Transcorrida a primeira parte do Jazz em Agosto/2007, as impressões que ficam são bastante positivas, pese embora um ou outro ponto fraco. Destaco quatro momentos. A abrir o festival, no Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, os pináculos da improvisação de Chicago, os veteranos da Association for the Advancemente of Creative Musicians (AACM), Muhal Richard Abrams, George Lewis e Roscoe Mitchell, numa das raras aparições enquanto trio, que o não tinha sido antes da Bienal de Veneza, em 2003. Tal como no CD 2005, editado pela PI Recordings. Em palco, deram nota do fascínio que sentem pelo som organizado enquanto fenómeno físico e sensorial. Em comum, as experiências musicais de três vidas, projectadas no espaço e no tempo enquanto modos convergentes de exprimir diferentes formas de comunicação. No fundo, tratou-se de dar execução prática àquilo a George Lewis chamou “manifestações de abertura e confiança”; naturalidade, empatia e entendimento dos três músicos, improvisadores da grande Escola de Chicago. Abrams, Mitchell e Lewis, sábios na arte de ouvir e conversar entre si em diferentes idiomas, sejam eles o jazz, a new music, a electrónica ou a electroacústica, puseram a mão na massa a partir uma base instrumental de piano, flautas, saxofone alto, trombone e computador. Tal como no disco de estúdio, ao vivo o processo seguiu o mesmo processo: avançada uma ideia, apresentados os seus pressupostos, seguiam-se os comentários, numa sequente cadeia de estímulos e reacções, quadros que reflectem contínuas mutações espácio-temporais, diferentes registos, texturas e variações de intensidade na escolha das soluções: um universo musical complexo na formulação e paradoxalmente simples no acto de desvendar. Pode dizer-se que o Jazz em Agosto abriu em alta.
Guionnet (saxofone alto), Jean-Sébastien Mariage (guitarra eléctrica), Edward Perraud (bateria). Deram um concerto dentro daquilo que os caracteriza enquanto grupo, ao nível do que se conhece a partir dos discos da Matchless Recordings e da For4Ears. Sem escapar ao figurino da improvisação ‘reducionista’, o HUBBUB trabalhou de forma superior a arte de saber gerir as oportunidades. Souberam destrinçar em directo quando era tempo de ouvir e de reagir, pressentir a iminência do acontecimento. Através do uso de técnicas extensivas aplicadas aos instrumentos acústicos (com sugestões de electrónica), excepção feita à guitarra eléctrica, o que o HUBBUB fez foi gerir com eficiência as mutações do drone constante, com entradas e saídas da corrente, súbitas erupções de percussão e uma eficiente gestão das dinâmicas. Deste modo assistiu-se ao progressivo crescimento da intensidade dramática, com sustentação, sem nunca perder o interesse nem a diversidade de sugestões de timbre e textura. E em baixo volume, de maneira a favorecer a lenta e gradual aglomeração das partículas sonoras, sentir a densidade a avolumar-se, em crescendo até ao breve explodir da tensão emocional. Como é característica deste tipo de improvisação, o primado foi do colectivo, com total controlo sobre o ego individual. Excelente concerto.
a) e Andi Pupato (percussão). A proposta pareceu querer apontar para um género musical inclassificável, que recolhe elementos de vários géneros e estilos, e vai beber influências predominantes ao funk e ao groove actuais, com tempero de jazz. Na prática, o que se ouviu foi um pastiche de múltiplos géneros, subgéneros e influências, montados numa plataforma lounge algo incaracterística. Sem imaginação, ao Nik Bärtsch’s Ronin sobrou em aborrecimento o que lhe faltou em capacidade de risco e atrevimento, tolhido pela frequente e maçadora repetição das figuras melódicas e rítmicas. Os melhores momentos aconteceram quando lhe deu para sugerir Weather Report, Herbie Hanckok ou Miles Davis, matéria insuficiente para evitar que o Ronin se perdesse na tentativa de encontrar a saída cósmica que tanto procurou. Como produto musical inócuo, tem potencial para servir como papel de parede sonoro, em bares, elevadores ou aeroportos.
nteressante de ouvir. Militante do groove psicadélico com pulsão muito acentuada de rock e funk, à maneira nórdica, a Crimetime Orchestra investiu energética pela noite adentro, com muitos e bons momentos de improvisação e musicalidade colectiva, jogos entre a secção de sopros, constituída por trompete, trombone e quatro saxofones) com os dois baixos eléctricos, guitarra ‘grunge’, piano eléctrico, electrónica pesada e percussão. Recursos rítmicos imaginativos e cargas de artilharia pesada intervaladas por fase etéreas, à procura da descarga momentosa seguinte, com muito rock power. Foi justamente nas pontes entre as secções melódicas, delineadas pelos sopros em uníssono, e os assaltos da improvisação, que a Crimetime Orchestra perdeu um pouco a concentração e andou aos papéis por falta de melhor ligação entre os blocos; o que a fez demorar-se a encontrar a saída e a recuperar forças para entrar de novo na rebentação caótica, com grande espavento, até deslizar para o banco de nevoeiro, de onde o monstro (Life Is a Beautiful Monster) se erguia de novo, sedento de acção. É manifesto que se a Crimetime se dá melhor com o fogo de artifício que com a dolência planante. Globalmente, despertou interesse e deu luta.