Está prestes a sair o novo disco de Rodrigo Amado, TEATRO. Inaugura uma nova editora, a European Echoes, fundada e dirigida pelo saxofonista português. Inclui quatro temas gravados no Teatro Nacional de S. João, no Porto, na sessão que antecedeu o concerto que o trio de Rodrigo Amado (saxofones tenor e barítono), Kent Kessler (contrabaixo) e Paal Nielssen-Love (bateria) deu no Spectrum, ciclo de música improvisada, em Fevereiro de 2004. Esteticamente filiado numa longa descendência que vem de finais de 50 para cá, num movimento contínuo com altos e baixos que recrudesceu assinalavelmente a partir da década de 90, altura em que o free jazz conheceu um enorme impulso revitalizador, com epicentro simultâneo na Europa e nos EUA, Teatro foi gravado à primeira por músicos que nunca antes haviam tocado juntos enquanto trio. O resultado está à vista e impressiona favoravelmente a vários títulos, de que destacaria a fluidez discursiva, a qualidade musical e o elevado nível de coesão e interacção.
De fio a pavio sente-se que os músicos se instigam reciprocamente a progredir, sem acerto prévio, em insuspeitas direcções, confiando apenas na intuição e na experiência uns dos outros. Receita falível, é certo, mas quando em boas mãos, funciona e gera resultados como os que se podem ouvir em Teatro.
Do local de gravação, aos títulos, tudo remete para o universo teatral, imaginário reforçado pela dedicatória ao avô de Rodrigo Amado, Fernando Amado (1899-1968), dramaturgo, encenador, crítico, professor e entusiasta do teatro amador.
Tema a tema, o disco conta-se em quatro composições instantâneas, da introdutória The Iconoclast (19’30), em que o saxofonista começa por enunciar uma melodia simples, ao estilo de Fred Anderson, a dar o mote classizante, e a toma depois como pretexto para se lançar nos braços da improvisação livre, impulsionado pelo fluxo rítmico de Kessler e Nielssen-Love ao longo dos vários andamentos. Depois de um breve interlúdio, passa-se a Pandora's Box (16’30), em que a urgência de dizer dita o tempo mais rápido. Seguem-se Teatro (7’16) e Chasin’ Pirandello (5’59), temas que sintetizam e consolidam as ideias antes explanadas. Rodrigo Amado, afirmativo e a soprar com gana e convicção, opta nas duas composições finais por trocar o saxofone tenor pelo barítono, mantendo o discurso a meia-voz, lume brando que melhor serve os propósitos do trio. Da placidez contemplativa à imparável avalanche rítmica, ricos e variados são os ambientes em que se constrói a vida de que o disco capta e retém o pulsar instantâneo.
Disco de free jazz maduro, de base melódica, “Teatro” deixa uma impressão agradável e duradoura no ouvinte. Um clássico moderno “em cena” dentro de pouco tempo na novel European Echoes. Grafismo de Rui Garrido. Fotografia de Joaquim Mendes.