Whit Dickey é um baterista free de muito bom gosto. Ouvi-o pela primeira vez em 1998, a liderar o trio com que gravou Transonic para a AUM Fidelity (Rob Brown e Chris Lightcap). Depois disso, fui no seu encalço até ao David S. Ware Quartet, formação que ao logo da sua existência conheceu outros três grandes bateristas, além Dickey: Marc Edwards, Susie Ibarra e Guillermo E. Brown. Dos três, Whit Dickey foi o que melhor serviu a construção do som de David S. Ware, expoente do free jazz da era pós‑Coltrane. Coalescence devolve-nos mestre Dickey à frente de um combo energético, que inclui o repetente Rob Brown, saxofonista alto de algumas das mais importantes formações de Nova Iorque, com destaque para a Little Huey Creative Music Orchestra, de William Parker. Brown possui o timbre de saxofone alto que mais aprecio; por variadas razões, entre as quais a sugestão ornettiana, o estilo acutilante que já se notava na primeira gravação de Dickey, os característicos espaços curtos entre notas, a "queima" muito viva. Por outro lado, o alto de Brown casa bem com a trompete de Roy Campbell, claramente o rei desta festa, que faz as principais despezas da improvisação e ainda impulsiona o quarteto para os melhores momentos de improvisação colectiva. Joe Morris chegou há pouco tempo ao contrabaixo, vindo da guitarra. Surpreendentemente ou não, em pouco tempo parece ter‑se posto a par das evoluções mais recentes da técnica do instrumento. Está a fazer o seu caminho com a segurança que lhe garantirá o pleno estatuto de contrabaixista da cena de nova-iorquina, ao nível de músicos veteranos que nunca conheceram outro instrumento.
Conceptualmente, não há em Coalecence nada de particularmente novo ou sequer muito recente. Nem é isso que aqui importa. O que se ouve é free jazz da segunda ou terceira gerações, que rescende a bop (freebop, assim se convencionou chamar ao resultado) com um swing fora do comum. As quatro composições de Dickey (Mojo Rising, Coalescence 1, Steam e Coalescence 2) são de construção simples e estrutura aberta. À enunciação dos temas, meras sugestões melódicas muito breves, seguem-se amplos espaços para a improvisação individual e colectiva.
Com Coalescence, Whit Dickey consegue simultaneamente homenagear o passado, por referência expressa ou indirecta aos estilos de composição e improvisação de Ornette e de Monk, e criar uma obra que se abre para o futuro do free jazz, por muito que lhe atestem o óbito. Bem vivo, Coalescence é um disco sólido e de boa manufactura, que deixa agradável e duradoura impressão.
Whit Dickey Quartet - Coalescence (Clean Feed)
Whit Dickey e Rob Brown © Peter Gannushkin