Nem seria preciso ouvir Spiritualized, do Lisbon Improvisation Players (LIP), formação arregimentada e mantida há um bom par de anos por Rodrigo Amado, saxofonista tenor, alto e barítono (aqui apenas nos dois últimos), para, além de confirmar as anteriores boas prestações do grupo, poder-se a gente inteirar do excelente pico de forma em que se encontra o trompetista norte-americano Dennis González (Dallas, Texas), em preparos pós Silkheart, a editora sueca que nos anos 80 acolheu e publicou parte considerável da sua obra. Além de comprovar que do Texas não sai só petróleo e lixo presidenciável – bastaria pensar que é de lá que são oriundos Ornette Coleman, Booker Ervin ou Bobby Bradford (também eles cá moram...), para citar apenas três dos maiores que o jazz viu nascer –, Spiritualized (Clean Feed, 2006) encerra muitos mais motivos de interesse. Desde logo, porque faz jus ao título, ao encontrar Rodrigo Amado, Pedro Gonçalves e Bruno Pedroso (a base do LIP), mais o violoncelista alemão Ulrich Mitzlaff (preciosa adição em dois dois seis temas, que suponho serem totalmente improvisados), virados para a exploração das instâncias mais espirituais do jazz, imbuídos do espírito e imersos numa longa tradição que vem dos inícios da década de 60 e que não mais cessou de se transformar. Ouvido e reouvido o disco, tem-se a clara percepção de se estar em presença dum caso feliz e profícuo de reciprocidade na troca de ideias, no estímulo e provocação entre sopros, cordas e percussão; uma conta-corrente sempre em aberto, onde os músicos colocam e retiram ideias, influenciados uns pelos outros. Em Tensegrity, tema de abertura, o som limpo e aberto, do tipo marching band, de Dennis González (de tempos a tempos, repete um motivo melódico que lembra o canto duma ave), responde Rodrigo Amado com o peso a desenvoltura do seu saxofone barítono – ligação à terra, em contraponto com o elemento ar que é dado pela trompete.
Está dado o mote relacional entre os sopros, que, com interessantes nuances e diferentes modulações, atravessa todo o disco, tanto nos solos como no recorte instantâneo das melodias. O solo que R. Amado arranca ao segundo tema (Dreams/Reflections), por exemplo, funciona como uma raspagem à alma, daquelas que arrancam o sarro acumulado e nos deixam prontos para outra. Awareness, Meeting Our Times e o belíssimo e final Spiritualized, continuam as subidas e descidas entre a superfície e profundezas, facilitando o trabalho de introspecção.
Pedro Gonçalves (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria), mais que apoio rítmico, tarefa que desempenham com proficiência, primam sobretudo no desenho e na construção de uma sólida trama sobre a qual assenta a profusão de linhas e formas de metal colorido, pontualmente enriquecidas pelas cordas de Mitzlaff.
Tudo visto, Spiritualized é um disco sólido, de intenso groove, liberto de constrangimentos formais e académicos, bem urdido e coeso de fio a pavio. Bom de ouvir a qualquer hora do dia ou da noite. Venham mais (destes) cinco!