Não é de agora. Há muito que a crítica de jazz no Expresso é pobre, tanto nas escolhas como na análise. Há mais de 25 anos que assim é. Envergonha e diminui que um jornal de referência com a responsabilidade do Expresso não tenha nunca conseguido elevar-se a altos padrões de qualidade na análise, como lhe é exigível. Os críticos que ao longo dos anos têm escrito no Expresso sobre outros géneros musicais, como a clássica e o pop/rock, por exemplo, melhor ou pior, souberam quase sempre interpretar o momento presente e apreender os sinais do futuro, abrir as portas aos novos sons e sobre eles informar o público nas colunas que assinaram e continuam a assinar. O Jazz, desde sempre o parente pobre da crítica do jornal, nunca mereceu melhor que a superficialidade corriqueira com que, semana após semana, Raúl Vaz Bernardo criticou ou referenciou os discos que lhe foram chegando à mão. Veja-se a edição de hoje, 14 de Janeiro. RVB, num texto inserido no suplemento Actual, a fls. 37, procura demoradamente justificar-se pelo facto de não ter incluído certos títulos no seu balanço de “melhores do ano”. Desde logo, não se percebe porquê tanta relevância dada a este mea culpa de RVB, mas há critérios jornalísticos que a razão desconhece. No fundo, o que preocupa RVB é que a sua lista apenas em “mais de 50%” tenha coincidido com as da imprensa internacional da especialidade, problema que o deixou “consternado”, na medida em que os outros 50% de títulos das listas estrangeiras, sendo seus conhecidos, helàs... por causa de tão apertado critério, não puderam entrar na dança. Não se faz.
Antes disso, diz o histórico que na elaboração da sua lista dos melhores do ano, segundo o critério auto-imposto, atende exclusivamente à disponibilidade dos títulos no mercado nacional, para – segundo refere – assim evitar cair “num certo elitismo”, que seria incluir discos que o “comum dos leitores” não encontraria nas lojas portuguesas. E mais: acrescenta à sua penosa justificação o facto de não incluir outros títulos, estes sim, disponíveis no mercado nacional, porque (pasme-se...) as distribuidoras em questão, alegadamente, importariam poucos exemplares desses mesmos discos. Por esta razão, interroga-se o auto-amputado crítico, em que medida tais discos, sendo escassos em quantidade (quantos seriam necessários para Bernardo se satisfazer?), deveriam ainda assim ser criticados no Expresso e qualificarem-se para o best of bernardino? Vexata quaestio...
É espantoso, não é? Uma única virtude encontro em tão despropositado texto: finalmente fica-se a saber a razão por que Bernardo não escreve uma linha sobre outro jazz que não o mesmo de sempre; por que não se atreve a mostrar o tão diversificado que de novo se faz por esse mundo fora (desde que não seja importado em quantidades que não diz quais, não existe, de acordo com o seu critério), etc. É que o crítico institucional do Expresso vota ao absoluto desprezo tudo o que, qualidade à parte, seja minoritário, não distribuído cá na terrinha, ou que, sendo-o embora por distribuidoras que trabalhem catálogos de importação (há poucas mas muito boas em Portugal, felizmente), não entre pelas portas do Expresso adentro, grátis e à pázada, de preferência.
E que dizer do paternalismo descabido relativamente aos leitores do jornal, ao partir do princípio que “o comum” não sabe usar a internet para encontrar no mercado global os títulos que lhe interessem?! Provavelmente, os leitores estarão à espera que RVB lhes explique como se faz.
Há quem se sinta insultado com o que RVB escreveu, como é o caso de um amigo que me fez chegar um mail alusivo. No mínimo, envergonha que um jornal como o Expresso se conforme com estas justificações de “trazer por casa” e se continue a demitir das suas reais responsabilidades informativas (e formativas) do público a que se dirige, e que merece ser tratado com mais dignidade, respeito e consideração.
Não sei como é que o editor do Actual autoriza tamanha exibição de provincianismo, mas, vamos lá, com um pequeno esforço a gente acaba por perceber. Haveria que arrepiar caminho?