Acts of Love. Borah Bergman, piano; Lol Coxhill, saxofone soprano; Paul Hession, bateria, encontram-se e sai faísca. O tanto que são (re)conhecidos no meio improv da escola britânica, diz-nos da dimensão musical dos dois últimos. O primeiro, perto dos 80 anos, é um dos maiores pianistas da improvisação livre da escola americana pós-Taylor. Partindo da idiossincrasia de cada um, o que verdadeiramente importa em Acts of Love é o sentido de unidade que o trio confere a um conjunto de 10 composições, arrumadas sequencialmente de 101 a 110. Borah Bergman é um prodigioso tecnicista, famoso, entre outras razões, porque nele o papel diferenciado da mão esquerda e da mão direita esbate-se por completo. Esta técnica, que Bergman apurou ao logo de décadas de trabalho, permite-lhe tocar com máxima precisão e detalhe diferentes frases em simultâneo, com total independência de mãos. Mais que o malabarismo técnico, releva o efeito resultante do assincronismo e da execução de frases melódicas que em paralelo se desenvolvem, sobrepondo ondas sonoras, que em contraponto se entrechocam e desenrolam ao sabor da estonteante velocidade de pensamento do pianista. O efeito cinético é espantoso e custa a crer que ambos os lados do teclado tenham sido tocados, não em directo e simultâneo, mas em momentos diferentes, por pianistas diferentes, algures entre o vulcão e o iceberg.
Lol Coxhill, a par de Steve Lacy, Evan Parker, Anthony Braxton e Roscoe Mitchell, é um dos grandes especialistas mundiais da complexa disciplina da improvisação em saxofone soprano. Possuidor de fino sentido melódico e de uma tonalidade personalizada que o diferencia dos seus distintos pares, Coxhill tanto trabalha com pézinhos de lã e delicadezas de filigrana, como entra na criação de monumental massa sonora com Bergman e Hession, alturas em que a música se adensa em radical polifonia, muito por culpa das cores e texturas com que o percussionista atrai os seus parceiros para o centro da refrega.
Mesmo quando a música se espraia na aparente tranquilidade que se segue aos perigosos rápidos do rio Bergman, é inevitável a sensação tensa de que o barco voga inseguro pelo meio da bruma, para lá da qual se esconde um mistério que só em parte de se desvenda, depois de muito ouvir Acts of Love.
A calmaria das águas esconde o perigo de remoinho que está «muito para lá da expressão individual», como bem assinala Brian Morton nas notas à edição. Intenso, fulgurante e irresistível.