Um erro de interpretação recente e reincidente a que se tem assistido quando se fala dos artistas e grupos, confortavelmente rotulados como «freefolk» ou «freakfolk», é a ideia de que apareceram todos de repente, fruto de uma moda impulsionada por uma mão cheia de figuras. Como uma série de outros projectos duradouros neste campo, caso dos No-Neck Blues Band, The Tower Recordings, Charalambides ou os Sunburned Hand Of The Man, os Jackie-O Motherfucker e o seu início remontam até há praticamente uma década.
Enquanto o olhar menos aprofundado à música independente se focalizava, no final dos anos 90, nas cavalgadas transcendentais dos Godspeed You! Black Emperor ou nas descargas eléctricas dos Mogwai, todos estes grupos já tinham lançado uma série de registos em editoras de menor visibilidade ou em formatos de mais pequena circulação.
Os Jackie-O Motherfucker, de várias formas, foram a primeira bandeira realmente visível de todas estas movimentações. Quando há alguns anos apareceram na capa da revista britânica The Wire, deu-se o acordar da Europa e um adensar de consciencialização nos Estados Unidos em relação a toda a exploração que estava a ser feita nesta área. O próximo passo foi realizar uma digressão da banda pela Europa com os incríveis britânicos Volcano The Bear, meses antes de outra também ela transcontinental, já de volta à América do Norte, com os ingleses Vibracathedral Orchestra e Sunroof!.
Cada álbum dos JOMF é um caso aparte, modulado por uma formação eternamente em mudança, num colectivo itinerante que funciona à volta de uma única figura central – Tom Greenwood. O que liga todos os álbums dos Jackie-O, contudo, é a união – recorrente em toda a grande arte dos Estados Unidos – entre idiomas telúricos e metafísicos. De Whitman, Kerouac, Grateful Dead aos JOMF há uma ligação quase pré-natal à terra, ao solo, mas também à viagem e à circulação e trânsito perpétuos; um nomadismo tão literal quanto espiritual. Simultaneamente coexiste, intimamente ligada a essa movimentação, uma vontade tão grandiosa quando clássica nos seus moldes, de ascender a um universo cósmico, onde as verbalizações rectas perdem a força e se entra no domínio do inominável.
Assim, de discos como o seminal «Fig. 5», a «Liberation» ou «Change», podemos ouvir espirituais, blues fracturados, canções de abandono e mágoa lado a lado com tripes comunais, coaguladas com guitarras eléctricas espaciais em peyote, tão lânguidas e planantes que se transformam em drones. Estão lá Robert Johnson e Skip James, cantares do livro da Sacred Harp e «Moonshiner», lado a lado com os Can mais estratosféricos e os Spiritualized do início, sempre lá em cima das nuvens.
Os Jackie-O Motherfucker deverão editar um novo álbum nos próximos meses pela All Tomorrow’s Parties Recordings. Deles é especulativo dizer o que se pode esperar, para lá do facto que pelo menos cinco membros vêm a caminho nesta orquestra vagabunda de guitarras, cordas, percussão variada, gira-discos e cantares. Das maiores e relevantes figuras da música independente norte-americana da última década, em estreia absoluta no nosso país.