Demora um nadinha a arrancar, mas quando o faz até levanta as pedras da calçada de New Orleans (Contemporary Arts Center) e de Seattle (Asian Arts Museum), dois dos locais em que o trio de Evan Parker, Alexander von Schlippenbach e Paul Lytton actuou, aquando da mais recente digressão pelos Estados Unidos da América. Estatisticamente falando, foram 30 dias de viagem a percorrer 22 Estados da União, 18 concertos, 40 horas de gravações. Que equipa! Que música! Esta particular combinação dos três artistas aconteceu inesperadamente. Barry Guy, o contrabaixista, não podendo participar na digressão do trio Parker/Guy/Lytton, acabou por ser substituído à última da hora por Schlippenbach. Assim nasceu um trio ad-hoc, híbrido dos dois outros em que Evan Parker participa, o Parker/Guy/Lytton e o Schllipenbach Trio, um tertium genus suficientemente plástico e versátil para, buscando elementos estéticos de uma e de outra daquelas formações, permitir encontrar renovados sentidos para a improvisação colectiva e individual. Neste último sentido, destacaria um solo de saxofone soprano, em que se ouve Parker às voltas com a técnica da respiração circular (que nele é mais estética do que apenas técnica, tão bem assimilada foi no contínuo musical) e outro de Schlippenbach, de influência predominantemente monkiana, criando espaço para as delicatessen que constituem os duetos de Parker-Lytton e de Schlippenbach-Lytton.
Neste fantástico duplo CD da Psi Records, Evan Parker exibe toda a panóplia de recursos, efeitos e registos dos saxofones, expressos tanto nas explosões furiosas como no lirismo carregado de emoção intelectual, cabeça e coração a funcionar a um só tempo, controlo absoluto sobre o som. O piano de Alex Schlippenbach, diversamente do que faz no trio com Parker e Paul Lovens, corre mais por dentro do jazz, vibrante de energia comunicacional, partilhada com a inventividade da percussão multi-polar de Paul Lytton – pratos, tambores e toda a sorte de artefactos de madeira, plástico e metal que fazem parte do aparelho percussivo.
Duas grandiosas horas de jazz e free music pela mão dos mestres, à conquista da América. O melhor de dois hemisférios, cujo meridiano principal é Evan Parker.
Evan Parker/Alexander von Schlippenbach/Paul Lytton - America 2003 (Psi Records)