Há um pouco de tudo nesta edição: do solo de contrabaixo de Children At Play, ao duo com o trombonista Radu Malfatti, passando pelo sexteto Harry Miller's Isipingo, e pelo quinteto com o holandês Willem Breuker - de uma assentada são cinco em três. Isto é, cinco LPs em três CDs - Harry Miller 1941-1983: The Collection. Harry Miller, contrabaixista e compositor, nasceu na África do Sul em 1941, e veio a falecer num acidente de viação, em 1983, na Holanda, país onde vivia ao tempo.
Como tantos outros compatriotas seus, no início da década de 60, por motivos político-socias, exilou-se em Londres, onde, durante cerca de 20 anos, marcou o jazz local, imprimindo-lhe uma nova direcção, com Chris McGregor, Dudu Pukwana, Louis Moholo, e os músicos do colectivo Brotherood Of Breath; e também com John Surman, Keith Tippett, Trevor Watts, Mark Charig, Mike Osborne e Mike Westbrook, alguns dos mais representativos músicos da época, alguns dos quais ainda em actividade.
Harry Miller, compositor e instrumentista, teve a preocupação de gravar e divulgar o seu trabalho e o das pessoas com quem tocava, sobretudo dos músicos sul-africanos que, pelas razões que facilmente se apreendem, tinham poucas oportunidades de o fazer fora de meios próprios. Razão pela qual fundou a editora Ogun, uma cooperativa com Louis Moholo, Chris McGregor, Brian Abrahams, e sua mulher Hazel Miller. Moholo e Hazel são hoje os únicos sobreviventes daquele tempo. Em 1999, a Ogun comemorou 25 anos de existência. Hazel Miller, para assinalar a data. Em memória do marido, resolveu reeditar cinco LPs gravados sob o nome de Harry Miller, 4 publicados através da Ogun e 1 pela editora holandesa VaraJazz, reunidos e apresentados em 3 CDs, ilustrados por um livreto de 28 páginas: Children At Play (1974), Family Affair (1977), Bracknell Breakdown (1978), In Conference (1978) e Down South (1983).
O disco 1, a abrir, inclui o álbum Children at Play. Harry Miller em contrabaixo solo. Trabalho diversificado com arco e pizzicato, a que soma sobreposições de flutas e percussão tocadas pelo próprio Miller. A segunda parte do disco contém Family Affair, do Harry Miller's Isipingo, o segundo LP na ordem cronológica. Além do contrabaixista, ouvem-se Marc Charig, trompete; Mike Osborne, sax alto; Malcolm Griffiths, trombone; Keith Tippett, piano; e Louis Moholo, bateria, a tocar free jazz electrizante, com ligeiro aroma afro. No disco 2 cabem Bracknell Breakdown – com Harry Miller, contrabaixo e Radu Malfatti, trombone. O disco prima por ser o de mais difícil abordagem em todo o conjunto, duas longas improvisações (The audient stood on its foot - 21.45; e Friendly Duck - 16.20) com o duo em curso de livre improvisação de matriz britânica – e In Conference, com o Harry Miller Sextet (Willem Breuker, Trevor Watts, Julie e Keith Tippett e Louis Moholo). Ênfase posta no trabalho dos saxofonistas Breuker e Wats, o disco está cheio de motivos de interesse, retomando a variante afro do jazz e livre improvisação. O disco 3, mais curtinho que os anteriores, pois alberga apenas Down South, o LP gravado para a VaraJazz pelo Harry Miller Quintet, que à data incluia Marc Charig, corneta; Wolter Wierbos, trombone; Sean Bergin, saxofones tenor, alto e soprano; e Han Bennink, bateria. Musicalmente, Miller recupera os ritmos africanos, que adiciona às influências de uma certa exuberância e colorido próprios do jazz europeu dos anos 70 e 80. Em boa hora a Ogun reeditou esta pentalogia, que bem ilustra o trabalho como líder de um dos músicos mais importantes que passou pelo Reino Unido, de cuja relevância dão devida nota os comentários e depoimentos de tantos dos que com Miller tiveram o que geralmente consideram o privilégio de com lele ter tocado e convivido, relatos publicados nas notas à edição. Uma homenagem digna a Harry Miller e, simultaneamente, uma amostra representativa da abertura à diferença do jazz britânico e do impacto que nele tiveram outras influências exógenas, para além das norte-americanas. Harry Miller 1941-1983: The Collection (Ogun)