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24.11.06
 

Resolvi parar com o que tinha pensado ouvir hoje, que a chegada do novo disco de Marc Copland, por si só, tem uma força insurgente que se impõe, anulando o propósito anterior. Descobri este pianista essencial há já uns anos, salvo erro através dum Soul Note de 1995, em trio com Gary Peacock e Billy Hart. O programa de então, essencialmente orientado para os standards, deixou-me uma impressão positiva, que viria a confirmar com a audição de um disco belíssimo que fez para a HatOLOGY em 2001. De então para cá têm-se seguido vários solos e trios de muito boa colheita.
Copland é um pianista especialíssimo, tão discreto como sólido e seguro na afirmação de um estilo sensual, de suave teclar, sensível e delicado na construção da sua poética intimista. Como características da sua persona poder-se-ão referir a sobriedade discursiva, profundidade emocional, graça, técnica colorista e imaginação, a demarcação dum território emocional algures entre Uri Cane e Marilyn Crispell, um trio de grandes pianistas, coincidência ou não, originários de Filadélfia, que trabalham sobre a matéria-prima intemporal do jazz e a reconvertem de novo em música intemporal.
Modinha, assim se designa o disco de Marc Copland em trio com Gary Peacock e Bill Stewart, mais não faz que seguir aquele modelo, inserido num programa da editora alemã Pirouet, que pretende apresentar o pianista em três variantes do mesmo formato em trio. Foi assim que surgiu este Modinha, New York Trio Recordings, Vol. 1 (Pirouet), com Peacock e Stewart, dois dos mais legítimos representantes do que se pode justamente considerar a moderna arte do trio, reformulada nos seus trâmites e significados por Bill Evans, Keith Jarrett e Paul Bley, e aprofundada por um vasto número de seguidores, como Brad Mehldau, Fred Hersch, Bill Carrothers ou os citados Cane e Crispell, gente que libertou o trio de piano da rigidez do bop, amaciando-lhe os contornos, introduzindo-lhes novos ingredientes e outra ordem de preocupações estéticas.
Gary Peacock e Bill Stewart têm currículos impressionantes, sobejamente conhecidos de todos os que acompanham com alguma atenção as movimentações do jazz dos últimos, digamos 10 anos. Nem é preciso recuar a 1964, quanto a Peacock, ano em que gravou o emblemático Spiritual Unity, o totem de Albert Ayler, com Sunny Murray. De então para cá tantas foram as mudanças na paisagem do jazz, mas de comum há um aspecto a considerar: o de que Gary Peacock ter sabido manter-se sempre em lugar de destaque, menos por andar nas bocas do mundo, que pela afirmação de uma carreira na qual, se há característica que se possa isolar, é a de um extremo bom gosto e perfeição técnica, penhor de sessões no mínimo interessantes. Bill Stewart anda cá há menos tempo que a dupla sénior, mas em boa verdade está ao mesmo nível de excelência técnica e artística, a mesma sintonia, pensamento e capacidade de fazer sonhar muito para além das notas.
Disco para todas a horas, solares ou lunares, doces ou aziagas, com ou sem companhia. Não haverá decerto contexto pessoal passado, presente ou futuro, que Modinha não ajude a tornar mais apetecível. Exalte-se a cumplicidade e camaradagem no tratamento tanto dos seis originais de Copland, Peacock e do trio, como no refazer das ever green de A. C. Jobim (Modinha recebe um tratamento extremamente emocionante), Jerome Kern (o próprio haveria de aplaudir a bela volta que Yesterdays levou), ou de Vernon Duke (com Taking a Chance on Love, corre-se o risco de ficar à procura da rolha, sem saber de que terra é). ... the weightless condition, outer space, when you look back through the window where you used to be, floating in yesterdays... (Bill Zavatsky)
Clássico, moderno, intemporal, sentido, irreverente, enigmático, intimista – Modinha é disco do ano. Deste e dos outros todos. Da Pirouet, com distribuição lusa pela Dwitza.

 


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