«Se Frank Zappa fez com que os adeptos do rock ouvissem jazz e música contemporânea e pôs os amantes de Ornette Coleman e de Varése a bater o pé com “Overnight Sensation”, John Zorn, um seu continuador no que às colagens de géneros e estilos diz respeito, conseguiu ainda maior proeza com os Naked City: levou os “headbangers” do speed e do death metal a ouvirem be bop e free jazz e os amantes destes a verificarem que na música binária o virtuosismo instrumental pode ser uma condição e uma necessidade. Os anos 1990 muito devem a este saxofonista e compositor que procurou aplicar a vertigem e a velocidade da música para desenhos animados em tipos de abordagem que procuraram reflectir o “short attention span” próprio da vida urbana contemporânea, sendo os seus Naked City a melhor expressão desse propósito. A caixa “Complete Studio Recordings” reúne todos os discos de estúdio do sexteto, o equivalente a cinco horas e meia de audição – “Naked City”, “Torture Garden”, “Heretic”, “Grand Guignol”, “Leng Tch’e”, “Radio” e “Absinthe” –, mas não tal como eles foram originalmente lançados: remisturou-os, alterou-lhes pequenos e grandes pormenores, puxou-lhes o som para cima, remasterizou-os, trocou a ordem das faixas. Nas próprias palavras de Zorn, estes são os Naked City “como sempre deveriam ter sido ouvidos”. Enquanto bónus, surge uma longa versão de “Grand Guignol” com a voz de Mike Patton (Fantômas, ex-Mr.Bungle e ex-Faith No More). Juntamente vem um livro com as imagens e os grafismos das edições originais, fotos do grupo e pequenos textos dos seus elementos (Fred Frith, Bill Frisell, Wayne Horvitz, Joey Baron, Yamatsuka Eye ou Patton além do líder) e de outros nomes da música dos nossos dias que têm acompanhado a saga desta emblemática figura da cena “downtown” de Nova Iorque, como Sean Lennon, Otomo Yoshihide, Eyvind Kang, Mick Harris e Marc Ribot. Das miniaturas em forma de grito ouvidas em “Naked City” e “Grand Guignol” (que juntas deram origem ao álbum “Torture Garden”, publicado no Japão) às interpretações de autores “clássicos” contemporâneos também em “Grand Guignol”, passando por situações de “lounge music”, rhythm and blues, jazz harmolódico, bluegrass, punk-funk e o mais que se possa imaginar espalhadas por todos estes títulos, está aqui muito do melhor que o último “fin de siécle” teve para dar». - Rui Eduardo Paes
Naked City - Complete Studio Recordings (Tzadik/AnAnAnA)