Inserido no programa de artes e de cultura artística do Fórum Imigração da Fundação Gulbenkian, como forma de dar visibilidade às obras criadas e produzidas por artistas imigrantes que vivem e trabalham em Portugal, às 21h30 de sexta-feira, 8 de Setembro, no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, actuou Contra-Banzo, de Alípio C. Neto.
Do percurso sólido e seguro que tem vindo a afirmar no contexto nacional no qual se inscreve a actuação deste quinteto, resulta à evidência que um dos méritos do saxofonista e compositor brasileiro Alípio C. Neto, há uma década a viver em Portugal, é o de saber acercar-se de músicos competentes, versáteis e tecnicamente bem apetrechados, capazes de cultivar um estilo multifacetado que resulta, afinal, da coerente combinação de uma variedade de estilos e formas de dizer.
Outro ponto a favor é o da composição. Neste aspecto, Alípio lida habilmente com elementos das correntes dominantes do jazz, do tradicional ao mainstream, passando pelo free, world music, e por várias manifestações da fusion, sinais que incorpora numa linguagem personalizada, sem que o produto final saiba a colagem, mercê da complexa arquitectura interna e do bom acabamento exterior das composições. Qualidade reforçada por uma modulação minuciosa e por arranjos elaborados, apoiados por uma execução fluida, robusta e cristalina, expansiva e intensa na explanação, em que primam interessantes passagens dinâmicas e progressões cromáticas ascendentes e descendentes, do tipo imaginário Don Cherry meets Igor Stravinski.
Assinalem-se as intervenções individuais, emergentes dos arranjos, com contenção, em vez de se espraiar em longos solos, apoiadas no fraseado complexo de Felix de Barros. Com a mão conscientemente a fugir-lhe para as proximidades do piano bop, esteve bem na alternância de passagens suaves e vigorosas – a ponte segura entre a base rítmica dinâmica e flexível de Ben Stapp, jovem tubista a crescer a olhos vistos, e Rui Gonçalves, que até convincente prova em contrário, continua a ser o melhor baterista de jazz (talvez por não o ser de raíz...) a actuar em Portugal – dois músicos que mostraram saber entender-se bem na gestão da intensidade dos fluxos rítmicos, mesmo tendo a seu desfavor um som de palco a que faltou corpo e um pouco mais de potência.
Ademais, um trio sóbrio e muito eficaz no serviço para a linha da frente, onde Jean‑Marc Charmier (trompete) e Alípio C. Neto (saxofone tenor) recebiam a informação, trocavam ideias entre si e alternavam papéis com total complementaridade ao nível dos tempos, timbres e estilos. Um, terra, macio e aveludado, a frase arredondada; o outro, fogo, rápido, sinuoso e sincopado, acrescentaram fantasia às interessantes passagens e progressões cromáticas ascendentes e descendentes que iam e vinham do centro para a periferia, e vice‑versa, em constante mutação, postos os recursos técnicos e a inventividade ao serviço da criação colectiva.
Música aberta às mais variadas influências, viva e extrovertida na procura do contacto personalizado com o ouvinte, esta nova proposta de Alípio C. Neto, embora assente maioritariamente em composições já trabalhadas, arranjadas e apresentadas noutros contextos pessoais e instrumentais, mantém intactas a frescura e originalidade primordiais. Ao mesmo tempo que deixa entrever novas direcções a explorar por um grupo que, de aparição única, poderia e deveria evoluir para o trabalho regular, a caminho da criação de uma identidade forte, de que já deu alguns sinais. O mais importante é que há faísca e passagem de corrente eléctrica.