Sou grande admirador do trabalho do saxofonista Ivo Perelman, que desde há uns anos tem vindo a combinar luz e som nas telas e nos discos, enquanto manifestações exteriores de uma mesma energia que lhe vem de dentro. “As minhas mãos ouvem música enquanto pintam formas dançantes, cores que cantam, ritmos vivos que se desenvolvem. Sinfonia de linhas e curvas, som de tudo o que vejo, imagens das harmonias que ouço”, diz Perelman a propósito da mais recente edição da Cadence Jazz Records (1198), Soul Calling, disco em duo com o contrabaixista Dominic Duval, um live in studio gravado em Nova Iorque no ano 2000. Nove composições creditadas a Ivo, das quais duas (7 Octaves, 7 Days e Mingmen) são breves solos de saxofone tenor e contrabaixo, respectivamente.
No geral, o saxofonista brasileiro faz ampla utilização da gama de registos médios e agudos, dir-se ia a sua marca de água, utilizando um tipo de progressão mais lento que o habitual, por comparação com a ousadia das saídas em trio ou em quarteto, dado o carácter mais essencialmente intimista, reflexivo e concentrado desta sessão. Por entre arco e pizzicato, com ou sem amplificação, Duval dá espaço e presta assistência à realização de alguns dos mais interessantes voos da carreira do pintor/músico, onde se reconhece a similitude dos traços sonoro e pictórico do artista.Quem sentiu as orelhas a queimar com a fúria abrasiva e chamejante de alguns dos anteriores discos do jazz and canvas colorist, tem aqui uma boa oportunidade de o ouvir em estado de quase contemplação, fruto da paz interior que diz ter encontrado na sua jornada através da pintura, na procura do que designa por universal vocabulary of gesture.
Soul Calling é uma hora e tal do mais sincero e tranquilo Ivo, o que nele é sempre sinónimo de inquietação com a vida e com a arte.