Burning Cloud (FMP CD77) com Butch Morris, corneta; Lê Quan Ninh, percussão; e J.A. Deane, trombone, flauta e electrónica. Gravado extra-programa numa daquelas sessões que decorrem a latere do evento principal, neste caso, do festival Total Music Meeting, de Berlim, edição de 1993 de um grande acontecimento que se realiza desde 1968. Os três movimentos do disco, Ozone Burning Red (19'16); Ozone Burning Blue (18'27); e Ozone Burning Yellow (16'48), vêm creditados a favor do trompetista como tendo sido por ele compostos. Porém, a sensação que se tem é que a acepção aqui usada será talvez a da conduction, que Lawrence D. “Butch” Morris habitualmente pratica em directo, orientando os músicos através de um sinalética particular por si inventada para conduzir o set, que, neste caso, mais parece totalmente improvisado. A verdade é que não se consegue distinguir um único movimento pré-delineado, um qualquer indício que possa fazer pensar numa escrita anterior ao momento da criação. O que há é um sábio uso do tempo, uma hábil acomodação espacial, e a mais eficiente gestão das oportunidades de entrada e saída dos membros do trio, aspectos que fazem supor uma mãozinha invisível, mas orientadora, de Morris, a puxar pelo melhor dos companheiros. Lê Quan Ninh, percute tudo o que lhe vem à mão, desde que acrescente valor à incrível variedade de sons que produz (inesquecível, o recital de percussão solo que deu no Jazz em Agosto, da Fundação Gulbenkian, em 2006), recursos que o franco-vietnamita aplica na criação das suas sinfonias de pele, madeira e metal (sobretudo este último, via folhas de metal, címbalos, sinos, placas afagadas com arco, gongs, etc.), num raro equilíbrio de texturas, timbres e intensa exploração dinâmica, que fazem de Ninh um dos maiores percussionistas improvisadores da actualidade. Nada do que é convencional e previsível no jazz tem a ver com a sua postura e atitude criativa. E os resultados fazem-se sentir. J.A. Deane adapta os circuitos electrónicos a esta particular situação de trio, privilegiando, a par do processamento sonoro em tempo real, a criação de drones, épicos sussurrados de ficção científica, criadores de drama e suspense. É nestes jogos de luz e sombra que assentam todos os impulsos sonoros, com interessante contrapeso no uso da flauta e do trombone em diálogo permanente com a corneta de Butch Morris, sem tiros para o ar nem exuberâncias exibicionistas, numa conseguida interligação entre as três fontes. Pelo-me por isto.