A mais recente fornada saída da
LJ Records, com cinco novas edições, impressiona pela riqueza de conteúdos e pela variedade das propostas, ainda que se possa dizer que os discos têm em comum uma linha estética dominante, dentro do que poderia designar por jazz moderno de base electroacústica.
Ove Johansson, e a parceira
Susanna Lindeborg, além de curadores da editora (as iniciais LJ), exemplo feliz de empresa gerida pelos próprios músicos, onde têm realizado um trabalho assinalável no lançamento e na divulgação de nomes importantes do jazz nórdico, também são exímios criadores musicais. Veteranos, há muito que têm vindo a deixar a sua marca no panorama do jazz europeu. E continuam a surpreender, pela capacidade de apresentar hoje algumas das propostas editoriais mais interessantes, projectos de duvidoso retorno económico, mas de sucesso artístico garantido.
O primeiro disco desta sequência reúne o duo da casa,
Susanna Lindeborg e
Ove Johansson. A dupla embrenha-se numa sequência de temas improvisados, criados a partir de uma base escrita mínima; saxofone e piano “picam-se” reciprocamente por entre trepidações e assimetrias rítmicas com origem no tratamento da electrónica em tempo real. É desta combinação que se desenvolve a estrutura dos temas. Pessoalmente, dar-me-ia melhor com um pouco menos de sintetizador, que umas vezes acrescenta
momentum, outras parece querer atravessar-se no caminho dos instrumentos acústicos, fazendo-os atrasar o passo. Seja como for, de um modo geral,
Lines é muito satisfatório e aguenta muitas audições, ao cabo das quais o sintetizador já não satura tanto a panorâmica.
O mesmo carácter inquietante e sentido de movimento contínuo vão ser reencontrados em
Like Jazz, disco do trio
Natural Artifacts. De novo o par
Ove Joahnsson e
Susanna Lindeborg, que aqui deixa a electrónica a cargo de
Per Anders Nilsson. O resultado deste entendimento a três é um set arriscado que combina free form e electro-jazz. Texturas e ritmos fracturados, de criação laptópica, provocam a execução pianística de Lindeborg e contagiam o sax tenor de Joahnsson, que se lança para criar os momentos mais intensos do disco. Três vozes individuais empenhadas em servir a expressão colectiva. Atento às diferentes formas de expressão da música contemporânea, o grupo vê no jazz, menos um género musical que uma atitude criativa. Resulta, e é isso que importa.
Com
Triolos, do
Christer Bothén Trio, o caso muda formal e substancialmente de figura. Ao clarinete baixo e cordofones de origem africana do líder, agregam-se as guitarras de David Stackenäs e o alaúde e a guitarra de Peter Söderberg Teorb. Ambos os guitarristas têm ainda um fraquinho pelo que designam por
low budget electronics, o mesmo que electrónica de trazer por casa. Muito interessante, o que este trio sueco (uma vez mais) consegue com tão invulgar instrumentação. Com arrojo e criatividade, eles pegam-se, despegam-se, seguem caminhos paralelos do jazz, world e new music, convergem numa base comum, para depois partirem nas direcções mais díspares, sem que se saiba de antemão qual vai ser o próximo passo, tanto nos solos de clarinete baixo, como nas combinações deste com as cordas. Som da surpresa, diz-se tantas vezes a despropósito em relação a certas manifestações jazzísticas, afinal tão previsíveis. Este caso é verdadeiramente surpreendente. Ouvido de ponta a ponta, o melhor elogio que se lhe pode fazer é que apetece sempre voltar ao princípio para novas viagens.
“Contemporary ethnic music from the Baltic Sea with Sten Sandell”. Assim se anuncia o novo disco do pianista sueco, um conjunto de temas no formato canção, executadas em piano, electrónica e processamento vocal. Uma das figuras cimeiras da improvisação contemporânea, Sten Sandell oferece-nos em
Music in the World of Sten Sandell um dos seus grandes momentos como pianista, o quarto a solo para a LJ Records. Hábil gestão dos contrastes claro/escuro, luz/sombra, tensão/distensão. Piano solo intimista e aberto às pequenas coisas que, estando para lá do piano, compõem o seu imaginário pessoal. Música absolutamente invulgar, “clássica” na concepção e moderna na expressão, liberta das regras formais é diferente de tudo o que se possa ouvir rotulado como piano solo e efeitos. Sten Sandell, ainda não conhecido e valorizado pelo público do jazz em geral, afirma-se solidamente como um dos grandes pianistas contemporâneos. Este
Music in the World of Sten Sandell é um passo de gigante nesse sentido.
Um dos grupos mais afamados em círculos conhecedores do que se tem passado no jazz europeu dos últimos 30 anos, é o
Mwendo Dawa. Liderado pela pianista/teclista Susanna Lindeborg, o quarteto completa-se com Ove Johansson, sax tenor e electrónica; Jimmi Roger Pedersen, baixo e laptop; e David Sundby, bateria. O quinto disco desta série LJ Records,
Live at Fasching, suporta a gravação de um concerto do grupo no clube Fasching, em Estocolmo, Suécia, em Setembro de 2005. Muito virado para exploração sonora de todo o tipo de combinações tímbricas e de cores em ambiente de improvisação sobre composições abertas, o Mwendo Dawa unifica os universos do jazz americano e europeu, aproveitando o melhor de dois mundos. Nessa medida, o grupo evoca episódios do histórico Circle, de Chick Corea, com Anthony Braxton, Dave Holland e Barry Altschul. Muito bem feito, à maneira nórdica. Distribuição em Portugal pela
Sonoridades, Porto.