Sou grande admirador da música e do estilo de tocar guitarra eléctrica de Scott Fields, conheço-lhe razoavelmente a obra gravada, mas nunca tinha ouvido falar de 96 Gestures, do Scott Fields Ensemble. Vim a saber que, devido a problemas de distribuição, o disco passou despercebido a muita gente. Há dias topei com ele e após recomendação de um amigo, decidi-me pela aquisição. A edição, de 2001, é da norte americana Composers Recordigns, Inc. (CRI), e entrou finalmente no circuito de distribuição porque a editora 482 Music adquiriu os direitos de edição sobre a obra. Assim, antes de uma reedição, resolveu colocar no mercado os stocks existentes a um preço promocional. A cópia que me coube custou € 25, o que é um bom preço para um disco triplo, obra com mais de 3 horas de música. E que obra! Uma única peça musical por disco, com a duração de 68, 66 e 62 minutos, respectivamente. Scott Fields escreveu a música e toca guitarra. Convidou Stephen Dembski para dirigir a pequena orquestra. Além de Fields, convocou um conjunto de 11 músicos escolhidos a dedo, todos eles improvisadores de primeira categoria: Joseph Jarman, sax alto e flauta, François Houle, clarinete, Myra Melford, piano, Rob Mazurek, corneta, Carrie Biolo, vibrafone, Robbie Lynn Hunsinger, oboé e trompa, Matt Turner, violoncelo, Jason Reobke e Hans Sturm, contrabaixos, e Damon Short e Dylan Van Der Schyff, bateria.
Quanto à estrutura, as peças organizam-se em blocos de composição, unidos pelo cimento agregador da improvisação. Os 96 Gestures do título designam os temas dentro de cada bloco, que se vão justapondo no tempo e no espaço em diferentes combinações de cores, formas e texturas. Cada disco funciona como um interpretação diferente e autónoma do mesmo material, em perpétuo movimento, formando um imenso drone onde sobressaem saliências e rugosidades. Interessante, não?! Sem dúvida, e os resultados são altamente estimulantes, porque, além da composição e do amplo espaço para os solos de todos os intervenientes, há nesta música de Scott Fields sinais de outras grandes manifestações do género, como os de John Zorn (Game Pieces), Vinny Golia (Large Ensemble), Jeff Kaiser (Ockodektet), Lawrence "Butch" Morris (Conduction) e de Anthony Braxton (Ghost Trance Music), expoentes da chamada new music, que funde jazz e improv com a música contemporânea. Por exemplo, a abertura do primeiro disco trás imediatamente ao imaginário as aventuras de Braxton com a GTM, reconhecíveis nas voltas do movimento sincopado e na repetição de melodias e contra-melodias em movimento ascendente e descendente. Por seu turno, o grande final do disco 3 tem Zorn na lembrança. Por tudo isto e, sobretudo, pela qualidade verdadeiramente excepcional da música nele contida, não posso deixar de recomendar 96 Gestures a quem se interesse pelo lado mais luxuriante e sofisticado da moderna improvisação e se abalance sem temor a ouvir concentradamente peças de hora inteira. Com treino não custa nada. O meu leitor de CD's não quer outra coisa e eu faço-lhe a vontade.
Scott Fields Ensemble - 96 Gestures (CRI)