bruno Chevillon (hoje às 15h30 na sala polivalente), cujo primeiro registo foi lançado há dias pela editora portuguesa Clean Feed.
Os Atomic surgem como reacção à estética predominante dos anos 70, com o aparecimento da editora ECM, onde ecos e reverberações acentuadas pautavam uma nova estética. Os Atomic preferem a comunicação imediata com o público onde os ritmos groovy, o free ou mesmo o rock actual fazem parte da sua música. A abordagem de Foltz e Chevillon reverte directamente para a abstracção, característica do free.
Um outro projecto: o trio de trompetes Jean Luc Cappozzo, Axel Dörner e Herb Robertson (domingo, às 15h30, na sala polivalente), em estreia absoluta, demonstrará como são vastas as possibilidades dos instrumentos não contaminados pela inevitabilidade da era digital. Programa para "solidificar audiências"Na segunda metade do festival (entre o dia 10 e o dia 13) a tónica será dada pela ausência de qualquer preconceito, onde a promiscuidade de estilos e técnicas será uma constante. Cabe à parceria de dois conjuntos, um trio fortemente equipado com electrónica e um quarteto clássico de cordas, fazer a transição entre as duas partes.
A prova de que o uso da electrónica não é um atributo das novas gerações estará presente na técnica de Mark Dresser (dia 11), que ao longo dos anos tem vindo a artilhar o seu instrumento com um sem fim de sensores, possibilitando a extracção de sons das partes mais insuspeitas do contrabaixo.
A atitude mais radical ficará a cargo do trio suíço composto por Hans Koch, Martin Schütz e Fredy Studer (dia 12), onde sopros, violoncelo e bateria serão fortemente condimentados com o beat das máquinas.
Com uma média de 7 a 8 mil espectadores por edição, Rui Neves, comissário e orientador estético do evento, diz: "[Com este programa] quisemos solidificar as nossa audiências convidando alguns músicos que já haviam actuado em edições desde 2000 e em projectos novos e inéditos entre nós."»
Amanhã, quarta-feira 10 de Agosto, prossegue o festival com a actuação do grupo franco-dinamarquês Sound of Choice + IXI String Quartet, no anfiteatro ao ar livre da Fundação Gulbenkian.
Hasse Poulsen (guitarra eléctrica), Fredrik Lundin (sax tenor, flauta, electrónica), Lars Juul (bateria, electrónica), Regis Huby (violino), Iréne Lecoq (violino), Guillaume Roy (viola), Alain Grange (violoncelo).
«Revelação no Festival Banlieues Bleues 2004 de Paris, esta associação de um Trio da Dinamarca com um Quarteto de cordas de França pouco ortodoxo e constituído por improvisadores de grande mérito assume novas possibilidades e, no seu caso, efectivas concretizações de junção de universos aparentemente antagónicos, concedendo generosos espaços de intervenção aos seus solistas e nunca traíndo um espírito colectivo de grande poder».