Há umas semanas atrás, à boleia de uma pesquisa que estou a fazer sobre música de intervenção e canção de protesto e resistência, dei com o americano Centre for Political Song, da Glasgow Caledonian University, um centro de investigação que trata de estudar todas as formas de canção política e das suas implicações na vida social, política e cultural das comunidades em que se desenvolve. E canção puxa canção, tema puxa tema, fui dar quase imediatamente com a nova edição da Pax Recordings, Voices in the Wilderness: Dissenting Soundscapes and Songs of G.W.'s América. Na ressaca da frustração, ansiedade e desencanto que acometeu milhões de almas com a reeleição do tal em Novembro passado, 26 artistas norte-americanos lamberam as feridas e trataram as indigestões provocadas pelo sapo monstruoso que tiveram que engolir (a meias com muitos mais milhões pelo mundo fora, mas pronto), tiraram-se das suas próprias divisões e - há quem diga que o cowboy não tem qualquer mérito... – juntaram esforços num luto colectivo sob a forma de canção de protesto e resistência nas mais diversas formas, rock, folk, electrónica, jazz, improv, hip-hop, field recordings e recitação, que é também um apelo à consciencialização das pessoas para os perigos o belicismo desenfreado do cowboy que manda no Império.
Irmanados neste propósito de aliviar desânimo, Marcos Fernandes, Bonnie Kane, Ray Sage & Mambo Mantis, The Slow Poisoners, Neshama Alma Band, 99 Hooker, Cornelius Cardew Choir, Cheryl E. Leonard, Marina Lazzara, David Slusser, Andre Custodio, United Satanic Apache Front, Ernesto Diaz-Infante, Blaise Siwula, mJane, Merlin Coleman, Kate Thompson, Dave Tucker, Jess Rowland, Matt Hannafin, Lance Grabmiller, Dina Emerson, d.elder, Pablo St. Chaos, robert m, Phillip Greenlief, Polly Moller, Aaron Bennett & John Finkbeiner, Stephen Flinn e Famous Last Words.
Uma colagem de palavras de ordem, como «This is what Democracy Looks Like», e outras, umas mais divertidas que outras, abrem o desfile de anti-bushismo que muitos teimam em confundir com anti-americanismo.
Como seria de esperar, de um ponto de vista estritamente musical, o disco é muito rico e variado nas suas propostas e resultados, dependendo em boa parte do gosto pessoal de cada um. Globalmente, no entanto, o produto musical é de grande valia e apresenta-se coerentemente organizado. Tão bom que faz apetecer ouvir os bons velhos Pete Seger e Contry Joe and the Fish.
Voices in the Wilderness fica para a história como um interessante episódio de militância política pela paz e contra a estupidez através da música, neste início de século. Com produção de Marjorie Sturm e Ernesto Diaz-Infante, parte dos proventos da venda do disco vão para a War Resisters League. E, já agora, Give me an "F"!
Voices in the Wilderness: Dissenting Soundscapes and Songs of G.W.'s América (Pax Recordings, 2005)