Disco recente do guitarrista americano Bruce Eisenbeil, Inner Constellation (Volume One), na NEMU Records. Com Bruce Eisenbeil (guitarra acústica e eléctrica), Jean Cook (violino), Nate Wooley (trompete), Aaron Ali Shaikh (saxofone alto), Tom Abbs (contrabaixo) e Nasheet Waits (bateria). Em 2001, Bruce Eisenbeil, Jean Cook e Aaron Ali Sheik passaram uma temporada a tocar num ensemble dirigido por Cecil Taylor. Essa passagem pelas hostes de Taylor levou Eisenbeil a interessar-me particularmente pelo trabalho que o grupo de Taylor desenvolveu a partir de 1970, com Jimmy Lyons, Raphé Malik, Ramsey Ameen, Sirone e Ronald Shannon Jackson. Foi este o modelo organizacional que o guitarrista pretendeu adoptar para a explanação da sua música, seguindo inclusivamente o mesmo tipo de instrumentação, com a excepção do piano, substituído pela guitarra eléctrica. “Pensei que seria interessante observar a forma como os outros instrumentos podem servir para iluminar as cores da guitarra”, escreveu Bruce Eisenbeil nas notas à edição de Inner Constellation. Para tanto, reuniu o sexteto e desenhou um plano em que os sons foram pensados como se fossem estrelas duma imensa constelação. Tal como as estrelas, os sons, mantendo a sua posição fixa no firmamento, estabelecem entre si diferentes relações de altura, duração, intensidade e timbre, permitindo conectar pontos luminosos e desenhar figuras geométricas ou outro tipo de imagens sugestivas. A música levou dois anos a ser escrita. Seguiram-se cinco meses de trabalho prático, antes de o grupo ir para estúdio. A estratégia de Bruce Eisenbeil para a construção de Inner Constellation, estruturado como uma suite em 27 partes, com a duração total de 47 minutos, foi gizada do seguinte modo: a cada ciclo de música escrita, com enunciação do tema e desenvolvimento colectivo, segue-se a improvisação a cargo de um instrumentista, a quem é dada plena liberdade para criar dentro do enquadramento previamente definido.
Inner Constellation não tem nada de clonização do passado, seja ele de Cecil Taylor ou de qualquer outra grande marca do jazz de outros tempo. Estilisticamente, Bruce Eisenbeil posiciona-se algures entre Derek Bailey e Joe Morris. No modo rápido, ágil e sinuoso como desenvolve as frases melódicas lembra um pouco a maneira de Ornette Coleman. Eisenbeil tem voz própria e trabalho feito e publicado ao longo de uma ainda relativamente breve carreira como líder, iniciada no final da década de 90 com Nine Wings (1997), a que se seguiram Mural (1999), Opium (2001) e Ashes (2002). Antes disso, estudou com grandes mestres, como Joe Pass e Dennis Sandole (também professor de John Coltrane e de Pat Martino) e tocou em variadas formações dirigidas por nomes como Milford Graves, Andrew Cyrille, David Murray, William Parker, Ellery Eskelin ou Gregg Bendian. A preencher o restante o tempo útil, o disco inclui três pequenas peças (Rain in the Face, Cues to the Vagabond e Receding Storm) que não diferem muito das precedentes e bem podiam integrar a suite. Tal como no corpo principal, as progressões são desenvolvidas em plano horizontal, cruzadas pela marcação vertical dos acordes, como texturas estratificadas que facilitam a expressão individual. Do mesmo modo, os riffs de guitarra eléctrica sobrepõem-se ocasionalmente à massa estratificada de texturas sonoras, que ora atingem o limite da saturação, ora se tornam tão finas e planas que quase se desintegram. Exemplo perene de como as secções escritas e improvisadas se imbricam de forma flexível e homogénea. Jazz progressivo fora do comum, Inner Constellation é dos que exige atenção concentrada para melhor fruição.